“Alqueva é um símbolo do Portugal moderno e da vontade de ultrapassar obstáculos e da construção de um futuro (…) compromisso de solidariedade nacional para com o Alentejo (…) em rotura com os reduzidos volumes de investimento público no Alentejo” (António Guterres, 2002)

Alqueva, o maior projeto de regadio português e europeu, pode e deve servir de exemplo e orientação para projetar o empreendimento de fins múltiplos do Pisão (EFMPI). O sucesso a gerar, em termos económicos e nas múltiplas dimensões do desenvolvimento regional, será tanto maior quanto melhor se conhecer a experiência, as virtudes e os obstáculos que marcaram Alqueva, permitindo a partir dessa aprendizagem moldar estratégias de resposta mais eficazes e com maior potencial de gerar impactes territoriais/setoriais relevantes e inverter as tendências pesadas que caracterizam atualmente o Alto Alentejo (acentuada redução dos quantitativos populacionais, galopante envelhecimento, reduzidos níveis de empreendedorismo, baixa incorporação de tecnologias nos processos produtivos, reduzido valor acrescentado e baixas produtividades na produção agrícola).

Quer o Alqueva, quer o Pisão assentam no conceito de fins múltiplos e na gestão integrada da água. Sendo projetos estruturantes, o seu principal objetivo passa porgarantir o desenvolvimento regional nas dimensões económicas, ambientais e sociais.

Datam de 1957, os primeiros estudos e referências à necessidade de construir estas duas infraestruturas/barragens (Alqueva, incluída, no Plano de Rega do Alentejo; Pisão/Crato, incluída no Plano de Valorização do Alentejo). Passados 67 anos, o EFMA é consensualmente reconhecido como um projeto estruturante e emblemático, com impactes multidimensionais no Alentejo/país, enquanto o EFMPI deverá em breve iniciar a sua construção, resolvidas que sejam as questões processuais/ambientais pendentes (Declaração de Impacte Ambiental) e se confirme a existência de fontes de financiamento nacionais/europeias para a sua execução (após a retirada do Plano de Recuperação e Resiliência, na reprogramação efetuada).

Neste primeiro artigo, irei centrar-me no sucesso do EFMA, nomeadamente nos resultados e impactos gerados até ao momento no Alentejo e no país, com base no recente estudo de “Avaliação dos impactos económicos da concretização do EFMA” (em que integrei a equipa CEDRU/EY, responsável pela sua elaboração).

Apesar da integração do Alqueva no Plano de Rega do Alentejo (1957), a criação da Comissão do Alqueva e o início das obras preliminares apenas ocorreu em 1976. Contudo, as obras pararam logo em 1978, pelos custos muito avultados e pela falta de verbas disponíveis. Neste quadro, apenas em 1995, com a criação da EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, S.A. (sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) se reiniciam os trabalhos. O encerramento das comportas da barragem ocorre passados 7 anos (2002), sendo que a albufeira atinge pela 1ª vez a quota máxima, em 2010. Em 2016, cerca de 21 anos após o início consistente das obras se deu por concluída a construção das infraestruturas afetas ao Projeto Alqueva I (120.000 hectares de regadio em exploração).

Com uma área de influência total de 10000 km2 (23 concelhos do Alentejo),a maior reservaestratégica de água da Europa, tem uma capacidade total de 4150 milhões m3permitindo irrigar, atualmente, uma área de 130 mil hectares, garantir o abastecimento de água a 200 mil habitantes e produzir energia (renovável) capaz de servir 500 mil residentes.

O aumento da produção agrícola na região (+18%/ano; 130 M€/ ano de investimento), com uma profunda alteração do perfil de especialização produtiva, progressivamente assente em culturas de elevado valor acrescentado(olivicultura/ azeite), em regimes de exploração intensivos e superintensivos, e em ganhos de escala (maior dimensão média das explorações), maiorempresarialização (produtores singulares “substituídos” por explorações empresariais), intensidade capitalística (aumento progressivo de fundos financeiros/investimento direto estrangeiro) e sofisticação tecnológica (modernização/mecanização) concorre para gerar impactes económicos muito significativos.

Os números são avassaladores e demonstrativos do seu sucesso.Com um investimento público de 2446 milhões de euros estima-se que,entre 1995 e 2023, o EFMA tenha gerado uma receita fiscal de 2910 milhões de euros (por cada euro investido, o Estado já arrecadou 1,2 euros).Entre 1995 e 2028 estima-se um contributo do EFMA em 27 mil milhões de euros de produção nacional (0,5% do PIB nacional), 12 mil milhões de Valor Acrescentado Bruto (0,2% do VAB nacional), cinco mil milhões de euros em remunerações (0,2% do total nacional) e 22.569 empregos.

Quebrando um dos principais condicionalismos ao desenvolvimento da região (carência e imprevisibilidade do acesso ao recurso água), a relevância do EFMA não se esgota na agricultura e na abrangência da área de regadio, mas tambémno abastecimento público de água, na produção de energia hidroelétrica (27% da capacidade instalada de produção de renováveis no Alentejo; 9% da energia elétrica renovável em Portugal), no desenvolvimento de atividades turísticas (mais de 5000 novas camas, sobretudo no alojamento local, e progressivo incremento de empresas de animação turística).Contudo, apesar deste contexto muito favorável, o EFMA tem tido um impacto residual na mitigação do declínio populacional na região, embora esteja a conseguir estancar uma maior trajetória de regressão, nomeadamente através dos fluxos migratórios que tem gerado (saldo migratório positivo, em mais de 2 mil e quinhentas pessoas, entre 2011 e 2021).

Alqueva é reconhecidamente uma âncora na estruturação do território e um motor do processo de desenvolvimento regional. Esperemos que o Pisão assuma esse papel no contexto do Alto Alentejo, afirmando-se como um projeto estratégico corretor das trajetórias negativas que marcam a sua competitividade e concorra para a melhoria da qualidade de vida das populações locais.