Trabalho numa plataforma de blogs há 15 anos e sou utilizador do Twitter há quase tanto tempo. Tenho seguido com um misto de estupefação e interesse profissional os desenvolvimentos quase diários desde que foi colocado "sob nova gerência", uma expressão que aqui justifica o seu eco de brutalidade.
Perguntem a qualquer gestor de comunidades na internet qual o seu maior receio e é muito provável que a resposta seja uma falha técnica que resulte em indisponibilidade temporária de serviço. Apesar de funcionarem 24 sobre 24 horas, e da sua fiabilidade, é assim que nos habituámos a pensar nas "máquinas", como o elemento mais imprevisível do nosso trabalho.
Logo após Elon Musk ter adquirido o Twitter e ordenado uma onda de despedimentos, a maior dúvida parecia ser, justamente, quando é que as máquinas começariam a falhar. Com metade da sua força de trabalho cortada, praticamente da noite para o dia, era legítimo pensar que não tardaria até que falhasse um ou mais dos sistemas que seguram de pé este colosso "muro das lamentações" virtual (segundo algumas estimativas, são publicados 500 milhões de tweets por dia).
A infraestrutura técnica revelou-se mais robusta, todavia. Os despedimentos e o subsequente êxodo de anunciantes podiam ter sido lidos como tropeções de alguém pouco preparado para gerir uma empresa de comunicação, se não tivessem culminado, logo após o levantamento de restrições a contas usadas para espalhar discurso de ódio, em sucessivos atropelos à liberdade de expressão na plataforma, com a suspensão sem motivo de várias contas de jornalistas (entretanto repostas) e a mirabolante interdição de referir ou linkar os serviços externos para os quais muitos utilizadores começam a virar-se.
Se a leviandade com garantias fundamentais e a sede de protagonismo soam familiares é porque já vimos este filme antes, e há bem pouco tempo, com outro milionário a precisar de matar tempo e uma fixação pouco saudável pelo pássaro azul. Trump presidiu por tweet e colocou o mundo na expetativa da sua próxima tirada, geralmente ofensiva, durante 4 longos anos. Musk parece querer seguir-lhe o exemplo, com uma vantagem: pode silenciar críticos e manipular funcionalidades a seu bel-prazer. Como CEO, tem o poleiro com que o ex-presidente só sonhou.
Para quem o utilizou, o Twitter nunca foi a praça virtual mais segura que podia ser, apesar do seu incrível alcance e mediatismo. Valerá a pena defender um serviço que passou, muitas vezes, por permissivo com formas de assédio e parece ultrapassado perante alternativas menos centralizadas e mais assertivas na sua política de moderação? A título de exemplo, um dos maiores servidores portugueses do Mastodon tem entre as suas 6 regras básicas de utilização a proibição explícita de publicar "desinformação, pseudociência e outras teorias da conspiração como factos". Assim, pura e dura.
Apesar de tudo isto, sinto a contrariedade inevitável que vem com 15 anos de utilização. O Twitter tinha (tem) muitas comunidades lá dentro, que algumas vezes colidiam, noutras brilhavam mais forte quando se sobrepunham. Era o complemento perfeito para um blog (o meu, pelo menos). Uma inutilidade que ganhava uso nas filas e horas de espera. E um hábito difícil de perder.
Os servidores continuam de pé, é certo, mas tudo o resto (a começar no bom-senso do proprietário) parece avariado. Enquanto me decido sobre o que fazer com a minha própria conta, a cronologia (sem algoritmo) que consulto diariamente vai esvaziando das pessoas que sigo. O campo para escrever tweets, qual fantasma na máquina, continua com a mesma pergunta de sempre, agora mais atual: "o que está a acontecer?"
O Pedro é membro da equipa do SAPO Blogs.