É bastante raro apanhar Cristiano Ronaldo na sala de imprensa, um pouco menos, verdade seja reconhecida, desde que exilou o seu jogo na Arábia Saudita, quem sabe saudosista dos tempos em que os holofotes o iluminavam ainda mais, se alguma vez tal foi em maior escala. “Não me apetecia nada falar com vocês hoje”, dispara à segunda resposta, as feições sérias para logo se desmanchar a rir, quando lhe perguntam se os seus 40 anos nunca despertam pela manhã com espasmos da idade, sem vontade de continuar com isto.

No imediato, o ‘isto’ é a sua segunda final da Liga das Nações com Portugal, à espera dele no domingo (20h, RTP1). “Estou a brincar. Isso acontece, não só comigo, somos seres humanos, há dias bons e mais, em que não apetece falar muito. Hoje não, por acaso.” Aproveitemos então a boa-disposição, nunca é demais. Concede Ronaldo que é humano, confirma a vida cheia além do futebol repleto - “sou pai de família, tenho filhos, é um desafio bonito e interessante, gosto bastante” - e esfomeado sente-se por mais: “Tenho saudades de levantar um troféu, isso sim.” O obstáculo a superar é a Espanha, da qual tem memórias recentes felizes, por mais que se vidre o presente.

“A vida também é baseada em memórias”, lembra com sapiência, “fazem o que somos o hoje”. Admite ser homem de “flashbacks”, estranho seria se assim não fosse o tipo dos quase mil golos, que inspira incansável e expira recordes infinitos. Ronaldo fez um hat-trick a Espanha em 2018, antes sofreu com o vizinho em 2012, mas é fã próxima adversária. Vê-a “seguramente” como candidata a vencer o próximo Mundial, já Portugal “vamos ver, a Espanha está mais habituada a ganhar”. Lá iremos, ainda falta passar a perna a um Sol, neste em que estamos Cristiano marcou à Alemanha e capitaneará a seleção noutra final: “Sabemos que vai ser duro, as finais são difíceis, será contra uma seleção confiante, que não perde há 24 jogos, mas Portugal tem as suas armas e vamos com pensamento positivo. Falta o último tiro da temporada.”

Antes disso também, um chutão à cria de elefante na sala. Serão mesmo os derradeiros pontapés de Ronaldo esta época, esqueçam vê-lo no Mundial de Clubes, embora o diz que disse tenha realmente sido dito. “Houve bastantes contactos. Há coisas que têm sentido e outras não, como diz o outro: não se pode ir a todas, há que pensar a curto, médio e longo-prazo. É uma decisão que está quase decidida, não ir. Mas tive bastantes convites, isso é um facto”, confessou. Inclusive clubes da Argentina o cortejaram, mas chegaremos lá, ao inevitável, ao que Cristiano Ronaldo saberá ser sempre assim.

Maja Hitij - UEFA

Deixem estar o Lamine Yamal

Já na língua da vizinha lhe perguntaram quando irá parar e ele isso desconhece. “Não te vou enganar, claro que não tenho muitos mais anos para jogar, a minha carreira e o que continuo a fazer falam por si. Não sei definir uma data. Se calhar amanhã acordo e digo que não me apetece jogar mais. Neste momento não o sinto, no jogo anterior marquei e desfrutei, estou muito feliz”, sincerizou quem tinha exatos 40 anos e 119 dias quando fez o golo à Alemanha, na meia-final. Uma abismal diferença para os 17 anos, 11 meses e dois dias do “rapaz” sobre quem os espanhóis se dedicaram a bombardear Ronaldo com perguntas.

O capitão admitiu que até os seus filhos são fãs de Lamine Yamal, como ele, mas apelou a que o Portugal-Espanha não seja reduzido a um duelo de gerações. Porque importa ser “uma equipa contra a outra”, não o indivíduo, embora Cristiano dê conversa, com a sua terceira pessoa: “Podiam fazer Lamine com Vitinha, que estão mais perto, mas não há problema. Se querem fazer com o Cristiano eu dou o corpo às balas, para mim isso é irrelevante. Sempre foi assim, Cristiano contra este, já passaram 20 e tal anos e continua o mesmo, já não me tira o sono.” O que “mais deseja” é que Portugal “possa fazer um jogo”.

