“O fascismo é uma minhoca
Que se infiltra na maçã
Ou vem com botas cardadas
Ou com pezinhos de lã”
O fascismo, hoje, já não entra pelas praças ou em desfiles militares, infiltra-se silenciosamente pelos ecrãs dos telemóveis. A extrema-direita não grita “ordem e autoridade” com farda, insinua-se com memes.
E é por isso que o que distingue André Ventura dos outros líderes partidários não é apenas o discurso odioso e autoritário, mas sim a forma como domina os meios de comunicação contemporâneos, especialmente as redes sociais, como o X, o YouTube, Instagram e o TikTok, onde as frases curtas se tornam armadilhas políticas.
Há um paralelismo inquietante entre esta forma de atuação e o trabalho de António Ferro, responsável pela propaganda do Estado Novo. Enquanto as redes sociais têm vindo a contribuir para a desinformação e para um molde de pensamento ligado à extrema-direita, Ferro fazia da propaganda um arremesso do regime, para convencer que Salazar era a pessoa certa no sítio certo.
O líder da propaganda salazarista controlava os jornais e produzia discursos cuidadosamente orquestrados para criar um país idealizado: um Portugal purificado da modernidade e impermeável a ameaças exteriores.
Ventura, adaptando-se à atualidade, ecoa a filosofia política de Filipe II da Macedónia – dividir para reinar – baseada numa divisão entre os “portugueses de bem” e os outros, ignorando que este será sempre um problema estrutural da desigualdade de classes, e não uma divisão entre quem recebe mais ou menos subsídios.
É um discurso maniqueísta que vive da divisão constante e da criação de um “outro” a ser combatido. Tal como António Ferro deu forma à estética do salazarismo, Ventura domina a estética do ressentimento contemporâneo graças às redes sociais, onde a agressividade é mascarada de franqueza e a desinformação é o “pão nosso de cada dia”.
É como se as redes sociais se tivessem tornado no novo ‘Ministério da Propaganda’. O líder do Chega, graças à vitimização e às indignações instantâneas, tem vindo a impor a sua visão de país sem debate. A sua linguagem calculada parece cumprir uma função semelhante à dos cartazes e exposições do Estado Novo: não informar, mas moldar perceções e fabricar o consenso pelo medo.
Já não se trata de política, mas sim de performance. Tal como Ferro erguia heróis míticos para dar cor a Portugal, Ventura cria caricaturas: o político corrupto, o imigrante criminoso e o português honesto e revoltado.
A semelhança não reside apenas na retórica, mas na instrumentalização da comunicação. Onde Ferro tinha o monopólio dos jornais e das revistas para glorificar o regime, Ventura tem o algoritmo, os likes e os tiktoks que amplificam o seu discurso e o transformam num espetáculo constante.
Tal como António Ferro acreditava que a propaganda podia salvar o regime pela estética, Ventura acredita que pode capturar o eleitorado pela descrença. A diferença é que hoje o palco é maior, imediato e mais perigoso. A normalização de discursos autoritários passou para a linha da frente.
Tal como o Estado Novo se construiu sobre a promessa de estabilidade contra o caos da 1.ª República, Ventura oferece o seu “V Império”: Uma ilusão de ordem contra a confusão do presente. O que está em causa, porém, não é a ordem: é a verdade. Quando a política abandona a autenticidade para se tornar apenas narrativa, abre-se o caminho para o autoritarismo.
Se António Ferro foi o engenheiro da propaganda do regime do Estado Novo, André Ventura é o propagandista do ressentimento no século XXI. Ambos são mestres da palavra, não para esclarecer, mas para dominar. Enquanto o país olha para as redes sociais, corre o risco de não ver um projeto mais profundo: o da erosão silenciosa da Democracia.