Hoje a minha coluna inspirou-se em dois episódios ocorridos nos últimos dias. Na Noruega, a confiança popular na preservação do regime está a ser abalada com forte agravamento da fibrose cística da esposa do príncipe herdeiro, que compensava a baixa popularidade do marido, e de acusações de maus tratos e abuso sexual pelo seu primogénito. Em sentido contrário, eclodiu no Nepal uma sublevação popular defendendo o regresso do rei Gyanendra Shah, que abdicara em 2008 em favor de um regime republicano. A séria perda de suporte duma monarquia europeia enraizada e a substituição duma república por uma monarquia não são episódios vulgares e propiciam uma reflexão transparente e sem estigmas sobre a monarquia em geral e as Casas Reais europeias em particular.

Existem atualmente 43 Estados monárquicos:  13 na Ásia, 12 na Europa, nove no continente americano, seis na Oceania e três em África. O número é surpreendentemente baixo se atendermos a que em 1900 existiam 160 monarquias governantes ou que em 1914 a Europa contava com 22 monarquias – quase o dobro do número atual. Como sobreviveram as monarquias que ainda existem, em particular as europeias ?

De facto, com o impacto da revolução francesa ao longo dos séculos e a turbulência social do seculo XX, que eliminou tantas monarquias europeias, parece surpreendente como a instituição monárquica se mantém viva e espalhada ainda por tantos países. Se a população destas monarquias quisesse, poderia com facilidade regressar ao estatuto republicano de países como França, Itália, Grécia ou Portugal. Mas não o faz, nem se sentem tensões ou manifestações para mudar o regime. E porquê?

Regicídio
Regicídio créditos: DR

Os defensores argumentam que a monarquia fornece um sentido de identidade nacional e estabilidade, mas os críticos insistem que é uma instituição ultrapassada que perpetua o elitismo e a desigualdade dentro da sociedade. Cada caso é um caso mas é uma boa oportunidade para refletir sobre o valor acrescentado das monarquias europeias no século XXI. Isto significa avaliar objetivamente a relação custo/benefício de uma monarquia, ou seja, qual o apport diferencial  de um regime monárquico em termos tangíveis e intangíveis, atendendo aos elementos intrínsecos e distintivos do regime: um soberano, uma família real e direitos e deveres associados. Vejamos cada um dos lados da moeda.

O valor acrescentado distintivo de um regime monárquico

O monarca e a sua família têm poderes e responsabilidades estabelecidos pela Constituição, que não são muito distintos de um Presidente republicano: essencialmente representativos, mas em momentos complicados podem ser muito mais. Não foi por acaso que o ditador Francisco Franco preparou a sua sucessão para um regresso de Espanha à Monarquia. Numa nação naturalmente fragmentada, o Generalisimo sabia que, para se manter unida e em paz, não podia ter como sucessor uma figura qualquer– tinha de ser uma instituição com uma figura de proa; e assim se deu o regresso da Casa Real espanhola através de Juan Carlos I. Em tempos de crise, uma realeza digna pode curar feridas, como fez o rei Harald V da Noruega ao lamentar publicamente a morte de 77 pessoas num ataque terrorista em 2011. E em períodos de instabilidade, podem proporcionar uma influência calmante. Diz-se por vezes que o rei belga é uma das poucas coisas – ao lado da cerveja e da equipa de futebol – que mantêm o país unido.

Juan Carlos e Franco
Juan Carlos e Franco créditos: Redes sociais Coroa

Os exemplos abundam. O trabalho da família real monegasca na projeção da imagem de exclusividade, riqueza e charme do território é absolutamente notável, traduzindo-se em níveis de notoriedade e atratividade sem comparação a nível mundial. O trabalho filantrópico de Diana de Gales em África, a coragem dos Reis de Espanha nas inundações de Valência, a defesa de valores na arquitetura ou na agricultura biológica por Carlos III... tudo isto gera admiração e aproxima a população das famílias reais, fortalecendo a monarquia.

