2018 tem continuado com as minhas idas a Alcoitão, para sessões de hidroterapia. O inverno em piscina, diriam: “Ui, que frio!”. Mas tudo correu bem pois a água está aquecida a 34o, quase a temperatura do corpo, para que os utentes façam os seus exercícios sem sentirem qualquer frio. Na verdade, só sentia frio no final da sessão, quando saía da água para tomar o meu duche.
Neste momento já não tenho hidroterapia, mas estou à espera que me chamem de novo. Para terapias e, acima de tudo, para as operações que ainda me faltam receber, ao cotovelo e à anca. O meu caminho de recuperação ainda se me apresenta como longo, pelo que tenho de manter a minha atenção focada nestes “mapas” de vida. Não me posso perder. Sempre em frente.
A verdade é que, neste momento, tenho tido terapia em casa, acompanhamento que ainda se irá manter por algum tempo. A ver vamos.
E o que fiz, ou farei eu ainda mais?
Tanta gente me orientou e ajudou que eu não deixei de usar as suas indicações, para dali alimentar o meu caminho com atividades que muito me preencheram e têm preenchido, nesta fase de recuperação.
Uma das enfermeiras de Alcoitão foi a minha “luz” para me dedicar à Vela Adaptada, conceito que não sabia o que significava. Vela praticada por atletas que transportam dificuldades físicas, muitas delas bem maiores do que as minhas. Iniciei-a e participei em regatas pelo país fora: na Nazaré, em Portimão, em Leixões, em Cascais e até participei no Campeonato Nacional de Vela Adaptada, tendo ficado em 6o lugar. Para o ano que vem, talvez volte a participar no campeonato nacional, também em Portimão, onde que se seguirá também o campeonato europeu. Sei lá o que o futuro me reserva?
Da associação Novamente, uma Associação criada por pais, médicos e amigos de Traumatizados Crânio- Encefálicos e que se constituiu com o objetivo de prestar um melhor apoio às vítimas de TCE e às suas famílias, isto é, muito indicada para o que eu sofri, fui guiado para atividades por ela dinamizada, com destaque para a que muito me preencheu: o Mergulho Adaptado. Eu que iniciei os meus mergulhos em 1999 já tinha registados 70 mergulhos de mar, alguns deles em Moçambique, onde um dia viajei com a Madalena e filhos já nascidos, para a levar à sua terra natal e este acidente veio dizer-me que mergulho era algo para esquecer no futuro. Não é verdade. Já fiz um mergulho adaptado em piscina e tive carta branca dos instrutores para voltar ao mar quando o quiser com a sua ajuda, o que farei brevemente. Que bom.
Por sugestão de uma irmã minha, dediquei algum do meu tempo em atividades de voluntariado no SEMEAR, programa integrado que visa a inclusão de jovens e adultos com dificuldade intelectual e social, através da integração sócio-profissional em Empresas e Negócios Sociais da organização.
A esse voluntariado seguir-se-á brevemente o apoio, também ele voluntário, dado por mim à Zero-a-Oito, uma editora focada no público infantil, para crianças dos 0 aos 8 anos de idade. Ali participaram todos os meus filhos, a Madalena e eu também, nas gravações de discos desde há alguns anos.
E as minhas terapias habituais continuam, incluindo as minhas caminhadas diárias, registadas através de uma contagem de passos feita com um podómetro que me acompanha sempre. Tenho por objetivo dar 5.500 passos diários, isto é percorrer cerca de 3.400 metros por dia, algo que tenho conseguido com grande frequência, tendo neste último mês de agosto percorrido uma média de 5km por dia. (tenho registado tudo diariamente e o meu excel não me mente: 5.069 metros por dia).
Seguindo a indicação de um sobrinho meu, madrileno, dediquei-me a trabalhos de madeira, o que sempre gostei de fazer. Mobília de jardim, arranjos em casa, colaborar com o meu filho mais novo a criar e construir os seus projetos. Tendo já iniciado esta minha nova atividade, com aprendizagem junto de um conhecedor do ramo que há muito trabalha em madeiras - e que até efetuou trabalhos para o Museu de Arte Antiga - um conhecedor na matéria, portanto. Vou aprender com ele a trabalhar e a usar talhas, lacas, embutidos, madrepérolas, trabalhar em esculturas douradas e policromadas, enfim, toda uma atividade que me preencherá e ajudará à minha recuperação.
