Não tomei parte na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), por isso a minha experiência do evento, e da visita do Papa Francisco a Lisboa e Fátima, foi semelhante à da grande maioria dos portugueses, que a testemunhou pela televisão.
Foram centenas de horas de transmissões especiais e de noticiários inteiramente dedicados ao assunto, demasiadas para uma pessoa, até mesmo alguém com uma curiosidade televisiva (quase) ao nível da Joana Marques. Ainda assim, houve uma imagem em particular que se destaca na minha memória e que ilustra bem o grau de hospitalidade concedido ao líder da Igreja Católica.
Trata-se do momento em que a comitiva papal, acabada de aterrar em Lisboa, atravessa a placa do aeroporto Humberto Delgado (só isso, já um dado assinalável) e passa à frente de um avião comercial estacionado. Filmado assim, de frente e em movimento, a partir de uma câmara instalada no teto de outro automóvel, qualquer um seria desculpado por pensar tratar-se das filmagens de uma cena do próximo filme Batman de Christopher Nolan, conhecido pela grandiosidade dos seus planos cinematográficos.
A imagem que imediatamente se seguiu não foi menos impressionante. Vemos a comitiva de uma perspetiva aérea, possivelmente de um drone, a dirigir-se para um portão que dá acesso à Segunda Circular (onde o aguardava uma escolta com mais de 15 batedores motorizados), e passar ao lado de um avião da TAP a começar a rolar na pista aérea, presumivelmente para descolar.
É difícil pensar noutra circunstância em que um conjunto de viaturas, sem estar ao serviço do próprio aeroporto, seja autorizado a circular no seu perímetro e a interromper, ainda que momentaneamente, as suas operações. Como se verbaliza a permissão para esta extraordinária “interrupção” no funcionamento de um aeroporto? A criatura de escritório que há em mim encolhe-se ao pensar na quantidade de reuniões que devem ter sido necessárias para planear e, mais importante, autorizar este momento Nolanesco (acidental?).
Não foi a única vez, claro, em que seria concedida carta branca ao Papa para circular "à vontade" pela cidade de Lisboa. As estradas fechadas e outras restrições à circulação durante a semana passada não são certamente inéditas no historial da capital de visitas papais, mas nem por isso deixam de parecer extraordinárias, dada a sua extensão e duração.
Aos olhos de um leigo nestes assuntos, é difícil destrinçar o aparato policial do mediático, e separar o que era absolutamente necessário em termos de segurança do que pode ter sido puramente cerimonial (e supérfluo). Surpreendeu, por exemplo, ver o avião que transportou o Papa ser escoltado em território nacional por caças da Força Aérea ou agentes da PSP destacados a cada 50 metros ao longo de avenidas inteiras da cidade, a proteger uma comitiva que já era acompanhada em permanência por outras tantas dezenas de agentes.
Seria tudo isto proporcional ao nível de ameaça (conhecido) à visita deste chefe de Estado estrangeiro? Ou será que nos podemos ter deixado levar, só um bocadinho, pela oportunidade para tentar impressionar aquele que parece ser o menos impressionável do atual elenco de líderes mundiais?
O carisma de Francisco, à mostra nos seus discursos improvisados e na forma como fomenta a proximidade com quem o procura ver, a par da humildade que prega, sugerem que pode ter sido a segunda opção.