Diana de Gales
Diana de Gales créditos: DR

O generalizado apoio popular de que gozam os monarcas europeus está também ligado ao simbolismo da história gloriosa de um reino e serve como forma de cooptar um espírito de fervor nacionalista para um patriotismo saudável, através do fortalecimento da identidade nacional, de criação de um elo afetivo no seio da população ou de exposição mediática positiva. E para o exterior temos o efeito do impacto no turismo ou da abertura de portas e reforço das iniciativas diplomáticas no estrangeiro. Quando bem instituída, protagonizada por figuras merecedoras de admiração, reverência e até carinho, uma monarquia tem um claro valor acrescentado.

Felipe VI em visita oficial
Felipe VI em visita oficial créditos: DR

Esse valor até pode ser quantificável. Foi o que a consultora britânica Brand Finance fez com um estudo seminal de quantificação do valor acrescentado líquido da Casa Real. Identificou e valorizou as classes de benefícios e os custos recorrentes. Resultado: distribuídos entre os 67 milhões de habitantes do Reino Unido, a Monarquia tem um benefício recorrente estimado em mais de 8,50 libras por habitante/ano, bastante acima dos custos recorrentes, estimados em 5,50 libras por habitante/ano. Acresce que, no mês passado, uma sondagem oficial demonstrava que 58% dos britânicos têm uma opinião positiva da família real como um todo e 55% da monarquia enquanto instituição.

Família Real Britânica em 2012
Família Real Britânica em 2012 créditos: Carfax2 (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:British_Royal_Family,_June_2012.JPG)

O outro lado da moeda: riscos e menos-valias da monarquia

O ganho de poder pelo berço, os privilégios e mediatização gratuitos e a sempre desafiante preparação de um sucessor à altura são os argumentos habituais dos detratores da monarquia, que criticam o espírito feudal e antiquado que consideram espelhado no protocolo das Casas Reais.

Membros das Casas Reais são frequentemente alvo de escândalos – às numerosas infidelidades tão acarinhadas pelos media como a de Juan Carlos I, de Diana de Gales, de Carlos, Príncipe de Gales, ou do marido de Carolina do Mónaco, Ernst de Hannover, juntam-se a rutura dos Duques de Sussex com a Casa Real, as ligações perigosas do Príncipe Andrew a Jeffrey Eppstein ou os subornos de Juan Carlos I e do Príncipe Bernhard da Holanda. Escândalos que atingem proporções particulares devido ao apetite dos media e do público em explorar a vida dos ricos e famosos. Neste assédio, a voracidade dos media não vê limites, como testemunhámos a 31 de agosto de 1997, no túnel da Pont d'Alma, em Paris.

Para os ingleses, o anunciado casamento do príncipe William é seguramente uma das notícias do ano. Na imagem, um batalhão de repórteres, ontem, à porta do Palácio de Buckingham.

E quanto aos tão criticados custos? Tirando o outlier Luxemburgo, o custo absoluto varia de 8,43 milhões de euros em Espanha a 62,40 milhões de euros no Reino Unido e per capita de 0,17 euros em Espanha a 2,80 euros na Holanda e na Dinamarca. Não são números escandalosos sobretudo se o valor acrescentado do trabalho da Família Real tornar o balanço positivo como é o caso do Reino Unido.

Uma palavra final

Desta reflexão concluo que um regime monárquico pode ser, sem dúvida, uma solução atraente com valor acrescentado distintivo para a saúde da democracia, para a felicidade das pessoas e para o desenvolvimento de um país – desde que se verifiquem três condições. Primeiro, que haja uma tradição onde uma família real se liga há séculos a um território, ou seja, uma certa legitimidade e alinhamento cultural. Segundo, que esteja instalado um regime constitucional que estabeleça de forma equilibrada poderes, deveres e modelos de intervenção. E terceiro, que exista um soberano e uma família dedicados à nação e à altura de serem vistos com orgulho e admiração pelo povo. Se estas três condições forem mutuamente satisfeitas está plenamente justificada a sustentação das atuais monarquias europeias ou, como aconteceu no caso de Espanha, possam reemergir.

E será que poderíamos ter uma monarquia em Portugal? Se as três condições acima fossem cumpridas e olhando para a fraca qualidade e impacto médios dos PR que tivemos desde o regicídio, não seria de todo uma hipótese a excluir. Mas infelizmente não me parece que tenhamos hoje na Casa de Bragança o cumprimento da terceira condição.

Empresário, Gestor e Consultor