E li e tenho lido muito, o que é bom e me mantém a cabeça ocupada. Desde livros de Igreja, a romances, a História de Portugal, a um especial chamado “Sobreviver”, livro escrito pelo Bento Amaral que tanta infelicidade física ainda transporta na sua vida quotidiana, mas que já ultrapassou tanto, tanto venceu e ali escreveu e partilhou todas as suas dificuldades e conquistas, o que muito me ajudou a ultrapassar os meus caminhos difíceis, ..., e tanto outros livros que já me passaram pelas mãos.
De um deles tirei este seu texto final que gostaria agora - e para terminar - de partilhar convosco, pensando em especial nos meus filhos, sobrinhos e seus amigos, ou seja, tanta gente nova que nos rodeia. E acaba este livro, e eu próprio também o faço, com estas últimas linhas que aqui vos deixo. No original estão escritas no plural, mas eu passei-as para o singular, para melhor serem lidas e ouvidas por cada um:
"Vai tranquilamente por entre o grande barulho, gritaria e a pressa e lembra-te da paz que pode haver no silêncio.
Tanto quanto possível, e sem renúncia, vive de boas relações com todas as pessoas. Comunica a tua verdade calma e claramente; e ouve os outros, mesmo os insensatos e ignorantes, porque eles também têm a sua história. Evita pessoas barulhentas e agressivas, pois elas são verdadeiros aborrecimentos para o espírito.
Se te comparares com os outros, poderás tornar-te vaidoso e amargo; pois sempre haverá pessoas maiores e menores que tu. Aproveita as tuas conquistas e os teus planos. Mantém-te interessado na tua própria carreira, por mais humilde que ela seja; é sempre algo que se possui verdadeiramente no meio das mudanças que o tempo traz.
Tem cautela com os teus negócios, pois o mundo está repleto de falsidades. Mas que isto não te cegue no que diz respeito à virtude que existe; muitas pessoas lutam por altos ideais, e por todo lado existe vida cheia de heroísmo. Sê tu próprio. Especialmente, não simules a amizade. Nem sejas cínico no amor, pois diante de toda a aridez e desencantamento ele é tão perene como a erva.
Aceita gentilmente o conselho dos anos, renunciando de boa vontade às coisas da juventude. Fortifica uma força do espírito para que te proteja de uma infelicidade súbita. Mas não te aflijas com a imaginação sombria. Muitos medos nascem da fadiga e da solidão.
Para além de uma disciplina saudável, sê gentil contigo próprio. Tu és uma criança do universo, não menos do que as árvores e as estrelas; tu tens o direito de estar aqui. E seja-te ou não claro, sem dúvida o universo vai correndo certamente como deveria.
Portanto, que estejas em paz com Deus, o que quer que Deus seja ou represente para ti, e quaisquer que sejam os teus esforços e aspirações, na barulhenta confusão da vida, mantém a paz na tua alma.
Com toda a sua farsa, tarefas fastidiosas e sonhos desfeitos, o nosso mundo é lindo, por isso presta atenção ao que te rodeia e procura ser feliz."
E quem escreveu isto? No fundo da página original encontrada, há apenas uma linha que diz isto:
“Encontrado numa velha igreja de Baltimore em 1692. Autor desconhecido.” Baltimore, cidade dos U.S.A., é claro.
Talvez não seja verdade, talvez tenha sido escrito mais tarde, talvez ..., enfim, em todo o caso não deixa de ser uma prosa inspiradora que nos oferece, a todos, um credo positivo para nos acompanhar ao longo da nossa vida.
E, claro, aqui fica o meu abraço de agradecimento a tanta gente desconhecida que me ajudou nesta caminhada ainda inacabada. Como me disse uma das minhas irmãs com quem conversei há dias, “Gonçalo, deixe-se de agradecer toda a ajuda que teve e recebeu, pois está na hora de se dedicar à sua vida, à sua nova vida!”.
Terá ela razão?! Não resisto, porém, a deixar-vos de novo o meu Abraço.