Para quem acompanha o setor da aviação, os recentes anúncios dos resultados semestrais de vários grupos e companhias aéreas continuam a contrastar com a forma minimalista e atrasada com a qual a TAP Air Portugal comunica os seus resultados aos seus investidores forçados – isto é: a nós, os contribuintes. Quanto ao seu conteúdo, a pergunta que não cala é evidente: de que forma é que a TAP conta fechar o ano (ou até mesmo o semestre) com lucros, como foi prometido pelo CEO aos deputados?
Observando as contas apresentadas pelos grandes grupos aeronáuticos europeus e pela líder no mercado intraeuropeu no primeiro semestre do ano, a tendência é clara: mais passageiros, menor receita unitária e mais custos.
O aumento generalizado da capacidade aérea levou a uma queda das tarifas, uma estratégia que se tornou necessária para preencher os assentos disponíveis que o mercado não conseguiu absorver a preços altos. Nas ligações aéreas intraeuropeias, as mais relevantes para a TAP tanto em número de voos quanto em número de passageiros, essa situação é particularmente preocupante. A Ryanair, líder desse mercado e líder de rentabilidade, baixou as suas tarifas para este verão de forma a compensar a quebra de lucro verificada no trimestre passado.
Embora a TAP não acompanhe à virgula os preços da Ryanair, esta tendência acabará por afetar toda a indústria e isso terá um impacto direto na tarifa média da TAP, até porque a Ryanair opera várias rotas para os mesmos destinos e voa diretamente do Porto, Faro e Funchal para muitas cidades, fazendo com que esses passageiros deixem de voar "via Lisboa" com a TAP.
Além disso, os grandes grupos aeronáuticos – como a Air France e a Lufthansa – estão a redirecionar a capacidade do Médio Oriente (Israel, Líbano e Jordânia) para outros destinos do sul da Europa e estão a substituir alguns dos seus voos para a Ásia – prejudicados pela guerra na Ucrânia devido aos custos operacionais proibitivos de não se poder sobrevoar o espaço aéreo russo – por mais voos para as Américas. Isso inclui o aumento de frequências e a introdução de novos destinos para o Brasil e Estados Unidos, os principais mercados intercontinentais da TAP.
Não muito longe de Lisboa, a Iberia, do grupo IAG – aquele que apresenta os resultados e margens de lucro mais sólidas – será o cliente de lançamento do Airbus A321XLR, um avião inovador que permitirá voos de longo curso com menos passageiros a um custo operacional muito competitivo. A Air Europa, agora fora da órbita da fusão com a Iberia, focará no crescimento das suas ligações “low cost” entre a Europa e as Américas via Madrid; por fim, a Royal Air Maroc retomou as ligações entre a Europa e Luanda e São Paulo via Casablanca e continuará a aprofundar o seu papel nas ligações rápidas e baratas para África, incluindo Bissau e Cabo Verde.
No caso dos voos diretos de Portugal para a África lusófona – um mercado pequeno em termos de frequências semanais, mas altamente rentável devido aos preços elevados apenas possíveis devido a um sistema jurídico-comercial de monopólio ou duopólio – o inevitável acontecerá a partir novembro: a easyJet abrirá duas rotas para o Sal à partida de Lisboa e do Porto baixando as tarifas para metade.
Embora ainda estejamos longe das tarifas disponíveis para destinos europeus à mesma distância, como Atenas ou Berlim, esta é uma primeira lança em África que fará estremecer a tarifa média da TAP nesta rota. Perante este panorama, as previsões de lucro para a TAP são incertas e é possível que o prejuízo esteja à vista. Certo é que, a 20 de dezembro de 2024, será transferida a última tranche da doação dos contribuintes portugueses, no valor de 343 milhões de euros, do nosso Orçamento do Estado.
É triste que todas estas questões superficiais da aviação comercial se tenham tornado uma preocupação nacional e dos governantes, distraindo-os do que realmente importa e do que realmente gera riqueza para o país… a começar por permitir que as maternidades funcionem em agosto, que as escolas eduquem os bebés que nascem e, já agora, que depois de educados, eles não emigrem… É que, se o fizerem, 80% deles nem sequer utilizarão a TAP para fugir daqui para fora.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo