Vera de Melo é psicóloga clínica mas podemos vê-la com frequência na TVI, onde comenta na rubrica 'Crónica Criminal' que faz parte do programa das manhãs do canal, 'Dois às 10'.

Qual é a importância de, desde cedo, ensinar a gerir as emoções aos mais pequenos, para que se tornem adultos confiantes e felizes?

É tudo. A gestão emocional é o alicerce do bem-estar. Uma criança que aprende a reconhecer o que sente, que aprende a dar nome à tristeza, ao medo, à zanga, é uma criança que está mais preparada para viver. Que se torna um adulto que não reprime, que não explode, que sabe comunicar. Educar emocionalmente é preparar para a vida. E quando o fazemos com amor, com exemplos, com histórias, estamos a dar ferramentas para que cresçam mais seguros, mais empáticos, mais humanos.

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No seu livro usa as personagens dos avós como pessoas sábias, que têm muito para ensinar e que são os mais atentos aos problemas das crianças. Porquê essa escolha?

Porque os avós são, muitas vezes, o colo sem pressa. São aqueles que escutam sem julgamento, que contam histórias com tempo, que ensinam pelo exemplo. Há uma sabedoria silenciosa nos avós. Um olhar mais atento. E quis homenagear isso. Acredito que os avós são muitas vezes os primeiros reguladores emocionais das crianças, mesmo sem saberem. São eles que estão lá para apanhar os pedaços quando o mundo magoa. E quis eternizar esse papel, dar-lhes palco, lembrar-nos de que, na correria dos dias, ainda são eles que nos ensinam a parar.

Qual a importância e diferença do papel dos avós e dos pais na vida e desenvolvimento das crianças?

Os pais educam. Os avós embalam. Os pais definem limites. Os avós adoçam os dias. Ambos são essenciais, com funções diferentes mas complementares. Enquanto os pais, muitas vezes, vivem a pressão de educar, de acertar, os avós trazem outra leveza, outra calma, outro tempo. E essa conjugação pode ser muito poderosa: a estrutura dos pais com a ternura dos avós. Quando uma criança cresce com essa rede de apoio, firmeza e carinho, cresce mais segura e com raízes mais fortes.

A questão de saber viver todo o tipo de emoções, as boas e as más, é também abordado no livro. É fundamental viver a tristeza, a frustração, para uma mente/vida mais equilibrada?

Sim. A tristeza não é inimiga, e não há emoções boas e más. A frustração não é fraqueza. São partes da vida. E esconder isso das crianças é ensiná-las a rejeitar o que é natural. No livro, tento mostrar que tudo o que sentimos tem um propósito. Que podemos chorar, que podemos não conseguir à primeira, que não há problema nenhum em errar. Isso não nos diminui, pelo contrário: faz-nos crescer. Emoções mal vividas tornam-se feridas. Emoções bem acolhidas tornam-se sabedoria.

Notícias ao Minuto Livro editado em 2024 © Presença

O livro foca-se também na amizade. Fomentar isso nas crianças é muito importante para o equilíbrio da própria criança?

Absolutamente. A amizade é um dos pilares da infância. Ter com quem rir, com quem brincar, com quem partilhar segredos e medos, é um tesouro. E é desde cedo que se aprende o valor de uma amizade saudável: o respeito, a empatia, o saber ouvir, o saber pedir desculpa. As relações são o espelho da nossa saúde emocional. Ensinar isso às crianças é ajudá-las a escolher bem quem as rodeia, a afastar o que lhes faz mal, e a valorizar quem as faz crescer.

Quais considera serem os principais desafios/problemas que as crianças enfrentam hoje em dia?

A comparação constante. O excesso de estímulos. A solidão emocional. A ausência de tempo de qualidade com os pais. A pressão para serem perfeitas. As crianças estão a ser sobrecarregadas com tudo aquilo que os adultos ainda não aprenderam a gerir. São pequenos a viver vidas grandes demais. E por isso, cada vez mais, chegam até nós cansadas, inseguras, tristes, a pedir ajuda em silêncio.

Os ecrãs não são o vilão. O problema é o uso excessivo. As crianças estão a crescer sem tédio, sem frustração, sem espaço para imaginar

O que é que nos impede de sermos mais felizes?

A pressa. A comparação. A culpa. A mania de que temos de ser sempre fortes. A ideia de que temos de estar sempre bem. Somos mais felizes quando nos permitimos ser humanos. Quando aceitamos que sentir é normal. Quando deixamos cair a armadura. A felicidade não está em ter mais. Está em ser mais. Ser mais presentes, mais verdadeiros, mais conectados connosco e com os outros.

Quais são os principais problemas das crianças que a Vera recebe em consulta?

Recebo muitas crianças com ansiedade, baixa autoestima, dificuldades de socialização, problemas de sono, lutos mal resolvidos, questões familiares, medos. Cada criança é um mundo. Mas em todas vejo o mesmo: uma vontade enorme de ser ouvida. De ser vista. De ser compreendida. As crianças não precisam de grandes soluções. Precisam de presença, de atenção, de alguém que lhes diga 'Estou aqui. E estou contigo'.

É complicado falar com os pais? Como é que aceitam os problemas dos filhos?

Às vezes é difícil. Há pais que sentem culpa, outros que negam, outros que simplesmente não sabem como lidar. Mas a maioria quer ajudar, só não sabe como. O meu trabalho também é esse: descomplicar. Mostrar que não há pais perfeitos, mas há pais presentes. E que pedir ajuda não é sinal de falha, é um ato de amor. Quando os pais percebem isso, tudo começa a mudar.

Está a ser muito discutida a questão do excesso de ecrãs em crianças e adolescentes. Qual é a sua opinião sobre o assunto?

Os ecrãs não são o vilão. O problema é o uso excessivo, sem critério, sem limites. As crianças estão a crescer sem tédio, sem frustração, sem espaço para imaginar e isso preocupa-me. Precisam de brincar com outras crianças, de cair e levantar, de se sujar, de construir castelos com almofadas. Precisam de tempo real, de pessoas reais. Um ecrã pode entreter, mas nunca substitui o contacto humano. É preciso equilibrar.

Ser psicóloga é quase ser bombeira emocional. É chegar antes que a casa arda por dentro

A Vera é psicóloga, escritora, comentadora e tem ainda mais projetos, como podcasts. Ser multifacetada torna-a mais feliz?

Sim, porque tudo o que faço tem o mesmo fio condutor: tocar vidas. Não importa se é numa consulta, num livro, num programa, num podcast, o que me realiza é sentir que faço a diferença. Que deixo um bocadinho de esperança em quem me ouve. Gosto de criar. Gosto de comunicar. Gosto de transformar. Ser multifacetada não me dispersa, alinha-me com o que sou.

Que projetos ambiciona para o futuro? Quer escrever mais livros?

Quero escrever mais. E viver mais, porque uma coisa alimenta a outra. Cada livro que nasce é um pedaço de mim que se oferece ao mundo. E há muito mais que quero dizer. Escrever para os pequenos é plantar sementes. Escrever para os grandes é lembrar que ainda podem florescer. Tenho um universo inteiro cá dentro à espera de sair: personagens que não me deixam dormir, frases que me visitam no duche, ideias que me arrebatam no meio do trânsito. E a minha criatividade e esperança num amanhã melhor não me deixam parar, em 2025 ainda haverá novidades.

Na rua há quem me abrace, quem chore, quem me conte a dor de um filho, de um amor que partiu. E é nesses momentos que percebo: isto ultrapassa o ecrã, isto é alma com almaComo é que é ser psicóloga em 2025? É diferente de quando começou?

É. O mundo mudou, as dores mudaram, as pessoas mudaram. Mas a essência continua a mesma: escutar. Estar presente. Dar sentido à dor. A psicologia hoje exige mais agilidade, mais ferramentas, mais foco. Os temas são mais complexos, mais rápidos, mais intensos. As redes sociais, a comparação constante, a ansiedade de desempenho, tudo isto alterou o cenário emocional. O tempo acelerou, os sintomas gritam mais alto, mas a dor é a mesma de sempre: a de não ser visto, escutado, compreendido.

Hoje, ser psicóloga é quase ser bombeira emocional. É chegar antes que a casa arda por dentro. As pessoas não têm tempo para sentir, mas também não aguentam não o fazer. Vivem numa urgência estranha: querem curar-se depressa, sem parar, sem olhar, sem esforço ou dor. Mas o meu papel é outro. Sou aquela que convida ao abrandamento, a viver o aqui e o agora, o momento presente. Mas o que continua inabalável é a necessidade de descomplicar, isso mantenho desde 2004.

Como se lida com casos tão pesados como os que comenta na 'Crónica Criminal'?

Com silêncio por dentro e responsabilidade por fora. Com humanidade, cuidado e respeito. Quando estou ali, a falar sobre esses casos, lembro-me sempre de que não estou apenas a comentar crimes, estou a falar de pessoas. Famílias. Pais. Filhos. Vidas partidas. Eu não comento crimes. Eu tento compreender as origens. Tocar nas feridas. Fazer com que quem ouve perceba que há sempre mais do que o óbvio.

Tento trazer sempre uma leitura emocional, que ajude quem está de fora a perceber o que está por trás da tragédia: o silêncio, a solidão, o trauma, o grito que nunca foi ouvido. E, acima de tudo, tento nunca perder a empatia. Porque por mais tempo que passe, por mais histórias que ouça, nunca me quero habituar à dor. Nunca quero deixar de sentir. É impossível não sentir. E ainda bem.

Lido com histórias de dor crua, de violência que corta. Tento ser a ponte entre o que choca e o que dói. E preservar o bom senso, vendo para além do óbvio, do popular, porque só assim conseguimos transformar a violência em reflexão. E, quem sabe, em prevenção.

Como é que lida com a abordagem das pessoas na rua? Acredito que seja muito reconhecida pois tem um lugar de destaque num programa de muita audiência.

Com verdade. As pessoas vêm ter comigo como quem reencontra uma amiga que ainda não conhecem pessoalmente. E eu entendo isso. Porque o que mostro é real. Há quem me abrace. Quem chore. Quem me conte a dor de um filho, de um amor que partiu, de uma infância esquecida.

E é nesses momentos que percebo: isto ultrapassa o ecrã. Isto é alma com alma. Não me incomoda. Pelo contrário, comove-me. Lembra-me de que a minha voz não está sozinha. Que aquilo que digo encontra eco. E por mais que o dia esteja cheio, eu paro. Porque sei que, às vezes, basta um olhar, um abraço, uma palavra certa, para mudar o dia de alguém.

Como é que é trabalhar com profissionais como a Cristina [Ferreira] e o Cláudio [Ramos] ?

É… normal. Como trabalhar com qualquer pessoa. Porque, com o tempo, com a convivência é isso que se tornam: pessoas. Sem palco, sem maquilhagem, sem aplausos. Com eles aprendi que o que se vê na televisão é só um bocadinho do que são. E o resto… o resto é humanidade. É bom trabalhar com eles. Mas o melhor mesmo é sentir que, num mundo onde tudo parece fachada, ainda há pessoas que são só isso: pessoas.

Notícias ao Minuto Vera de Melo e Cristina Ferreira © Instagram - Vera de Melo