A pandemia das opiniões
“O drama não é que as pessoas tenham opiniões, mas sim que as tenham sem saberem do que falar.” (José Saramago, A ignorância é a mãe de todas as polémicas, Diário de Notícias, Lisboa, 12 de Julho de 1992)
O mundo à nossa volta está constantemente a convocar-nos para que partilhemos as nossas opiniões sobre tudo. Guerra, alterações climáticas, a decisão da política X, a polémica da pessoa Y, inflação. Há quem esteja disposto a partilhar essas opiniões: algumas pessoas fundamentam essas opiniões, outras estão alinhadas com o pensamento de Saramago: são opiniões de quem fala sem saber o que falar.
Quando se fala daquilo que não se sabe e/ou quando se partilha informação de quem fala daquilo que não sabe, corremos o risco de contagiar as nossas conversas com desinformação. Ficamos numa troca superficial de ideias, num “acho que” ou “ouvi dizer” ou “vi num artigo” e, ainda que seja possível fazer um belo discurso com noções superficiais, talvez não estejamos a acrescentar qualidade à conversa.
O direito à opinião
Frequentemente oiço esta frase: “cada pessoa tem o direito à sua opinião” como defesa quando já não se tem argumentos ou quando não entendemos os argumentos dos outros com quem estamos a dialogar.
Se pegarmos nessa famosa frase que defende um direito e acrescentarmos um dever? “Cada pessoa tem o direito à sua opinião e o dever de fundamentar a sua opinião”. Neste caso não se trata somente de dizer coisas sobre isto ou aquilo, mas de ter algo no qual fundamentar as coisas que dizemos.
Ao adicionarmos a questão do dever de fundamentação estamos a exigir que haja um sentido de responsabilidade pela qualidade daquilo que pensamos e partilhamos com os outros, seja em que ambiente for – digital ou não. Calma, não quero com isto dizer que as pessoas não possam ainda assim enganar-se ou ser imprecisas. Vamos enganar-nos e ser imprecisos nalgumas situações e por isso é importante cultivar uma atitude preciosa: a disponibilidade para rever o que pensamos.
Opinar, fundamentar e rever
As opiniões fundamentadas dão um bocadinho de trabalho. Exigem que se investigue um pouco sobre a temática, que se procurem fontes de informação. Talvez seja necessário dialogar com alguém sobre o assunto, sobretudo com alguém que saiba mais sobre o assunto.
Fundamentar uma opinião exige algum tempo para a pesquisa, mas também para amadurecer o que pensamos. Há assuntos que são complexos e por isso exigem até alguma distância face ao assunto para nos sentirmos confortáveis com a nossa opinião.
Além disso, é possível que a nossa curiosidade e atenção nos leve a encontrar novos dados que nos levam a rever a nossa opinião e os fundamentos na qual se apoia. Nesse caso, nada como agir como um cientista: está na hora de rever as nossas conclusões.
“Pensar antes de”
Cada um de nós pode fazer algo no sentido de travar a pandemia das opiniões [sem fundamento]. Como? Antes de opinar, faça uma pausa: o assunto é relevante para si? Tem conhecimentos ou experiências para falar com propriedade sobre essa temática? Vale a pena investir tempo e energia à procura de fontes para sustentar o seu ponto de vista? No fundo, apenas está a ser uma pessoa honesta, consigo e com os outros.
A prática da honestidade intelectual é um trabalho a tempo inteiro e exige uma constante atenção ao que dizemos ou escrevemos. Por ser algo trabalhoso, há temas sobre os quais mais vale nada dizer e o melhor será deixar que os especialistas façam o seu trabalho.
Vamos a isso?
Joana Rita Sousa é filósofa, perguntóloga e mestre em filosofia para crianças. Escreve sobre filosofia no seu blog e nas demais redes sociais. Além da filosofia, move-se pelo mundo da comunicação e da estratégia de conteúdo (e adora cães!).