Há dez dias que a terra arde na Madeira. Com muito vento, com tanta madeira e com todos os outros “excelentes” condutores térmicos, a ilha presta-se a este tipo de combustão fácil, descontrolada e que, com o aumento dos elementos adversos, nomeadamente o das alterações climáticas, se vai repetindo com uma frequência cada vez maior. Nesta dezena de dias, o que também testemunhamos é o desespero de quem quer sair da ilha e não consegue. Tal como nos dias em que os ventos fortes obrigam ao encerramento do aeroporto, também agora a ilha paradisíaca torna-se numa prisão – desta vez, uma prisão em chamas.
As entrevistas, reportagens e artigos de imprensa nos meios de comunicação internacionais, nomeadamente em Espanha, Alemanha, França e Itália, dão palco às histórias individuais de turistas bloqueados e encurralados, incapazes de regressar a casa. De facto, há vários anos que outra chama arde silenciosamente e sufoca os habitantes e turistas da ilha: a da mobilidade empurrada para um monopólio aeronáutico. E por que motivo acontece isto?
Em primeiro lugar, por causa da política pública de coesão territorial, ou melhor, da falta dela. Há décadas que os sucessivos governos da República investiram numa única forma de mobilidade para a Madeira: a aérea. Esta aposta não só revela falta de visão estratégica, como também expõe a ilha a uma vulnerabilidade extrema, agravada pela instabilidade operacional do aeroporto da Madeira, que tem uma das maiores taxas de encerramento devido a condições meteorológicas adversas. Para além disso, existem vários períodos do ano em que esse monopólio é utilizado por todas as companhias aéreas em uníssono, isolando a ilha pela prática de preços exorbitantes nas ligações ao Continente, de tal forma que há quem voe Lisboa-Madeira via Londres para poupar algum dinheiro – o ambiente, claro, agradece.
É um verdadeiro paradoxo que uma nação como Portugal, com uma das maiores zonas económicas marítimas e com uma história ligada aos Descobrimentos, não tenha uma ligação regular de barco entre o Continente e a Madeira. Em vez disso, esgotam-se os recursos públicos em aeroportos e no apoio a companhias aéreas falidas, deixando a ilha à mercê de um único modo de transporte. A falta de alternativas marítimas – nem mesmo para situações de evacuação – não só penaliza a economia local, como agrava o seu isolamento.
Outra entidade que merece críticas é a ANAC, a autoridade que deveria regular a nossa aviação civil. Em situações como esta, seria de esperar que a ANAC tomasse medidas fiscalizadoras imediatas e preventivas para proteger os direitos dos passageiros, garantindo que as companhias aéreas cumprem escrupulosamente com as suas obrigações legais. No entanto, a realidade é bem diferente. A ANAC, acomodada nos seus escritórios em Lisboa, opta por uma postura passiva, esperando que as companhias errem, que os passageiros sofram e que iniciem longos processos de reclamação junto das mesmas e, perante uma hipotética falta de resposta, então talvez a ANAC seja chamada a intervir.
Na verdade, a ANAC que é a ASAE ou, se preferirem, a Polícia da Trânsito da aviação civil, teria de destacar uma equipa de especialistas para verificar e acompanhar de perto as respostas das companhias aos passageiros – o efeito dissuasivo de uma tal presença teria um impacto muito positivo no cumprimento da lei. É sem espanto que, perante esta forma irresponsável de assumir a regulação, os operadores económicos abusem e desrespeitem os direitos dos passageiros... Eles são como nós: quando temos pressa para chegar ao Algarve e sabemos que não há polícia nem radares na autoestrada, alguém vai a 120km/h?!
Por fim, não posso deixar de mencionar as várias entidades do turismo, com destaque particular para a Confederação do Turismo de Portugal. O foco desta entidade tem sido, há anos, apenas um: o aeroporto de Lisboa. Tudo o resto é paisagem... e por sinal, bem queimada.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo