A paixão do homem por flores, arbustos, hortas, árvores e jardins atravessa a História desde os tempos mais antigos mas no último século desapareceu da vida urbana. Foram sobrevivendo as inevitáveis plantas domésticas com pouca necessidade de cuidados mas sobretudo por razões decorativas, por tirarem a nudez de um ou outro canto.

Hoje parece que estamos a voltar ao passado e a assistir ao renascer de uma verdadeira paixão pela terra e pelos mais variados seres vivos que a povoam. Será assim? Este artigo tenta dar a entender o que se está a passar com exemplos de celebridades convertidas, com uma viagem à história da relação do homem com a jardinagem e com uma perspetiva dos benefícios terapêuticos desta relação aportada por alguns peritos na matéria.

Partilhando esta paixão ou não se interessando por plantas e jardins, asseguro que este artigo lhe trará muita informação que não tinha e que vai reforçar a sua relação com as suas plantas ou com o seu jardim – ou, como tem acontecido com milhares de urbanos como nós, acender uma nova chama que não existia e que nunca se apagará.

1. O crescente número de celebridades rendidas ao cuidado pelas suas plantas e pela jardinagem ativa é a ponta de um icebergue social que cresce exponencialmente

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Em 1980, o Rei Carlos III (na altura Príncipe de Gales) comprou Highgrove, uma propriedade onde desenvolveu um jardim clássico e agricultura orgânica. Isso foi considerado completamente radical na época, até para a sua mãe. A paixão por Highgrove tornou-o num percursor no regresso do homem urbano à terra, bem para além do Reino Unido.

Michelle Obama foi outra percursora deste movimento. Apaixonou-se por jardinagem quando percebeu que as refeições das suas filhas na escola na escola não eram nutritivas e que faltavam frutas e vegetais frescos na sua dieta. Nessa altura, pensou que criar uma horta poderia interessar as filhas e motivá-la a ela a cozinhar em casa com mais frequência. Um ano depois, o jardim de 1.100 metros quadrados produziu 600 quilos de 55 tipos diferentes de vegetais e frutas, incluindo rúcula, bagas e pimentas. O jardim tornou-se uma ferramenta educativa: convida regularmente as escolas locais para ajudar a manter e colher as colheitas.

A família de David e Victoria Beckham é outro caso interessante que tem tido enorme exposição mediática. Em 2016, investiu 12 milhões de libras na compra e renovação de um belo celeiro no coração das Cotswolds, o refúgio de campo de muitas das maiores fortunas mundiais. A casa fica perto da belíssima vila de Chipping Norton e a poucos passos da famosa Soho Farmhouse. O jardim dispõe de uma piscina, situada dentro de uma parede de pedra e com uma linda plantação suave ao seu redor. Optou-se por preservar tudo o que existia e por um modelo de agricultura orgânica em toda a propriedade, que foi agora estendida para a construção de um grande jardim.

Estes são apenas três das muitas dezenas de casos que marcaram o regresso à terra, às plantas e aos jardins, mas não resisto a deixar alguns mais de forma breve...

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Bilionária graças ao seu império de cosméticos e à carreira de modelo, Kylie Jenner não se importa de sujar as mãos. Ela e a filha, Stormi, adoram borboletas e criaram um paraíso polinizador ao lado da casa de jogos de Stormi com vasos de plantas, um jardim de ervas e árvores kumquat. Oprah Winfrey transformou 16 hectares de sua propriedade na ilha de Maui, no Havai, numa horta com mais de 100 espécies diferentes de frutas e vegetais produzindo 145 quilos de produtos que distribui na ilha todas as semanas. Sting comprou uma propriedade de 360 ha com um vinhedo na Toscânia, Villa Il Palagio. Converteu um celeiro num estúdio de gravação e levou a sério a ideia de aprender a gerir a vinha e os jardins, abrindo uma loja na propriedade onde vende os seus vinhos, azeite e mel. Numa entrevista a uma emissora de televisão italiana local disse: "Quando cheguei aqui, queria, em primeiro lugar, oferecer à minha família alimentos genuínos e produtos de qualidade, cultivados num ambiente saudável e queria usar a agricultura com práticas que alimentassem a terra preservando-a do esgotamento do solo." Martha Stewart, Snoop Dogg ou Robert Downey Jr. têm-se dedicado cada vez mais à jardinagem e fazem por expor esse trabalho.

Mas outras tantas vezes a paixão acaba por se materializar nas casas de cidade. Christina Aguilera, por exemplo, criou um jardim que se tornou famoso. Inspirado no modelo de oásis mediterrâneo, na sua casa de Beverly Hills, completo com piscina, pedra elegante e treliças cobertas de buganvílias. Além de seu apelo estético, a decoração de grande beleza do jardim tem importantes benefícios para o seu  estilo de vida. Na opinião da revista especializada Homes & Garden "o jardim de Cristina é um oásis luxuosamente abundante, repleto de vibrantes flores mediterrâneas, vinhas rasteiras e folhagem exuberante, onde as flores vermelhas brilhantes de hibisco dão uma vibração extremamente tropical, enquanto as hortênsias bombásticas e o relvado lindamente cuidado adicionam um contraste de estilo de jardim inglês".

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2. As plantas ganharam uma importância tremenda como parte da casa e da nossa vida, quer se trate de pequenos conjuntos de plantas de interior ou de jardins com dezenas ou até centenas de hectares

Os exemplos descritos são interessantes mas sobretudo na medida em que têm feito despertar uma atenção que tem estado adormecida há gerações.

Quem hoje tem a felicidade de ter um jardim é raro que não esteja a trabalhar nele horas por dia, nem que seja depois de voltar do trabalho e sobretudo ao fim de semana. Porquê ? Veremos isso adiante. Ir ao horto é sempre um prazer enorme só suplantado por chegar a casa e plantar o que se comprou. Não é fácil para uma pessoa ou um casal tratarem sozinhos do jardim por isso há quase sempre jardineiros que passam algumas horas por semana a tratar dos trabalhos mais pesados ou especializados. E quem procure uma boa empresa de jardinagem na zona de Lisboa verá que a oferta é cada vez maior e com melhor qualidade, apesar dos muitos curiosos que sempre se encostam ao mercado de serviços domésticos.

Mas quem não tem jardim tem seguramente luz pelas janelas, varandas e recantos da casa que pedem a plantas para dar mais beleza e vida, um efeito terapêutico de bem estar como aquele que nos dá estar no sofá do jardim a ler um livro e adivinhar os pássaros pelo seu canto. Teremos todos pessoas próximas ou de família que começaram a comprar e a tratar de plantas e, à medida que o tempo passa, cada uma é como uma filha; quando nasce uma nova folha ou a planta cresce acima duma certa altura, o dia torna-se especial e o acontecimento é partilhado com família, amigos e nas redes sociais.

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Porquê este fenómeno? Não são os exemplos das celebridades com os seus faustosos jardins ou quintas, é um gene que estava meio adormecido e agora está a rebentar um pouco por toda a população urbana. Vale a pena oferecer uma pequena viagem pela História para compreender que o que se passa não é novo e que estamos a despertar para o que sempre existiu.

3. Os jardins sempre foram uma componente decisiva da vida das pessoas – um papel que se perdeu mas que agora renasce lançando um novo capítulo nesta fantástica história e alargando-se para simples plantas de interior

A história da jardinagem é marcada  por jardins ornamentais reservados às elites de cada era, enquanto jardins menores tinham como vocação a produção de alimentos,  como ainda é frequentemente o caso. Mas sempre que pôde, o Homem fez-se rodear de plantas ornamentais e de jardins cada vez mais ricos e elaborados – uma paixão que tem vestígios nas mais antigas civilizações (egípcia, fenícia ou minoica por exemplo) e nunca esmorece ao longo da História até aos dias de hoje. Para entender essa paixão, convido a uma viagem no tempo onde se compreende como ela se foi materializando ao longo de diferentes civilizações.

O fecho do espaço ao ar livre em cercas terá começado por volta de 10.000 a.C, inicialmente para criar um tipo de barreira de proteção contra animais. Terá começado na Ásia Ocidental, espalhando-se depois para o sul e leste da Ásia, para a Grécia e a partir daí para a Europa.

Com as primeiras civilizações, começam a surgir os verdadeiros jardins criados pelas elites para fins puramente estéticos. Pinturas tumulares egípcias do século 16 AC são algumas das primeiras evidências físicas de horticultura ornamental  e paisagismo retratando  lagoas de lótus cercadas por fileiras simétricas de acácias e palmeiras. Na Pérsia, Dario o Grande  teria tido um "jardim paradisíaco": os Jardins Suspensos da Babilônia, conhecidos como uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo e que já foram projetados ao longo de um eixo de simetria central.

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Com o império macedónio de Alexandre o Grande, a influência da cultura persa estendeu-se  de forma intensa à Grécia:  por volta de 350 a.C. havia jardins na Academia de Atenas, e Teofrasto, que escrevia sobre botânica, terá herdado um jardim de Aristóteles. Já no Império Romano, os senhores mais ricos construíram extensos jardins envolvendo as suas casas com cursos de água e fontes, topiário, rosas e arcadas sombreadas, ainda bem visíveis nas inúmeras ruínas espalhadas pelos territórios do antigo Império.

Bizâncio e a Espanha árabe aprofundaram as tradições de jardinagem ornamental após  o declínio de Roma em 4 d.C. Por esta altura, tomar corpo na China uma tradição hortícola própria que é mais tarde transmitida para o Japão. Aqui, esta tradição materializa-se em majestosos jardins aristocráticos com paisagens naturais miniaturizadas e simuladas centradas em lagoas, assim como os severos jardins zen que passaram a adornar os templos xintoístas e budistas.

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Na Europa, o jardim medieval desenvolve-se lentamente, e no final da Idade Média o interesse por jardins ornamentais já surge bem desenvolvido. Com o Renascimento, a redescoberta das descrições de vilas e jardins romanos antigos e da opulência dos seus espaços verdes leva à criação do inovador jardim italiano no final do século XV. A Coroa Espanhola adere ao movimento e constrói os primeiros parques públicos desta época no século XVI, na Península Ibérica, mas também nas Américas.

O jardim formal à la française, uma evolução do estilo italiano exemplificado pelos Jardins de Versalhes, tornou-se o estilo dominante na Europa até meados do século XVIII com os mais ricos exemplos encontrados nos palácios ingleses e franceses. No século XIX, surge uma mistura de renascimentos históricos e jardinagem romântica inspirada em casas de campo gerando uma multiplicidade de estilos. Downing e Olmsted adaptam formas europeias para a América do Norte, influenciando o design de espaços verdes públicos e privados.

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Os jardins do século XX não resistem à influência do modernismo e despontam as práticas de design sustentável, como telhados verdes e captação de água da chuva.

Hoje, a liberdade de estilo é total e depende da dimensão e finalidade do jardim (mais decorativo ou de usufruto incluindo hortícola), do seu enquadramento (mais rural ou urbano) e do gosto do seu proprietário. Se hoje nos deslumbramos com os jardins públicos de Lisboa ou de Tóquio, com as propriedades de Highgrove do Rei Carlos III ou com o Palácio de Blenheim, vemos com curiosidade jardins de moradias com pequenos lagos adornados de pontes e cisnes que testemunham que cada jardim é a imagem do gosto do seu proprietário – seja ela boa ou má.

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Ao longo do tempo, as plantas sofreram duas evoluções importantes. Por um lado,  a mobilidade das plantas autóctones foi aumentando com muitos géneros “viajando” e surgindo em novas partes do mundo. Por outro, as plantas ornamentais usadas hoje são resultado de evoluções de tipologia, variantes criadas para enaltecer certas qualidades como a sua cor, o comprimento de floração, o tamanho ou a robustez.

Em suma, a jardinagem sempre ocupou um lugar importante na História e da qual o Homem sempre tentou tirar o maior proveito para sua subsistência, mas sobretudo para seu prazer pessoal. Pode ser considerada como uma expressão estética de beleza através da arte e da natureza, uma exibição de gosto ou estilo na vida civilizada, uma expressão da filosofia de um indivíduo ou cultura e, não raras vezes,  como uma exibição de statu privado ou mesmo de orgulho nacional. É esse o legado que herdámos e que marca a paixão que renasce por plantas, flores, hortas e jardins no espírito da sociedade actual

4. A jardinagem tem tremendos benefícios, dentro e fora de casa – voltar à terra, alimentar e ver crescer, colher os frutos, tudo faz parte de uma terapêutica que só quem trata de plantas e jardins percebe quão decisiva pode ser

Por que razão se considera que a jardinagem parece ser tão benéfica para a saúde?

Primeiro, combina a atividade física com a interação social e a exposição à natureza e à luz solar. A luz solar reduz a pressão arterial e aumenta os níveis de vitamina D no verão e as frutas e vegetais produzidos têm naturalmente um impacto positivo na dieta humana. Trabalhar no jardim restaura a destreza e a força, e o exercício aeróbico envolvido pode facilmente queimar o mesmo número de calorias que uma sessão de ginásio. Cavar, passar o ancinho e colher são atividades particularmente propensas a queimar calorias.

Segundo, a interação social proporcionada por projetos de hortas comunitárias e terapêuticas para pessoas com dificuldades de aprendizagem e saúde mental precária tem um efeito forte sobre o isolamento social. Os benefícios sociais destes projetos podem retardar os sintomas de demência  (um efeito que pode ser parcialmente devido aos efeitos benéficos do exercício). Pacientes em recuperação de enfartes do miocárdio ou acidente vascular cerebral descobrem que o exercício num jardim é mais eficaz, agradável e sustentável do que a terapia em ambientes formais de exercício. Para alguns pacientes, a jardinagem pode até levar ao emprego. Existem também programas bem-sucedidos que envolvem voluntários para ajudar pessoas idosas que não conseguem gerir os seus jardins, beneficiando tanto o voluntário como o proprietário na interação social associada ao convívio do interesse partilhado.

Terceiro, um estudo australiano revelou que a jardinagem se revela mais eficaz do que caminhar, receber educação ou manter a ingestão de álcool em níveis moderados na proteção contra a demência, aumentando a autoestima e influenciado os resultados de encefalogramas. Da mesma forma, o exercício moderado no lazer em jardinagem ou no tratamento de plantas está associado ao aumento da longevidade, à redução do peso, ao reequilíbrio da massa muscular e à qualidade da mobilidade corporal. De facto, jardinagem e convívio com a natureza, que são terapias alternativas, oferecem um meio comprovado, barato e quase universalmente disponível para melhorar a saúde.

E quarto, não podemos deixar de fora o efeito terapêutico de tratar de plantas e pequenos jardins dentro de casa.

Apesar da evidente alegria em sentir o solo dum jardim exterior nos seus dedos ou ver os primeiros pêssegos a brotar do seu pessegueiro, a jardinagem interna traz sem dúvida benefícios relevantes para o seu bem-estar. Investigadores finlandeses descobriram os benefícios da exposição microbiana que acontece durante a jardinagem interior urbana. Estes benefícios derivam da exposição a materiais naturais ricos em micróbios, como o solo.

Ao usar um solo de jardinagem rico nos jardins internos, os participantes de um estudo experimentaram um aumento na diversidade de microbiota na pele, além de alguns benefícios anti-inflamatórios. "Um mês de jardinagem interior urbana aumenta a diversidade de bactérias na pele dos indivíduos e está associado a níveis mais elevados de citocinas anti-inflamatórias no sangue", conclui Mika Saarenpää, investigador de doutoramento da Faculdade de Ciências Biológicas e Ambientais da Universidade de Helsínquia.

Tão ou mais importante do que o resultado deste estudo, a jardinagem interior urbana cria uma relação especial do proprietário e cuidador com cada uma das suas plantas e um prazer forte em poder cuidar e testemunhar diariamente a forma como as suas plantas reagem à sua atenção e carinho. No fim, não nos podemos esquecer que se trata de interações entre seres vivos e os seus sentimentos serão sempre partilhados no mesmo sentido. É comum pessoas que cuidam de plantas em casa expressarem o bem estar, a calma e o sentido de realização pessoal que o crescimento, a saúde e a beleza das suas plantas lhes oferece.

Compreende-se assim como a jardinagem ou o cuidado de plantas de interior podem fornecer às pessoas um sentido de significado e de propósito. "Quando uma pessoa está a trabalhar com plantas, ela é tudo para a planta: a alimentadora, a cuidadora, a companheira", disse recentemente Emilee Weaver, gerente do programa de horticultura terapêutica do Jardim Botânico da Carolina do Norte Jasmine Clarke. "Ela compreende que tem um valor especial  por causa dessa relação de causa e efeito que as plantas articulam tão visivelmente." Qualquer adepto de jardinagem diria que não podia ser mais verdade.

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5.  Conclusão

Não parece que esta explosão de amor por plantas seja efémera, pelo contrário. Cada pessoa convertida só aumenta o tempo dedicado à sua nova paixão e, com a alegria e recompensa que exude, amigos e familiares começam a experimentar e o número de convertidos aumenta.

Com duas ou três exceções, a oferta comercial em Lisboa é a mesma que era há décadas, com a mesma qualidade mediana a fraca mas naturalmente com preços cada vez maiores – não tardará que pequenos investidores percebam a oportunidade e se lancem sobre ela. No Reino Unido, em Espanha, França ou Holanda brotam cada vez mais e melhores lojas e isso acabará por acontecer cá. Entretanto, se o modelo online surgiu em tantas áreas da nossa vida para fazer face a uma procura crescente e mais sofisticada, a oferta de plantas não está a ser uma exceção, crescendo a um ritmo avassalador com preços atraentes e um acondicionamento de transporte superior que garante ao cliente total satisfação. A falta de boas lojas para jardim tem aqui uma ameaça real que conquista a passos largos quota de mercado.

Com esta ajuda de boa oferta a preços acessíveis, a população de convertidos à jardinagem ou ao cuidado de plantas de interior aumenta e as nossa casas vão ficando mais vivas e viçosas, os jardins mais repletos, coloridos, cheirosos e belos. E nós, convertidos recentes ou antigos, seguros dos enormes benefícios psicológicos que a jardinagem ou tratar uma única planta que seja nos aporta, vamos agradecer a estas nossas amigas verdes porque no fim isso nos torna mais saudáveis e mais felizes. E não há muito que, por tão pouco, nos ofereça tanto bem estar e felicidade.