
Por esta altura, os jogadores do Benfica já deviam estar todos, parafraseando o que em tempos disse Juan Roman Riquelme, presidente do Boca Juniors, a “descansar, comer asado, pasarla bien”. Um dos eternos 10 do futebol argentino, que no Hard Rock Stadium de Miami surgiu sentado a uma cadeira de distância de outro camisola 10, Rui Costa, sabe do que fala. O corpo não aguenta tudo, a cabeça precisa de pousar. A FIFA opta por não ouvir e tenta montar um lindo show. Infantino, sentado entre Riquelme e Rui Costa, faz metaforicamente de parede entre o que já foi o senso comum no futebol, quando ele era assunto de craques e não de suits.
Não será o cansaço o único culpado da perda de pontos do Benfica, mas não ajuda, seguramente. Sem frescura mental, para mais depois de um final de época dececionante, será sempre mais difícil ter o discernimento para reagir à agressividade de um adversário bem mais arejado de pernas e que quis levar o encontro para a arena de uma fase de grupos da Taça Libertadores. Conseguiu-o, quase sempre. Cada um usa as armas que tem e o Benfica pareceu, a tempos, até ingénuo. A 2.ª parte foi quase sempre um oximoro futebolístico, feito de paragens, expulsões, gente jogada no chão, até o empate do Benfica trazer, por fim, um vislumbre de jogo - e uma importante prova de vida num duelo que era, para as duas equipas, o mais perto de uma final, contando que o encontro com o Auckland City será uma formalidade e que Bayern será o favorito ao 1.º lugar do grupo.
No onze de Bruno Lage para a estreia no Mundial de Clubes terá pesado o pesada que vai a época. Bruma e Renato Sanches foram titulares, Aktürkoğlu e Orkun Kökçü ficaram no banco. Sem Tomás Araújo, Samuel Dahl surgiu à direita. E se os 10 primeiros minutos foram de superioridade conceptual, com uma oportunidade perdida por Renato Sanches logo aos 6’, rapidamente o Benfica se emaranhou na estratégia xeneize, com muita luta a meio campo e pouco futebol.
Aos 21’, na primeira chegada à área do Benfica, depois de várias tentativas de jogo direto, o Boca marcou. Dahl perdeu o duelo aéreo e, na direita, as pernas de Florentino serviram de túnel à malandrice de Lautaro Blanco. Miguel Merentiel antecipou-se a Otamendi na área e assim, numa sucessão de erros, se sofre. A vantagem seria rapidamente rentabilizada pelo Boca, equipa de arranques e momentos, quando o ex-Sporting Battaglia cabeceou para a baliza após canto e após mais um lance pelos ares que Dahl não conseguiu ganhar.
Entre o calor, os 40 mil argentinos nas bancadas - onde, mais uma vez, se viram muitas cadeiras azul turquesa vazias - e o choque, o Benfica paralisou. Pavlidis, tantas vezes o primeiro homem da pressão encarnada, vagueava em campo. A ligação entre a linha média e o último terço foi esmorecendo. O penálti marcado por Angel Di María antes do intervalo atenuou a falta de respostas a uma forma de estar em campo a que o Benfica já não está habituado, nem nos terrenos mais esconsos do país.
Ainda assim, a superioridade tática e de qualidade individual pedia mais à equipa de Bruno Lage. A meia-conferência em jeito de palestra por parte de Luís Nascimento ao intervalo, totalmente american way of life, prometia mais atitude e “um avançado lá para dentro”. Entrou Belotti para o lugar do desastrado Dahl, Aursnes baixou para a lateral direita.
Ter dois homens no ataque pouco vale quando se continuam a perder as mesmas segundas bolas, quando os níveis de agressividade do adversário não têm resposta eloquente. O jogo entrou então no domínio onde o Boca se sente confortável, da fisicalidade, das paragens, das escaramuças dramáticas para o relógio correr mais depressa. Um jogo também pode ser uma espécie de peça de teatro.
Quase nunca o Benfica conseguiu desviar-se da matreirice e Belotti acabou expulso quando tentou igualar, de alguma forma, a atitude do rival. Ainda com quase 20 minutos para jogar, o Benfica via-se com menos um para a batalha, numa fase em que o ritmo competitivo era risível e tudo muy sudamericano. Curiosamente, seria com menos um que o Benfica se encontraria novamente. O golo de Otamendi, aos 84’, de cabeça após canto, lance repetido até à exaustão pelo Benfica esta época, desesperou os argentinos. Figal seria expulso após entrada de talhante sobre as pernas de Florentino e os cinco minutos de compensação dados pelo árbitro mexicano soou a partida de mau gosto, numa fase em que os encarnados conseguiam finalmente jogar. Apitar para o final do jogo em pleno contra-ataque da equipa portuguesa já pareceu quase ofensivo.
Talvez a equipa de arbitragem estivesse extenuada e aborrecida, em iguais doses, com um jogo em que futebol houve pouco. O Mundial de Clubes também será isto: equipas com menos recursos irão utilizar os expedientes que tiverem à sua disposição. E equipas com qualidade superior terão de encontrar soluções para desatar esses nós. O Benfica, claramente, não conseguiu. E Portugal tem, para já, as duas equipas que desafiam o eurocentrismo.