O académico polaco Zdzislaw Mach defende que a eleição do nacionalista Karol Nawrocki para Presidente da Polónia "não é o fim do mundo", mas "muda muita coisa" com um perfil "mais radical à direita" do que o seu antecessor.

Em entrevista à Lusa no rescaldo da segunda volta das presidenciais, no passado domingo, o fundador e ex-diretor da Faculdade de Estudos Europeus da Universidade Jaguelónica de Cracóvia antecipa más notícias para o Governo do liberal Donald Tusk, que terá de conviver com um Presidente "muito mais hostil".

Andrzej Duda partilha com Nawrocki o apoio dos conservadores populistas da Lei e Justiça (PiS), maior partido de oposição, mas o seu sucessor é "mais radical à direita", ou mesmo "um soberanista antieuropeu", segundo o docente de Sociologia e Antropologia Social, que é hoje orador no Estoril Political Fórum, organizado pela Universidade Católica Portuguesa.

Até ao fim do segundo e último mandato, Duda usou amplamente o seu poder de veto durante a convivência com a atual coligação governamental, numa "cooperação relutante", retardando as reformas prometidas por Donald Tusk.

"O primeiro-ministro parecia estar à espera destas eleições para impor mudanças, o que acabou por ser um erro", segundo Zdzislaw Mach, ainda que o seu candidato, o autarca de Varsóvia, Rafal Trzaskowski, tenha perdido tangencialmente.

Haverá muitas causas para explicar a derrota e "pode ser qualquer uma" numa diferença de apenas 1,78 pontos percentuais, mas o Governo estará a pagar "o elevado preço" de um eleitorado "desiludido com promessas não cumpridas" e que o vê como "incompetente, indeciso e preguiçoso".

Passou-se apenas um ano e meio desde as históricas legislativas de outubro de 2023, quando Donald Tusk forçou uma coligação pós-eleitoral para expulsar o PiS do executivo, ao fim de oito anos consecutivos no poder, sob acusação de deriva autoritária e uma estratégica de confrontação com a União Europeia.

Esta semana, o primeiro-ministro apresentou uma moção de confiança, que será votada no parlamento em 11 de junho, tendo já uma declaração de unidade dos líderes da coligação, em antecipação da instabilidade que se avizinha.

"Tusk é um político muito experiente e provavelmente o Governo sobreviverá". comenta o académico, até porque sabe que se houvesse legislativas agora, "o campo oposto ganharia".

Após as presidenciais, "o lado conservador da sociedade sente-se agora reforçado" pela vitória de Nawrocki, bem como a extrema-direita da Confederação, de Slawomir Mentzen, e também de Grzegorz Braun, ambos candidatos ultrarradicais que juntos obtiveram mais de 20% na primeira volta.

“A migração é um problema em toda a Europa”

Apesar de o apoio à Ucrânia contra a agressão russa não ficar em causa com Nawrocki, os cidadãos "têm hoje sentimento mistos" em relação ao país vizinho e aos mais de um milhão de refugiados ucranianos que se refugiaram na Polónia nos últimos três anos.

"A migração é um problema em toda a Europa, mas na Polónia a sociedade não está habituada a ela e uma coisa foi dar ajuda aos refugiados [no início da invasão, em fevereiro de 2022], outra é viver com eles", observa o docente de Cracóvia, referindo-se a divisões criadas pelos apoios estatais ou pelos desafios colocados ao sistema de ensino.

O candidato conservador capitalizou este sentimento ao defender a redução de benefícios sociais para esta comunidade, e ao pactuar com a extrema-direita na recusa da adesão de Kiev à NATO e envio de militares polacos para o país vizinho.

Nawrocki, 42 anos, historiador de formação e ex-diretor do Instituto de Memória Nacional, pretende também revisitar a "tragédia de Volhynia" e o massacre de cem mil polacos por nacionalistas ucranianos em 1943 como forma de normalização com Kiev, "e vai certamente fazê-lo", prevê Mach, e defende ainda a reparação da Alemanha pela ocupação durante a Segunda Guerra Mundial, "o que já será ridículo, porque não conseguirá nada, exceto problemas".

Antigo pugilista era conhecido como “Now Rocky”

O futuro Presidente, um apaixonado pelo submundo do crime e antigo pugilista semiprofissional conhecido como "Now Rocky", apresentou-se às eleições como independente sem currículo político.

Entretanto, ultrapassou escândalos relacionados com uma compra de um apartamento a um idoso a troco de assistência social que não aconteceu, prostituição e hooliganismo, mas, "à semelhança do que aconteceu com [o norte-americano Donald Trump, metade do eleitorado não se importou muito com isso", ao contrário da outra, o que demostra "um país profundamente dividido"

Antes das eleições, o político republicano recebeu o historiador e seu admirador na Casa Branca e vaticinou a sua vitória, "o que foi um pouco embaraçoso", refere Mach, uma vez que, "na perspetiva do Trump, uma pessoa como Nawrocki vai enfraquecer a União Europeia [UE]".

Este respaldo foi reforçado pela secretária de Segurança Interna norte-americana, Kristi Noem, "numa intervenção não muito elegante" na política interna polaca junto de quem pensa que são os Estados Unidos e não a Europa "a única garantia de segurança" do país, com uma guerra à porta.

Numa fase em que a Polónia "esperava tornar-se num ator europeu importante com a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha, especialmente na política de defesa", o país corre agora o risco de deixar de ser "um parceiro fiável", comenta Mach, que foi conselheiro do Governo nas negociações de adesão à UE.

Afinal, na Constituição, o Presidente "pode não ter muito poder, mas tem o poder de impedir que as coisas aconteçam" e usar as suas competências ao nível de politica externa e europeia.

Nesse sentido, caberá agora ao Governo "tentar pelo menos fazer alguma coisa e introduzir reformas para mudar a situação a seu favor" e tem dois anos e meio até às próximas eleições.

Até lá, o quadro colocado pela vitória de Karol Nawrocki "não é o fim do mundo nem algo que cause danos que durem 20 anos", mas tornará "as coisas muito mais difíceis na Polónia e também na Europa".