Pela primeira vez na nossa história desportiva, Portugal conquistou uma medalha de ouro olímpica fora do atletismo. Foi no ciclismo, uma modalidade que, para muitos, não estava sequer no radar. No entanto, esta vitória não é fruto do acaso e muito menos de um investimento de última hora. Este ouro olímpico é o resultado de muitos anos de dedicação e de investimento pessoal com uma clara meta a atingir. Só faltava saber por quem e quando.
Este é um exemplo de visão aguçada e acompanhada por uma estratégia bem definida e, sobretudo, bem executada. Mas tudo isto demorou tempo, custou dinheiro, impôs escolhas e sacrifícios. Apenas agora que conhecemos o “final feliz”, conseguimos rebobinar a cassete e perceber o início, o meio e o fim desta história que ainda está no início. Não pretendo direcionar esta reflexão para a eterna questão de que em Portugal apenas se liga e só se fala de futebol. E claro: só existe dinheiro público e privado “à séria” para o futebol e depois sobram uns trocos para as outras modalidades. Tudo isto é por demais óbvio, nada de novo.
A minha reflexão de hoje é sobre esta incrível receita de sucesso: “visão-estratégia-investimento-resultados”. É isto que falta aos nossos líderes políticos de hoje. Viciados nos seus cargos, muitos parecem não ter qualquer interesse ou vocação, e muito menos dedicação à causa pública e àquilo que lhes é pedido enquanto eleitos – são nossos empregados. Todos eles. Com exceções raras, assistimos a uma classe política mais preocupada com os seus egos gigantes e com crescimento das suas “estantes” – as dos próprios e as dos amigos e familiares.
Onde fica o futuro do país? Neste caso concreto, fica em Anadia (alguém pensou nesta localização antes?), no único velódromo nacional construído em 2009. Nem os dez estádios de futebol de 2004 nos trouxeram o equivalente à medalha de ouro olímpica no futebol que seria a taça da copa do mundo. Com um tiro bem certeiro, com um investimento bem menor e com 15 anos de dedicação, o “furo de Anadia” não poderia ser maior. É este nível de determinação e de visão que deveria acompanhar cada decisão política.
Na verdade, se os decisores públicos fossem submetidos aos mesmos exames de doping que os atletas olímpicos enfrentam, é provável que muitos deles fossem desqualificados. A visão que têm para o país é limitada pelos ciclos de eleição dentro dos próprios partidos e, depois, pelos atos eleitorais externos, o que impede de pensar a longo prazo o futuro do país e de construir este caminho até ao “pódio”. Em vez disso, querem construir o “novo” aeroporto em Lisboa, que pode ser confundido com um projeto de longo prazo. Há 60 anos que esta ideia tem sido debatida e parece que finalmente foi “decidida”. Será que faz sentido executar um plano dos anos 60 do século passado e inaugurá-lo 70 anos depois?
Vamos, por hipótese, assumir que, por decisão destes políticos "dopados" que temos, o país gasta 10 mil milhões de euros do nosso dinheiro público num novo aeroporto que abrirá daqui a dez anos. Este aeroporto, pela sua dimensão, atrairá 70% ou mesmo 80% de todo o tráfego aéreo nacional para a capital (o atual já representa 50% e é porque está “congestionado”... imaginem se não estivesse). Quando estiver finalmente construído e a funcionar, lá para 2035, em que modalidade e que medalha Portugal irá ganhar com este “investimento”? A do turismo em excesso? A da concentração de tudo e de todos em Lisboa? A do pior custo-oportunidade do investimento público?
Alcochete é o exemplo paradigmático que ilustra a falta visão e de estratégia relativamente ao país que queremos ser e é um exemplo óbvio de submissão a outro tipo de interesses privados. O que precisamos, acima de tudo, é de pensar no futuro com a mesma dedicação e visão estratégica que levou Portugal a conquistar este “inesperado” ouro olímpico. Alcochete em ricochete ou a história de quantos pódios vamos continuar a falhar.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo