A Europa está a atravessar um momento económico muito delicado e a força dos seus grandes grupos empresariais familiares, com uma história de inovação, sucesso e resiliência, pode ser um dos fatores-chave de recuperação de uma unidade e de uma identidade fortemente feridas. Por isso não tenho conseguido resistir a partilhar a minha perspetiva sobre alguns desses grandes grupos familiares – noutros momentos, os Agnelli, os Ortega ou os Arnaut – e hoje dedico-me à que é talvez a maior referência de todas, os Wallenberg.
Nomes como Ford, Rockefeller, Rothschild ou Morgan, e mais recentemente Mars, Koch ou Walton, tornaram-se sinónimos de grande poder. No entanto, os Wallenberg estão num patamar acima: com US$ 250 a 300 mil milhões de valor estimado, é a segunda família mais rica do mundo, a par dos Waltons e pouco abaixo da imbatível Casa de Nahyan, a família real dos Emirado do Abu Dhabi. E acima de todos os outros que se enumeraram.
Uma família aberta, mas discreta, repousa sobre os seus ombros a maior parte da economia sueca, com empresas que se expandiram por todo o mundo. A imprensa deleita-se com a família e a sua história, falando da sua “ascensão silenciosa” ou de uma “dinastia que controla o mundo empresarial da Europa nas sombras”. Mas ao contrário de outras grandes famílias, não encontramos escândalos, lutas internas ou entrevistas bombásticas. É verdade porque os Wallenberg são suecos..., mas seria um crime ignorar o que nos pode ensinar a sua extraordinária riqueza, a sua história suave e sólida, os seus valores tão originais e agora um processo sucessório inédito com 30 candidatos...
A origem do poder e da fortuna da família Wallenberg: do feudalismo à revolução industrial na Europa
A transferência de poder das famílias reais para grandes empresários é um fenómeno que acompanhou a transformação da sociedade desde o fim do feudalismo até à emergência do capitalismo. A família Wallenberg é um exemplo emblemático dessa mudança. Fundada em 1857 por André Oscar Wallenberg, um oficial da Marinha sueca, a família estabeleceu o banco Stockholms Enskilda Bank, revolucionando o sistema bancário sueco ao introduzir o conceito de pagar juros aos depositantes.
A expansão e consolidação da fortuna da Família na Europa
O banco fundado por André Oscar Wallenberg financiou a industrialização da Suécia, contribuindo para a construção de ferrovias e outras infraestruturas essenciais. Após a sua morte, os filhos continuaram a expandir a influência da família, diversificando investimentos em vários setores na Europa. Uma mudança na lei sueca em 1916, que dificultava a participação de bancos em indústrias, levou à criação da holding Investor AB, estabelecendo um grau de proteção à imagem da família.
Como resultado, os Wallenberg acabam por estabelecer presença na maioria dos grandes grupos industriais suecos, como EQT AB, Ericsson, Electrolux, ABB, SAS Group, SKF, Atlas Copco, Saab AB, entre muitos outros. Na década de 1970, as empresas da família Wallenberg empregavam 40% da mão-de-obra industrial da Suécia e representavam 40% do valor total do mercado bolsista de Estocolmo. Este predomínio ainda se mantém hoje.
O papel seminal de Raoul Wallenberg na família e na história da Suécia
Raoul Wallenberg, diplomata, tornou-se o mais famoso membro da família. Trabalhou em Budapeste durante a Segunda Guerra Mundial e dedicou-se a resgatar judeus do Holocausto. Entre julho e dezembro de 1944, emitiu passaportes de proteção e abrigou judeus, salvando dezenas de milhares de vidas.
Esta demonstração de humanismo e coragem marca ainda hoje os valores do grupo e da família e foi determinando o seu envolvimento crescente em atividades filantrópicas através de uma rede de fundações, com destaque para a Fundação Knut e Alice Wallenberg.
A estratégia das fundações
A transferência de património para fundações foi uma estratégia crucial que ajudou a família Wallenberg a evitar disputas familiares que poderiam delapidar a fortuna. Hoje, a fortuna estimada em US$ 250 a 300 mil milhões pertence a 20 fundações administradas pela quinta geração da família. Essa abordagem permite que os Wallenberg mantenham uma influência significativa sem exporem publicamente a sua riqueza.
Ao longo dos anos, os Wallenberg estreitaram laços com o governo sueco e outras autoridades internacionais, além da Europa. Membros da família ocuparam posições políticas importantes, como ministros e deputados, influenciando diretamente o desenvolvimento de políticas públicas. A segunda geração de Wallenberg, por exemplo, envolveu-se em negociações durante a Primeira Guerra Mundial e no setor das minas.
O legado de discrição
Tal como acontece com várias famílias de grande riqueza, a discrição é uma marca registada dos Wallenberg. Mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto alguns membros da família ajudavam a aumentar a fortuna negociando com ambos os lados do conflito, outros, como Raoul Wallenberg, ganhavam destaque pelas suas ações humanitárias, salvando milhares de judeus do Holocausto.
Não obstante, os líderes da família não se opõem a contactos com a imprensa nem em aparições públicas em estilo formal ou informal – não só para abordar temas do contexto político ou económico como para partilhar a sua experiência na própria gestão familiar. Uma atitude consistente com a colocação dos princípios da família em prática no próprio desenvolvimento dos negócios.
