N. A.: Este artigo é o último desta série “Segredos de Família”, nos quais cobrimos as empresas familiares nos seus atributos e nos seus desafios, com exemplos para ilustrar práticas de sucesso. Agradeço a fidelidade dos leitores, esperando retribuir com uma nova série assim que o tempo o permitir.
Uma personalidade única refletida em superior criação de valor
As empresas familiares constituem a coluna vertebral de qualquer economia. Partindo de um pequeno negócio do fundador e evoluindo ao longo de gerações para uma próspera empresa multinacional, os grupos familiares pesam tipicamente 50% a 70% do PIB ou do emprego na maioria das economias desenvolvidas.
Os grupos familiares são famosos pela sua longevidade e pela capacidade de passar os seus atributos distintivos de geração em geração, adaptando-os a um contexto externo em evolução para salvaguardar a sua competitividade. Controladas e geridas com a participação e influência ativas de uma família ao longo de várias gerações, são estruturas empresariais sob controlo dos membros de uma mesma família e por isso acabam por se distinguir, acima de tudo, por uma estrutura que lhes é única e que está na base do seu crescimento, da sua estabilidade e da sua confiança.
E o mais interessante é que as suas virtudes distintivas se refletem claramente no desempenho — batem de forma expressiva as suas congéneres não familiares, como se vê no gráfico que partilhei há meses, mas que não resisto a mostrar de novo...
Porquê este sucesso tão expressivo dos grupos familiares? A resposta passa por entender os seus atributos distintivos, ou seja o que normalmente lhes é comum e os distingue, que é a fonte das suas vantagens competitivas e que lhes permite ultrapassar os seus desafios. A literatura mostra inúmeras formas de agregar e classificar estes atributos mas para dar relevo a cada um, apresento dez atributos individuais – cada um deles ilustrado com um exemplo tirado dos milhares de belos casos possíveis.
Os dez atributos distintivos dos grupos empresariais familiares
1. Visão de longo prazo e estabilidade
Uma das vantagens mais significativas de grupos familiares é o seu foco em objetivos de longo prazo, em detrimento de lucros de curto prazo. Ao contrário das empresas não familiares, cuja base acionista fragmentada obriga à entrega de lucros trimestrais, as empresas familiares tendem a priorizar o crescimento sustentável. As decisões são tomadas a pensar nas gerações futuras, garantindo estabilidade e uma trajetória de crescimento constante. Os membros da família envolvidos no negócio têm tipicamente um forte compromisso com a sua valorização contínua através de investimentos a longo prazo. Este sentido de continuidade fortalece o legado, fomenta um compromisso com a excelência e garante que a empresa continua a ser um pilar da identidade da família para as gerações vindouras.
2. Confiança e lealdade
A confiança é um dos ativos mais valiosos em qualquer negócio e os grupos familiares têm essa vantagem profundamente embutida no seu ethos e na sua estrutura. Os membros da família têm normalmente um profundo sentido de lealdade e compromisso com o negócio, contribuindo para a coesão no seio do corpo acionista.
Esta confiança estende-se para além dos familiares envolvidos. Há uma maior capacidade de atrair e reter colaboradores devido à presença de acionistas familiares numa lógica de longo prazo, às relações pessoais e ao espírito de família alargado. Por outro lado, os clientes percebem os grupos familiares como mais confiáveis e autênticos, não sendo de somenos a frequente associação do apelido da família ao nome da empresa. Em suma, o toque pessoal e os valores familiares incorporados nestas organizações promovem a confiança e as relações de longo prazo com os principais stakeholders, cujo envolvimento é decisivo para o sucesso.
3. Agilidade na tomada de decisões
O processo de tomada de decisão num grupo familiar é tipicamente mais rápido e simplificado do que nas organizações não familiares. Com menos níveis de burocracia, as empresas familiares podem adaptar-se mais rapidamente às mudanças do mercado ou capitalizar novas oportunidades.
