No lado oculto da Lua, a outra metade do nosso satélite natural que nunca vemos a partir da Terra, esconde-se uma cratera de impacto com 52 quilómetros de diâmetro e que chega aos 2375 metros de profundidade. Em 1970, e após uma década em que soviéticos e norte-americanos cartografaram esta região lunar, a NASA batizou a cavidade com o nome de Wan-Hoo, numa homenagem ao mito de Wan-Hu, um mandarim (um alto funcionário) do império chinês do século XVI que, reza a lenda, terá conseguido chegar ao espaço sentado numa cadeira movida a pólvora. Uma imaginação fértil poderá concluir, para tornar mais incrível esta ficção, que foi ali que Hu e o seu veículo espacial se 'estatelaram'.
Toda a lenda tem, em maior ou menor grau, algum grau de veracidade. No caso de Wan-Hu, a sua história começou a circular pelo Ocidente no início do século XX, tendo sido contada pela primeira vez em 1909, na revista de ciência Scientific American. Conforme conta a NASA, toda a trama poderá ter-se desenvolvido da forma que vamos descrever em seguida.
Algures a meio da dinastia Ming, no século XVI, Wan-Hu mandou construir uma cadeira muito especial, com dois enormes papagaios de papel atrelados a ela, um de cada lado. A cereja em cima do bolo veio sob a forma de 47 foguetes acoplados a flechas, os quais foram fixados aos papagaios de papel.
É preciso frisar, todavia, que já no século XI, durante a dinastia Song, a China tinha várias tecnologias assentes no uso da pólvora, nomeadamente para fins militares. Por exemplo, durante uma das guerras que travaram, a corte imperial Song conseguiu produzir centenas de milhares de flechas que eram impulsionadas através de canudos de pólvora, com os quais armaram as suas tropas. Dezenas de anos depois, a mesma dinastia promoveria o desenvolvimento dos primeiros protótipos de armas de fogo. Ou seja, os contemporâneos de Wan-Hu sabiam muito bem que um foguete de pólvora podia ser um excelente propulsor, mas uma coisa bem diferente é usá-lo como meio de transporte, nomeadamente para seres humanos.
O objetivo de Hu, especula-se, tanto poderia ser o desejo de chegar às estrelas, quiçá à Lua, como o de ganhar fama e deixar de ser um mero burocrata ao serviço da corte imperial. Não há informação sobre os motivos que levaram Hu a acreditar que aquela ‘cadeira voadora’, equipada daquele modo, tinha reais hipóteses de levantar voo, ainda por cima consigo a bordo – ou seja, sentado, como se estivesse num trono que ascende aos céus.
Seja como for, e ainda de acordo com a lenda, quando chegou o dia em que Wan-Hu poderia entrar nos anais da história como o primeiro ser humano a voar, este sentou-se na cadeira, ordenou a 47 assistentes com tochas nas mãos que acendessem, em simultâneo, os fusíveis dos foguetes, e esperou pelo momento. Ora bem, esse ‘momento’ consistiu, nada mais, nada menos, num enorme estrondo acompanhado por gigantescas golfadas de fumo. Quando a fumaça se dissipou, não existia quase nada no preciso sítio onde, segundos antes, tinham estado Hu e a sua promissora cadeira.
Ninguém percebeu, na altura, o que tinha acontecido, embora seja mais do que certo que, a ser verdadeira a história (ou partes dela), o burocrata e aquilo sobre o qual estava sentado foram como que vaporizados pela grande quantidade de pólvora que explodiu. Como não sobrou nada no local que indicasse a presença de Hu, nasceu a lenda de que, afinal, ele tinha conseguido levantar voo, atravessou a atmosfera terrestre e tornou-se no primeiro astronauta, o primeiro humano a chegar ao espaço. Pura fantasia, pois claro.
Apesar de tudo, esta história, e tenha ela poucas, algumas ou muitas pitadas de verdade no que se refere à tentativa empreendida por Hu, tornou-se parte do imaginário de quem quis construir um verdadeiro foguete que nos levasse até à Lua, a Marte ou até Próxima do Centauro, a estrela mais próxima do Sistema Solar, uma anã vermelha a 4,2 anos-luz da Terra – um só um ano-luz representa uma distância de… 9.461.000.000.000 quilómetros (são treze algarismos).
Foi preciso esperar até 1957 para que a União Soviética desenvolvesse o foguete propulsor Sputnik, desenvolvido pelo engenheiro Sergei Korolev, um veículo com 30 metros de altura e composto por quatro foguetes auxiliares (usados no primeiro estágio do lançamento) e um foguete central (para o segundo estágio, a ser utilizado já a grande altitude). Foi este veículo que levou a bordo o Sputnik 1, o primeiro objeto enviado pela humanidade para um espaço e que orbitou a Terra, para enorme espanto de quem ouvia o bip-bip que emitia. O combustível usado, explicado de forma grosseira, era uma combinação de oxigénio líquido com querosene. Tudo junto, o foguete propulsor pesava perto de 270 toneladas quando descolou do Cosmódromo de Baikonur, no atual Cazaquistão, escapando com sucesso à força de atração da gravidade terrestre.
Quatro anos depois, o Vostok-K, um foguete propulsor igualmente Made in URSS, levou a bordo uma cápsula espacial com o astronauta (ou cosmonauta, como preferem dizer os russos) Yuri Gagarin a bordo. Era o primeiro ser humano no espaço. Mais potente que o Sputnik, o novo foguete, cuja conceção esteve a cargo, para não variar, do genial Korolev, voou para o espaço com a ajuda de uma mistura de oxigénio líquido com uma forma muito mais refinada de querosene, conhecida pelo acrónimo RP1.
Todo um aparato científico e tecnológico, como nunca antes se viu na história do homo sapiens, radicalmente diferente de uma cadeira movida a papagaios de papel e pólvora. E assim se fez história, verdadeira, quando antes só existiam sonhos e lendas.