O dinamismo e influência da quarta e quinta gerações
Marcus Wallenberg Jr. e o filho mais novo, Peter Wallenberg Sr., centraram os seus interesses nas empresas de investimento da família, Investor e Providencia. A Investor torna-se no negócio emblemático da família e, sob a liderança de Marcus Wallenberg Jr., começou a promover ativamente a reestruturação da maioria das empresas industriais sob seu controle, substituindo membros do conselho e promovendo talento mais jovem.
Após a morte de Marcus Wallenberg Jr., em 1982, a liderança é assumida por Peter Wallenberg Sr., que conduziu a indústria sueca para uma nova era. Em 1990, estimava-se que a família controlava indiretamente um terço do Produto Nacional Bruto sueco. Peter Wallenberg Sr. deixou a liderança da Investor em 1997 e em 2006, a quinta geração assume a liderança do grupo: Marcus, filho de Marc Wallenberg, e Jacob e Peter Wallenberg Jr., ambos filhos de Peter Wallenberg (sénior).
São estes três líderes que tomam em braços um programa de grande alcance para preparar a sexta geração visando a continuidade da família e o aumento da sua fortuna e influência globalmente, não só na Europa. A recente decisão da Suécia de ingressar na NATO, fortemente apoiada pela família, é um indicativo do seu poder contínuo.
Planeamento sucessório ao estilo Wallenberg
A família Wallenberg inicia recentemente a transição para a sexta geração com um modelo que rompe com a tradição ao considerar 30 membros da Next Gen no processo, com idades entre 12 e 45 anos.
Os três primos que representam a quinta geração deram uma rara entrevista ao Financial Times, onde levantam o véu sobre o processo, afirmando ter decidido oferecer a cada um dos jovens funções de observador nas fundações da família, no conselho corporativo superior e nos vários conselhos societários da holding e das empresas do grupo.
"No fim de contas, não estamos a ficar mais jovens. O que estamos a fazer é tentar preparar-nos para o futuro, tentar preparar-nos para a próxima geração. Exatamente como e quando isso acontecerá, o tempo dirá. Mas estamos claramente a tomar medidas começando por dar a cada um esta nova função ", disse Jacob.
Marcus acrescenta: "Estamos convictos de que, quanto mais cedo pudermos dar responsabilidades que ressoem com o indivíduo, melhor vai ser. Não há vontade de os travar." E refere que, pela primeira vez nos 168 anos de história corporativa da família, seria provável ter mulheres envolvidas na liderança do grupo, algo que ele e os seus primos "teriam muito, muito prazer em ver acontecer".
Cada uma das primeiras cinco gerações dos Wallenberg forneceu apenas um, dois ou três membros para supervisionar as empresas que possuem através de conselhos de administração, bem como as fundações e os seus projetos de I&D. Mas Jacob e Marcus consideram que provavelmente haverá mais de três líderes na próxima geração. "As atividades em que a família está envolvida expandiram-se bastante ao longo dos anos. O ambiente mudou drasticamente em termos de regulação e de dimensão das empresas e por isso requer provavelmente mais acionistas na supervisão. A nossa esperança e desejo é que trabalhem em equipa, porque acreditamos que vai trazer um resultado muito mais poderoso."
No processo sucessório, os três primos dividiram o ecossistema Wallenberg em três segmentos diferentes para oferecer à sexta geração opções alinhadas com os seus interesses: negócios, fundações ou família. Ao mesmo tempo, convidam membros da sexta geração para os acompanhar em viagens de negócios onde a sexta geração tem oportunidade de compreender e interatuar com a vasta rede de contatos corporativos e políticos da família em todo o mundo.
Alguns dos 30 membros dessa geração já trabalham no ecossistema Wallenberg, mas a maioria não. A família faz questão de não destacar nenhum indivíduo como tendo um papel de liderança na sexta geração e todas as funções de observador – incluindo cargos no conselho principal da família – são rotativas para aferir talento e permitir que a sexta geração veja o que lhes interessa: investir, ajudar na investigação e nas fundações, ou gerir o lado da família.
A quinta geração está consciente das dificuldades típicas de processos de sucessão e em particular quando se trata de dezenas de candidatos como acontece com a próxima geração da Família. Mas estão convictos que a cultura, os princípios e a estrutura financeira do grupo facilitarão o processo.
"Se olhar para uma série de maus exemplos, muitas vezes é sobre dinheiro. No nosso caso, não pode ser sobre o dinheiro ou sobre o capital das empresas, pois não somos os proprietários legais dele, estamos apenas a geri-lo. Portanto, não há nada para discutir ou gerar lutas ", disse Jacob. "Cada um receberá como nós um ordenado e o capital está indivisível nas mãos das fundações e holdings da família."
E que poderá reservar o futuro à família?
A família Wallenberg construiu um padrão cultural e de valores muito particular que a permitiu atingir um patamar de riqueza incomparável. Calma, discreta e pragmática soube gerir com frieza e sucesso muitas crises no seu portfolio (Ericsson, SAS, ...) e em cinco gerações não se conhece um atrito na família. A preparação da sucessão para a sexta geração é mais um desafio, mas a quinta geração ainda tem tempo pela frente para a gerir com a tranquilidade necessária. No final, a família até pode perder muito, mas nunca perderá a calma, o sangue frio e o foco da sua alma escandinava. Nem a sua aura de influência.