Uma vez que os membros da família estão muitas vezes no mesmo comprimento de onda devido a valores e objetivos partilhados, as decisões podem ser tomadas com o mínimo de conflito. Em suma, os grupos familiares possuem uma superior flexibilidade e adaptabilidade, graças em boa medida à união da família acionista que se reflete numa maior capacidade de adaptação à mudança e de velocidade de execução, uma importante vantagem competitiva.
4. Envolvimento de qualidade dos membros da família na gestão
Os membros da família estão geralmente dispostos a empenhar mais tempo no grupo, trabalhando mais horas ou assumindo funções executivas para fortalecer a capacidade de resposta e o desempenho. Partindo do princípio da qualidade de competências desses membros para as funções que assumem, a sua prestação traduz-se num aumento de produtividade e na redução quer de custos quer de riscos de falta de qualidade no desempenho das funções em causa por profissionais externos – não obstante a necessidade de excelentes profissionais externos se não houver competências à altura no foro familiar.
Além disso, os grupos familiares podem contar com financiamento de capitais acionistas, reduzindo a dependência de empréstimos externos ou investidores. Esta independência financeira permite-lhes manter uma maior liberdade e controlo sobre os seus planos de investimento.
5. Cultura e valores partilhados
Os grupos familiares estão profundamente enraizados em valores partilhados e numa forte cultura organizacional, determinando o modelo estratégico e operacional do grupo e influenciando o modelo de governo, a tomada de decisões, as interações com clientes ou as relações com os funcionários. Por exemplo, uma família que dá importância ao serviço comunitário pode garantir o envolvimento do grupo em iniciativas filantrópicas, fortalecendo a sua reputação.
Este alinhamento de valores entre a família e o negócio fortalece a identidade que vai impactar a imagem do grupo e da família nos clientes, nos colaboradores e na sociedade em geral.
6. Resiliência durante recessões económicas
As crises económicas são um desafio para qualquer empresa, mas a experiência mostra que os grupos familiares demonstram normalmente uma resiliência notável durante esses períodos. Isto deve-se em grande parte à sua capacidade de tomar decisões rápidas, conservar recursos e confiar nos membros da família para assumir responsabilidades adicionais.
Ao mesmo tempo, a menor propensão ao envolvimento em empreendimentos de maior risco que possam comprometer a sua estabilidade e o seu foco na valorização a longo prazo em detrimento dos ganhos a curto prazo, os grupos familiares estão preparados para enfrentar tempestades de forma mais eficaz. Além disso, o posiciona-os como intervenientes mais estáveis no mercado durante períodos de incerteza económica.
7. Capacidade de construir relações fortes e duradouras
A união no seio do foro acionista e da família em geral permite aos grupos familiares construir relações que passam do foro familiar para funcionários, clientes ou fornecedores. Importa aqui sublinhar , como já referi, que os trabalhadores são tratados como uma família alargada o que fomenta um sentimento de pertença e lealdade – um fator cada vez mais importante para atrair e reter os melhores e obter deles a entrega associada a superior produtividade.
Para os clientes, a relação assume um caráter mais pessoal e significativo, uma verdadeira conexão emocional, saindo reforçada a reputação de mercado e a preservação de relações duradouras com o cliente – que aprecia o toque pessoal, o acesso direto a acionistas decisores, a cultura de compromisso ou a própria confiança no apelido.
8. Flexibilidade na adaptação à mudança
Independentemente da sua dimensão, um grupo familiar tem maior flexibilidade e rapidez para se adaptar a mudanças do que as organizações clássicas não familiares. Com menos partes interessadas envolvidas na tomada de decisões, podem pivotar rapidamente a posição quando necessário. Seja na adoção de novas tecnologias, na entrada em novos mercados ou na alteração do seu modelo de negócio, os grupos familiares têm a capacidade para responder às mudanças de contexto do cenário de negócios com maior agilidade.
Além disso, os membros mais jovens da família, desde que conhecedores do negócio e empenhados no grupo, trazem frequentemente para a mesa novas perspetivas e ideias disruptivas, garantindo ao negócio as melhores condições de competitividade para o futuro. Esta rica colaboração geracional, muito própria de grupos familiares, é um fator decisivo na preservação e fortalecimento do equilíbrio entre tradição e inovação.
