Num mundo e numa sociedade movida pela produtividade, eficiência e metas cada vez mais ambiciosas, muitas vezes negligenciamos algo que é fundamental para o nosso bem-estar: a inutilidade. Ou será que deveríamos falar da utilidade do inútil?
Valorizamos o sucesso e a realização constante de tarefas úteis e atividades de valorização pessoal. Mais um desporto, mais uma formação, mais um livro, mais investimento em desenvolvimento pessoal… uma infinitude de coisas. Valorizamos a otimização do tempo, mas o paradoxo reside no facto de ser exatamente este estilo de vida que penaliza a nossa saúde mental.
A busca incessante pela produtividade é uma caraterística da sociedade moderna. O tempo é um recurso valioso, e muitos de nós acreditam que cada minuto deve ser gasto de maneira útil e eficiente. No entanto, essa obsessão pela produtividade tem um custo significativo para a nossa saúde mental. A constante pressão de cumprir metas e prazos leva ao stress e ansiedade, contribuindo para uma sociedade cada vez mais infeliz.
Em contrapartida, valorizar o “nada” (ou seja, fazer coisas que parecem não ter propósito) pode ser extremamente benéfico. Essas atividades inúteis podem incluir beber um chá, observar as nuvens ou simplesmente sentar-se em silêncio sem pensar em nada em particular. O valor dessas experiências reside na oportunidade de desconectar-se das pressões do quotidiano.
Fazer coisas inúteis não é um desperdício de tempo, é uma forma de recarregar a mente. Quando nos permitimos desacelerar e não nos preocuparmos com a eficácia das nossas ações, damos ao nosso cérebro um merecido descanso. Isto ajuda a reduzir a ansiedade, além de melhorar a nossa capacidade de concentração e criatividade
Atividades inúteis também podem servir como um terreno fértil para a criatividade e a inspiração. Grandes pensadores ao longo da história encontraram insights valiosos quando menos esperavam. Einstein, por exemplo, relatou que as suas melhores ideias surgiram durante longas caminhadas sem um propósito específico. A desconexão intencional permite que a nossa mente vagueie e faça conexões improváveis, alimentando a nossa imaginação.
A saúde mental não se limita apenas a evitar a ansiedade, também envolve a construção de resiliência mental. A capacidade de lidar com desafios e contratempos é crucial e o tempo gasto em atividades inúteis ajuda a desenvolver essa resiliência. Quando nos acostumamos a abraçar o “nada”, aprendemos a aceitar o inesperado e a viver o presente, em vez de nos prendermos ao futuro.
Está na altura de interrompermos este ciclo e entrarmos em contracorrente em relação aos discursos motivacionais que nos dizem que devemos fazer mais, devemos praticar mais desporto, ler mais, ser mais produtivos, que nos ensinam como nos alimentarmos melhor, arrumar melhor a casa, cozinhar melhor ou comprar melhor. Chegou a hora de reservarmos tempo para atividades “inúteis”, já que elas são essenciais para manter o equilíbrio entre o dever e o prazer. Reservar tempo para atividades inúteis não é desperdício, é investimento na nossa saúde mental e no nosso bem-estar.
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