Ontem de manhã, pensei duas vezes antes de pegar numa bicicleta. Acredito que mais lisboetas tenham sentido o mesmo, depois de saberem da morte de um ciclista na quarta-feira, abalroado por um automóvel em Chelas. Uma pesquisa rápida pelas manchetes mostra que pode ser o segundo ciclista este ano a perder a vida numa colisão em Lisboa.
Independentemente das vezes ou circunstâncias em que ocorre, é uma notícia que causa consternação a quem usa bicicleta para se deslocar na cidade. É impossível não sentir a proximidade do desastre entre pessoas que partilham diariamente o mesmo grau de vulnerabilidade na via pública.
O grande crescimento nos últimos dez anos no uso de bicicleta em Lisboa, com a construção de dezenas de quilómetros de ciclovias e a introdução da rede GIRA, convidou muita gente a alterar as suas rotinas e a experimentar esta forma de mobilidade nas suas deslocações urbanas, eu incluído. Saber que alguém perdeu a vida a fazer isso leva-me sempre a questionar a sensatez dessa escolha.
Aos olhos de quem circula numa bicicleta, Lisboa parece muitas vezes uma cidade malfeita e indefinida, na qual as ciclovias sem continuidade ou desligadas nas pontas são só uma parte do problema. Experimentem caminhar por qualquer rua do centro à hora de ponta e notarão a outra: os gases nocivos provenientes de centenas de tubos de escape a viciarem o ar. O seu impacto na saúde é mais lento e invisível, mas nem por isso menos inquietante.
Por tudo isto, é normal repensar a sensatez ou segurança de optar pela bicicleta numa cidade que continua a não colocar entraves significativos à entrada e circulação de carros (a começar pelas zonas com mais tráfego pedonal, como o Chiado e a Baixa) e parece ter parado no tempo relativamente à criação de novas ciclovias em artérias onde até sobra espaço para elas, como a Avenida de Roma ou a Avenida da Liberdade, sem esquecer a Avenida Santo Condestável, onde ocorreu o violento embate de quarta-feira, que com seis vias de trânsito parece mais uma auto-estrada.
Mesmo que a rede ciclável estivesse mais desenvolvida, é inevitável que automóvel e bicicleta tenham de aprender a coexistir. A impaciência e desatenção ao volante tornam essa convivência, até num mundo ideal, um desafio permanente, mas não tem de ser tão difícil, tantas vezes, como sinto ser hoje em Lisboa, onde um velocípede a circular em algumas zonas e artérias ainda pode ser visto como um sinal de temeridade.
Temos de relembrar as autoridades públicas (da junta de freguesia ao governo, passando pela câmara municipal e EMEL) de que uma cidade mais ciclável será sempre mais segura e saudável para todos. Como noutras causas cívicas, é preciso continuar a dar-lhe visibilidade (apoiando associações e grupos locais) e a rodar nas ruas para ser visto, mesmo nestes dias em que somos brutalmente recordados de como pode ser perigoso fazê-lo.