9. Envolvimento empenhado dos colaboradores
Os grupos familiares tendem a ter níveis mais elevados de envolvimento e compromisso dos colaboradores em comparação com as organizações não familiares, oferecendo sempre o melhor de si próprios. Trata-se de uma consequência natural da maior conexão dos funcionários com o grupo e com a própria família acionista, materializando o conceito de “família alargada” através de uma vivência partilhada de valores como confiança, respeito e lealdade. Colaboradores envolvidos neste modelo são mais produtivos, motivados e comprometidos com o sucesso da organização, contribuindo ainda mais para o crescimento e valorização do negócio a longo prazo.
O envolvimento ativo dos membros da família nas operações do dia-a-dia e o seu exemplo de competência, empenho e capacidade de liderança promove um sentido de responsabilidade e transparência que ressoa de forma muito relevante com os funcionários.
10. Os valores distintivos e a preservação do legado
Os valores fundamentais distintivos que geram uma cultura empresarial forte e agressiva refletida em vantagens competitivas concretas são talvez o atributo mais singular das empresas familiares. Por outras palavras, trata-se da oportunidade de preservar um legado e muitas vezes fortalecê-lo, na cultura, nos princípios ou na própria valorização do negócio. Para uma família empresarial, o negócio não é apenas uma fonte de rendimento, mas também um símbolo da sua identidade, das suas realizações e do propósito da sua união enquanto família. Esse sentimento de orgulho e responsabilidade conduz os membros da família a um maior empenho no seu serviço ao grupo e no fortalecimento da sua reputação.
E naturalmente que um legado forte e bem preservado irá servir como fonte de inspiração para as gerações futuras, motivando-as a continuar a construir sobre os princípios e os valores desse legado fortalecendo a união familiar e o sucesso do grupo.
Conclusão
Os grupos familiares possuem um vasto conjunto de atributos distintivos que se complementam e que estão na base das suas vantagens competitivas e da sua superior capacidade de criação de valor, destacando-se a flexibilidade, a eficiência, o compromisso com o sucesso a longo prazo, o desenvolvimento de confiança e lealdade próprias e o forte empenho em preservar e mesmo reforçar o seu legado. Oferecem, em síntese, uma combinação única de estabilidade e adaptabilidade sem paralelo face às empresas não familiares, materializada num conjunto comum de atributos mas que cada um personaliza à luz do seu contexto de negócio, do ethos e dos valores da família acionista.
A par dos seus tremendos atributos e vantagens, as empresas familiares não deixam de ter desafios que não raras vezes levam à sua cisão ou destruição. O desafio mais sério é conseguir preservar a unidade acionista através da comunhão de valores, objetivos e visão de negócio e a separação entre o foro pessoal e o foro acionista. Ao mesmo nível coloco a gestão do processo de sucessão do líder executivo e o apoio incondicional de todos os acionistas ao familiar escolhido, um desafio tão exigente como o anterior e que conduziu no passado muitos grupos ao seu desaparecimento. Já a um nível mais operacional temos o desafio da limitação de recursos inerente à preservação do controlo familiar e a dívida a níveis conservadores, dificultando o crescimento e a própria valorização do negócio.
No entanto, que fique bem claro – os atributos distintivos estruturais e as vantagens competitivas que deles decorrem oferecem todas as condições para ultrapassar os desafios que surjam pelo caminho, desde que a família empresarial se mantenha coesa e empenhada no melhor interesse do seu grupo empresarial.
A demonstrá-lo, a esmagadora maioria dos grupos familiares estão a prosperar alavancando nos seus atributos, contribuído para o crescimento económico das gerações vindouras e fortalecendo um legado que entusiasme a próxima geração a ter o mais forte envolvimento possível com o grupo que vai herdar. E num mundo em mudança, os grupos familiares vão continuar a evoluir com rapidez e agilidade estado a evoluir sem deixar de preservar as suas raízes e garantindo que os seus valores fundamentais continuem como até hoje a marcar uma posição determinante na economia global.
Empresário, Gestor e Consultor