
Quatro anos depois de ter deixado a política ativa no concelho de Benavente, Pedro Pereira reaparece para fazer um balanço, sem meias palavras, da vida política local e do estado atual do Partido Socialista, onde militou durante mais de duas décadas, tendo sido mesmo o candidato que alcançou o melhor resultado do passado recente do partido em Benavente, elegendo dois lugares no executivo municipal.
Em entrevista, não esconde alguma desilusão com o percurso recente do PS e admite que a sua ausência da vida política se deveu, acima de tudo, à necessidade de se dedicar à família e a uma nova fase profissional.
“Tenho-me dedicado a ser pai presente. A minha filha tem quase quatro anos, e isso coincidiu com o meu afastamento da política. Além disso, tenho estado a trabalhar na Câmara Municipal de Lisboa, numa área que me trouxe estabilidade e tranquilidade. Confesso que me fez bem este tempo fora da ribalta”, começa por explicar.
Questionado sobre a trajetória recente do Partido Socialista em Benavente, Pedro Pereira não esconde a crítica. “O PS tem cometido sucessivos erros, sobretudo por nunca conseguir manter estabilidade na escolha dos seus candidatos. Muda-se de candidato quase de quatro em quatro anos e isso gera divisões internas que passam cá para fora. Os eleitores percebem essa instabilidade e penalizam o partido nas urnas. Desde a minha saída, é factual, o PS tem vindo a perder eleitorado”, atira.
Pedro Pereira recorda que, enquanto foi candidato, conseguiu resultados que não foram replicados depois. “Tínhamos dois vereadores, fizemos uma oposição acutilante, marcámos o nosso espaço. Depois disso, houve falta de estratégia e de liderança. O PS tem dado tiros nos pés, e isso nota-se.”
Sobre a governação da CDU, também não poupa reparos. “É uma governação de continuidade, sem rasgo, sem inovação, sem capacidade de projetar o concelho para fora das suas fronteiras. O PS, que chegou a ter um papel relevante nesta governação, nunca conseguiu impor mudanças estruturais. Foi mais do mesmo.”
O tema da polémica em torno da construção de uma mesquita em Samora Correia mereceu particular atenção nesta conversa. Pedro Pereira não esconde o desconforto com a forma como o PS local geriu o assunto. “A posição que o PS tomou neste tema é contrária aos seus próprios valores. A liberdade religiosa está consagrada na Constituição e o PS sempre a defendeu. Aquilo que aconteceu foi um aproveitamento político, com um discurso muito próximo daquele que normalmente associamos ao Chega. Foi um erro grave que só favoreceu esse partido”, afirma.
Pedro Pereira acredita que a gestão deste dossiê terá consequências. “O PS quis fazer populismo, achou que ia ganhar votos, mas só abriu portas ao Chega. Hoje, nas redes sociais, percebe-se quem dominou a narrativa foi o Chega. O PS sai desta história mais fraco e mais dividido.”
Quanto ao seu futuro político, assume que recebeu convites, mas não equaciona regressar por enquanto. “Tive convites, mas não aceitei. Não me revejo noutro partido que não seja o PS ou, eventualmente, um movimento independente. O PS, como está, não quer a minha opinião. Não há abertura interna para quem pensa diferente da linha que foi seguida. Por isso, mantenho-me como cidadão atento, vou partilhando opiniões, mas estou fora de qualquer lista”, esclarece.
Pedro Pereira fala com pesar da saída de quadros socialistas que passaram a independentes. “É sempre mau sinal quando pessoas que deram tanto ao partido saem. Isso mostra que algo não está bem. Internamente há divisões profundas e quem perde com isso é o PS e são as populações.”
Na sua análise ao momento político, vê dois blocos claramente definidos. “A CDU garante estabilidade, mas representa o mesmo de sempre. A Aliança Democrática (AD) PSD/CDS, apresenta uma equipa mais sólida, com provas dadas e poderá ser uma alternativa real. O Chega não ganhará, mas poderá surpreender. O PS, com muita pena minha, luta pelo terceiro ou quarto lugar.”
Instado a identificar as prioridades que defende para o concelho, Pedro Pereira não hesita. “A rede de transportes e a habitação. O concelho não tem uma rede de transportes eficaz, o que prejudica quem trabalha fora e as próprias empresas. A chegada do novo aeroporto obriga a uma visão estratégica que não existe. O município tem de antecipar essas mudanças, preparar-se com transportes terrestres, fluviais, ferroviários. A habitação é outro problema, sem casas, as pessoas não vêm e as empresas não se fixam.”
Sobre o impacto do futuro aeroporto no Campo de Tiro, sublinha que os próximos anos serão decisivos. “Os próximos oito anos vão definir o futuro do concelho. É preciso planeamento, proteger o território, evitar a construção desordenada e preparar um plano estratégico até 2050. O PSD está melhor posicionado, tem canais diretos com o Governo, pessoas influentes nas empresas públicas e pode, mais facilmente, fazer chegar as suas reivindicações.”
Sobre um eventual regresso à política, deixa a porta entreaberta. “Neste momento, não. O timing não é oportuno e não há vontade da parte do PS. Quem começou este caminho deve terminá-lo. Se perder, que assuma as consequências. Quanto a mim, quem sabe daqui a quatro anos, com outra disponibilidade pessoal, possa voltar, seja no PS, seja noutro projeto.”
Questionado sobre o futuro do PS, tanto a nível local como nacional, mostra preocupação. “O PS é um partido plural, mas falta-lhe sentido coletivo. Demasiadas vezes, os interesses pessoais sobrepõem-se ao projeto comum. A desunião é visível e isso paga-se nas urnas. Espero estar enganado, mas há câmaras no distrito que o PS pode perder por causa dessas divisões.”
Pedro Pereira termina com um alerta. “O PS precisa de se recentrar, unir-se e trabalhar por objetivos comuns. As populações não querem saber das guerras internas, querem respostas para os seus problemas. E isso tem faltado.”