
O Tribunal de Aveiro condenou um homem de 56 anos a 19 anos e nove meses de prisão pelo homicídio qualificado da companheira, de 43 anos, ocorrido a 27 de maio de 2022, em Águeda. O caso, marcado por contornos particularmente cruéis, envolveu a administração de ácido sulfúrico misturado com vinho branco — uma substância letal que o arguido terá dado a beber à vítima de forma deliberada.
Um crime planeado e silencioso
De acordo com a acusação do Ministério Público, o arguido, um empresário do setor de transportes, aproveitou o contexto de fragilidade da companheira — que sofria de problemas de alcoolismo — para levar a cabo o plano homicida. Num dia aparentemente banal, serviu-lhe um copo de vinho branco onde previamente misturara ácido sulfúrico, causando lesões internas irreversíveis.
A mulher ainda foi transportada com urgência para o Hospital de Águeda, mas acabou por falecer devido à gravidade das lesões químicas no esófago e estômago. As perícias médico-legais confirmaram a presença do ácido e afastaram a possibilidade de acidente.
Arguido nega crime, mas provas foram decisivas
Durante o julgamento, o arguido negou de forma sistemática qualquer intenção de matar a companheira. Alegou que a morte teria resultado de um trágico acidente e que a própria vítima poderia ter confundido substâncias devido ao seu estado de embriaguez. Contudo, o tribunal considerou estas explicações inconsistentes, sobretudo face às provas recolhidas, incluindo análises laboratoriais, testemunhos de vizinhos, registos telefónicos e a aquisição prévia do ácido.
O coletivo de juízes descreveu o ato como “particularmente pérfido”, sublinhando a frieza e a premeditação envolvidas. A sentença considerou ainda que o homem se aproveitou da dependência alcoólica da vítima e da relação desigual de poder entre ambos para concretizar o crime sem recorrer à força física.
Indemnização aos filhos e impacto social
Além da pena de prisão, o arguido foi condenado a pagar uma indemnização de 190 mil euros aos três filhos da vítima, que ficaram órfãos. A família da mulher expressou, em comunicado, um misto de alívio e tristeza com a decisão: “A justiça foi feita, mas nada nos devolve a nossa mãe”, afirmaram.
O caso chocou a cidade de Águeda e reacendeu o debate nacional sobre a violência doméstica em Portugal, especialmente em contextos onde não existem sinais óbvios de agressão física. Organizações de apoio às vítimas lamentaram a tragédia, alertando para a necessidade de maior vigilância social, apoio psicológico em relações tóxicas e acompanhamento de casos de dependência e vulnerabilidade.
Violência doméstica em Portugal: um problema estrutural
Apesar dos avanços legais e da crescente sensibilização social, Portugal continua a registar números preocupantes no que diz respeito à violência no seio familiar. Em 2024, foram contabilizados mais de 28 mil casos de violência doméstica, segundo dados do Ministério da Administração Interna, sendo a maioria das vítimas mulheres.
Este caso, com contornos invulgares pela subtileza e método utilizado, deixa um alerta claro: o perigo pode não estar sempre visível. A violência psicológica, a manipulação e a premeditação são formas de agressão que exigem atenção redobrada por parte das autoridades, das comunidades e das redes de apoio.