
Se não tem conotação negativa, falar em vingança acenderá, pelo menos, a lamparina do inconveniente na figura de quem a profere. Parece ficar mal, banalizou-se quiçá ser deselegante, alguma aversão há em publicamente assumir que a intenção é vingar uma derrota em detrimento de dizer com pantufas que se pretende ganhar em vez de perder. Porquê? É difícil traçar a origem. Chegada ao deserto árido e ventoso da Califórnia, uma tenista ligou patavina a esta convenção não escrita.
Aryna Sabalenla deixou-se de pruridos. Chegou a Indian Wells impelida por um espírito de missão, farta da vida aos solavancos de raquete na mão desde que saíra debaixo da toalha sob a qual se escondera nos derradeiros momentos do Open da Austrália: acabada de perder a final em Melbourne, sentou-se no banco e tapou a cabeça, quis tapar as lágrimas das vistas alheias antes das obrigações de cordialidade a chamarem a discursar no protocolo póstumo do jogo decisivo do primeiro Grand Slam da temporada. A bielorrussa perdera contra Madison Keys, norte-americana que a impediu de conquistar a terceira edição seguida do torneio.
O pranto inicial foi o menos, a derrota arrasou-a. Nos dois eventos seguintes que jogou perdeu à primeira no Catar e ao segundo encontro no Dubai, perdas irreconhecíveis em Sabalenka, a líder do ranking mundial. “Estava de coração partido a seguir à final na Austrália, foi muito difícil recuperar. Nos torneios no Médio Oriente não parava de pensar nisso e, provavelmente, foi esse o meu erro”, desvendou a bielorrussa numa das primeiras conferências de imprensa em Indian Wells, quando já se notava um ímpeto. Uma renovada intenção de se redimir.
Tenista de pancadas poderosas do fundo do court, manipuladora de uma potência quase sem paralelo no circuito feminino, no Masters 1000 que para Sabalenka “é como um Grand Slam” ela foi livrando-se de adversárias sem esses macaquinhos mentais, sem ceder um set, sem realmente sofrer contra quem fosse. Até que alcançou as meias-finais, onde a ocasião lhe proporcionou revelar a sua missão sem cerimónias: “Estou muito contente por esta hipótese de ter alguma vingança.”
Do outro lado da rede, na sexta-feira, esteve Madison Keys, a carrasco da desilusão na Austrália com que a bielorrussa sofreu para fazer a digestão. “Por isso adoro o ténis. Se não desistires, se trabalhares no duro, a vida vai trazer-te uma oportunidade para melhorares os erros que cometeste”, disse a número um do mundo. Ela provou depois que ansiava por tal ocasião: contra a 5.ª classificada da hierarquia WTA, a bielorrussa venceu por 6-0 e 6-1, demorando 54 minutos a terraplanar o ténis da norte-americana que vinha de uma série de 16 partidas consecutivas a ganhar.
Num court central friorento e bastante ventoso de Indian Wells, onde ambas as tenistas se tiveram que agasalhar e jogar de manga comprida, Sabalenka nem uma onça de distração aparentou. De cara série e compenetrada, destroçou a adversária com martelos do fundo do court ou suaves amortis junto à rede quando já a encostara às cordas. Ao fim de 24 minutos já aplicara o bagel no primeiro parcial e, no segundo, Keys até celebrou como se de uma vitória se tratasse quando foi capaz de vencer o seu único jogo de serviço do encontro.
Fechada a impressionante vitória, feita no raro desnível entre jogadores tão próximas uma da outra no top 10 do ranking, a mulher numa missão despiu-se então de pruridos. “Estou super contente com a forma como joguei. Precisava muito desta vingança, estava bastante focada. Estava com fome”, disse, assim, sem hesitar, modesta depois na avaliação do que fez a Maidon Keys: “Não esperava que a partida terminasse tão rápido.” Na verdade, ninguém teria antecipado tal desnível.
Saboreada a vingança, Aryna Sabalenka defrontará, na final, a adolescente maravilha do ténis que mesmo sem emanar tal desejo em público, quererá igualmente virar a agulho no histórico de confrontos: do lado de lá da rede estará a russa Mirra Andreeva, prodígio de 17 anos que é treinada por Conchita Martínez e perdeu quatro dos cinco jogos entre ambas. “Senti-me como uma mãe velha a jogar contra uma criança”, brincou a bielorrussa. Mas atenção: “Tenho muita vontade de defrontar esta adolescente.”