
Além daquela isolada coisa para a qual dizem não haver solução, até para os cenários de maior penúria há escapatória. É indelével a surreal época do Manchester United, mas o deslizamento de terras que Ruben Amorim resolveu surfar podia ser disfarçado vencendo a Liga Europa e qualificando-se para a Liga dos Campeões. Era colocar um penso rápido num golpe profundo, ainda assim, era possível de se fazer. Acontece que à pior temporada de sempre na Premier League, os red devils juntaram uma desilusão imensurável.
No momento em que o guarda-redes do Tottenham saiu da baliza de cabeça, Højlund cabeceou aproveitando que Vicario quis mimetizar um pinguim e Micky van de Ven apareceu a impedir o golo através de um corte com a tesoura de poda, o Manchester United caiu por terra. Por outras palavras, as folhas do chorão pingaram no San Mamés.
Mesmo que o treinador que perdeu a oportunidade de conquistar o primeiro título pelo clube se tenha deixado levar pela emoção, catapultando Maguire para a área nos minutos finais, o plano estava racionalmente delineado. Não terá sido ao acaso que o Manchester United, à espera do verão para ir às compras, abriu uma exceção e adquiriu Patrick Dorgu em janeiro. O impulso consumista diversificou as opções de uma equipa com várias roupagens, todas elas tendo como ponto comum aquela peça do lado esquerdo.
Curioso que Ruben Amorim tenha tentado pedir ao Manchester United, uma equipa em autoconhecimento, o que fazia a versão madura do Sporting que entregou a João Pereira. Incontáveis foram as vezes que à linha de cinco defesas foi subtraído um elemento. Luke Shaw e a sua capacidade de construir olhando em frente alavancavam Dorgu. A pressão recaía assim sobre Pedro Porro, escudo de Amorim em tantas guerras do Sporting e que agora se esfola em impetuosidade no Tottenham.
Más línguas dirão que foi culpa desta propositada intermitência que o Manchester United sofreu perto do intervalo. É verdade que Brennan Johnson apareceu de rompante e Luke Shaw nem o viu, mas, nesse momento, Dorgu até estava por perto para o avisar. Não o fez e, mesmo que em ata não venha a ficar registada qualquer justificação para tal, o Tottenham passava a liderar um jogo perro.
A verdade é que corre o rumor que em Bilbao as purpurinas estão esgotadas. Afinal, o Manchester United esteve mal na Premier League, mas o Tottenham ainda conseguiu ser pior. Ligados pela tragédia, estes atores terciários do futebol inglês protagonizaram a primeira final europeia de sempre entre duas equipas que terminaram o respetivo campeonato fora do top-10.
De modo a simplificar, nada como pedir o bê-á-bá. Nisso Ruben Amorim e Ange Postecoglou concordaram. Com um dique no meio-campo composto por uma mescla de camisolas brancas e vermelhas - Mason Mount vinha da esquerda criar igualdade numérica -, não existia curso ofensivo que por ali fluísse. A inspiração era expulsa para os flancos, onde Amad Diallo e Brennan Johnson sobressaíam.
Ruben Amorim tentava igualar o feito de José Mourinho, vencedor da Liga Europa em 2016/17 pelos red devils. Um ganhou-a desprezando a bola, o outro perdeu-a ao usurpar a posse de maneira inócua. Por isso, fez sentido a entrada de Garnacho, eletrizante extremo que mata e morre dos mergulhos de cabeça sobre os defesas.
Estava na hora de acionar o plano Coates, recurso que consiste em transformar um central num avançado e servir-lhe cruzamentos às colheradas. Cristián Romero espicaçou Harry Maguire e desanimou o ponta de lança improvisado por cada vez que festejava um corte na cara do oponente.
A primeira equipa acima da linha de água na Premier League conquistou a Liga Europa pela primeira vez, sendo o terceiro clube inglês a fazê-lo no novo formato. Pode parecer algo pouco significante, mas não se admirem que amanhã apareça um adepto dos spurs com o troféu tatuado no gémeo. Ao fim de dez temporadas no Tottenham, Son Heung-min ganhou o primeiro título. Para quem apoia os londrinos há ainda mais tempo, acabou uma seca de 17 anos sem ganhar uma competição. Não é apenas uma Liga Europa, é o momento de uma vida para alguns.
Quando o sul-coreano ergueu a taça, a metade do estádio destinada aos adeptos do Manchester United já estava desocupada. Ruben Amorim não tinha a certeza se, na próxima época, era melhor estar na Liga dos Campeões ou ter mais tempo de treino com o plantel. O nível básico do curso de desapertar nós decidiu por ele.