
O investigador John Krakauer da Fundação Champalimaud defendeu hoje que a utilização de inteligência artificial como medicina já é uma realidade, mas alertou que mal utilizada pode prejudicar a memória e o pensamento crítico.
"Não venho falar-vos de inteligência artificial na medicina, venho falar-vos de inteligência artificial como medicina. (...) Não é ficção científica, é real", disse o cientista na conferência Medica AI, que decorre hoje na Fundação Champalimaud, em Lisboa.
Na sua intervenção na segunda edição desta conferência, que reúne investigadores, médicos e cientistas de todo o mundo para explorar como a inteligência artificial (IA) está a revolucionar a medicina, Krakauer referiu-se em concreto à utilização da tecnologia na neurotecnologia comportamental.
Lembrou também projetos que estão a utilizar a implantação de elétrodos no cérebro e na coluna vertebral para contornar lesões cerebrais ou na espinal medula, conjugados com jogos interativos produzidos com IA que permitem exercitar e reaprender a mobilidade (exergaming, mistura de jogo e exercício).
Falou também de um caso em que a IA generativa é utilizada em pacientes com perturbação obsessivo-compulsiva para simular as situações causadoras de stress para o paciente, de forma a dessensibilizá-lo e ajudá-lo a superar a doença.
"A IA é medicina por si só", afirmou.
No entanto, questionado se a crescente utilização da IA pode também conter em si o risco de tornar o cérebro mais preguiçoso, Krakkauer admitiu que há esse perigo se "externalizarmos o cérebro com a IA".
"Há evidências crescentes de que se passa alguma coisa com a cognição humana", admitiu, exemplificando que há estudos que indicam que o quociente de inteligência (QI) está a cair.
Embora escassa, a evidência existe, alertou, e afeta áreas diversas da capacidade cognitiva, como a memória: se sabemos onde encontrar a informação facilmente, não precisamos de treinar o cérebro para reter a informação.
Outra área em que "há definitivamente um declínio" é a capacidade de pensamento crítico e as pessoas aceitam as respostas da IA generativa sem questionar, como se se tratasse de verdades absolutas.
A capacidade de orientação está também em risco devido à sobredependência dos sistemas de navegação, como o GPS, que dispensa a memorização de trajetos.
Apesar dos perigos, o cientista disse acreditar que as perdas que já se verificam não são irreversíveis e afirmou que a própria tecnologia pode ajudar a reverter os danos e prevenir o declínio cognitivo, com programas educativos como os que já se usam para prevenir o envelhecimento cerebral.
"Uma forma de contrariar [a perda cognitiva] é usar os jogos interativos (exergaming) em salas imersivas para estimular o cérebro", exemplificou, sugerindo que poderá até vir a ser um programa para se fazer em família: "Em vez de irem almoçar fora, as famílias podem ir experimentar uma destas salas imersivas e estimular o cérebro. Sabemos que funciona para prevenir o envelhecimento cerebral".