Ao contrário da crença amplamente disseminada — e das apresentações entusiásticas de investidores e executivos de tecnologia — a Inteligência Artificial pode estar a tornar mais lentos os programadores mais experientes. Sim, leu bem. Em vez de acelerar o trabalho, a IA serviu como travão de mão em código que os próprios programadores conheciam como a palma da mão.

A revelação vem de um estudo recentemente publicado pela METR (Machine Intelligence Research Institute), uma organização sem fins lucrativos que se dedica à investigação sobre IA. O alvo? Um grupo de programadores calejados, postos à prova com a ajuda do Cursor, um dos assistentes de codificação com IA mais populares do momento. O objetivo era simples: medir a produtividade em tarefas dentro de projetos open-source que já dominavam.

Segundo relata a Reuters: Antes de começar, os próprios programadores apostavam que iriam poupar tempo — 24% menos, diziam com confiança. Mesmo depois de usarem a IA, ainda achavam que tinham sido 20% mais rápidos. A realidade? Um aumento de 19% no tempo de execução. Em linguagem técnica: um balde de água fria.

Joel Becker e Nate Rush, autores do estudo, ficaram boquiabertos. Rush chegou mesmo a escrever, antes de iniciar a investigação, que esperava “o dobro da velocidade, obviamente”. Como se costuma dizer nos bastidores da tecnologia, spoiler alert: não foi bem isso.

A explicação para esta ironia do progresso reside nos detalhes: os programadores passaram mais tempo a rever e corrigir as sugestões do que a escrever código. Sim, a IA dava palpites — por vezes até acertava na direção geral — mas raramente acertava nos pormenores. E como qualquer programador experiente sabe, o diabo mora no debug.

“Quando vimos os vídeos [das sessões de programação], notámos que as sugestões eram mais ou menos certas… mas não exatamente o que era preciso”, explicou Becker a Reuters. Ou seja, o assistente de IA parecia aquele colega de trabalho que dá ideias em todas as reuniões, mas nunca leu o briefing.

Este novo estudo surge como contraponto a uma série de publicações anteriores que celebravam ganhos de produtividade avassaladores com IA: aumentos de velocidade até 56%, mais 26% de tarefas concluídas, promessas de automação quase mágica. Mas o que a METR nos lembra é que o contexto importa. Muito.

Neste caso, programadores experientes e profundamente familiarizados com o código existente — o tipo de talento que empresas pagam caro para reter — viram-se atrapalhados por um assistente que parece não perceber que sabe menos do que pensa que sabe.

Curiosamente, a maioria dos participantes (e os próprios investigadores) continuam a usar o Cursor no dia a dia. Não por ser mais rápido, mas porque torna o trabalho… mais suportável. Becker comparou a experiência a editar um ensaio em vez de encarar uma folha em branco. Ou seja, menos suor, mais café.

“Os programadores têm objetivos que vão além de concluir a tarefa o mais rápido possível”, disse Beckera Reuters. Uma verdade que os gestores de produto talvez queiram anotar num Post-it.

Este estudo chega num momento em que vozes influentes da indústria, como Dario Amodei da Anthropic, vaticinam que a IA poderá eliminar até metade dos empregos de entrada no setor tecnológico nos próximos anos. Uma previsão que, vista à luz deste relatório, poderá ser precipitada — ou pelo menos incompleta.

Sim, a IA continuará a ter um papel crescente no desenvolvimento de software. Mas este episódio é um lembrete de que assistente não significa substituto — e que, por enquanto, os melhores programadores continuam a ser humanos. Mesmo que, ironicamente, cometam o erro de acreditar que uma IA os vai tornar mais rápidos.

Spoiler: às vezes, o progresso vem com um lag.