Se tal incluir baixar o lume ao frenesim Lamal, melhor ainda, explica o capitão português, figura anciã nos trâmites do futebol que aproveitou o momento para apelar à brandura: “Peço de verdade é que deixem o rapaz crescer tranquilamente, não lhe metam tanta pressão. Para o bem do futebol, para desfrutar muitos anos de um talento assim, é deixá-lo tranquilo, crescer à sua maneira. O que espero é que desfrutemos dele durante muitos anos. Vocês, de certa forma, podem ajudar a tirar-lhe pressão, a deixá-lo tranquilo, porque talento não lhe falta.” Cristiano sabe bastante sobre ter universos de expetativa e atenção a cercá-lo e apelou a menos fervura para o “niño”, a quem se escusou de aconselhar ali, com todos presentes menos o visado - Gosto de dar conselhos a quem os queira escutar, mas em privado, face to face.”

E não centrem o portento que é a Espanha apenas no seu adolescente prodígio. Ronaldo quis "valorizar muito a Espanha, que sempre foi das melhores seleções desde que jogo”, por ter lá o [Nico] Williams, os médios são muito bons, o Pedri, toda essa geração jovem que está a vir, o próprio treinador, muito sério, está a fazer um trabalho top e põe as pessoas com disciplina. Considerem-se avisados.

Maja Hitij - UEFA

E deixem também Roberto Martínez

Porque a Ronaldo tudo se pediu, as questões muitas, as auscultações a irem a tudo, afinal é raro apanhá-lo em conferências de imprensa e tão a jeito, bem-disposto como estava. E a Bola de Ouro? Foi com certeza a pergunta com resposta mais óbvia, pelos antecedentes recentes de desânimo de Cristiano com o galardão. “Vocês sabem e não vou mudar: creio que os prémios individuais perderam um pouco o consenso do mérito. Já não acredito muito nos prémios individuais porque sei o que se trabalhar por trás da verdade”, criticou. Mas, porque a conversa vinha de Lamine Yamal, sabe que “o rapaz tem potencial, sem dúvida”, e se “não for agora e seguir assim, ganhará em três, quatro ou cinco anos”. Tanto ele como “o Mbappé, o Dembélé ou o Vitinha”.

Pela primeira vez se ouviu Ronaldo a emparelhar na voz Bola de Ouro e um possível vencedor português que não ele. E aproveitar a ocasião pública para defender tão acerrimamente o selecionador nacional.

Portugal está na Alemanha, em Munique defrontará a Espanha na primeira final com Roberto Martínez, mas para a Alemanha viajaram também os rumores de que o treinador estaria com o seu futuro na corda-bamba de uma conquista da Liga das Nações. Não a logrando, sairia, deram conta algumas notícias. “Acho que tem havido um pouco falta de respeito nesse tema, falarmos de outras possibilidades de treinadores acho que é uma falta de noção bastante grande”, criticou o capitão. “Se um selecionador chega à final, tem feito um excelente trabalho na minha opinião. Questionar uma pessoa que tem um recorde espetacular com Portugal faz-me alguma confusão, mas entendo. Se um selecionador vai à final e é contestado, imagina os outros”, ironizou, já de cara séria, sem sorrisos.

Salientou Ronaldo o trabalho feito por Martínez, não o disse, mas ao mencionar o registo do treinador teve presente as 21 vitórias em 29 jogos, os números que muito têm sido refúgio nas declarações do espanhol. “Há sempre contestação, mas quando não houve? Mesmo quando ganhas e levantas troféus há essa questão. Faz parte do futebol, da opinião pública e dos papagaios que estão em casa e dão a sua opinião. Aquilo que tenho a dizer, e os meus companheiros pensam o mesmo, é que estamos muito felizes com o trabalho que o mister tem feito”, garantiu assim, em tom coletivo, a fazer da sua opinião uma plural e representativa. Para Cristiano, debater Roberto Martínez “não faz sentido nenhum”.

Ficou evidente a opinião que nutre pelo treinador espanhol: “Chegar com uma nacionalidade diferente, falar o nosso idioma, cantar o nosso hino e a paixão que vejo, a diário, é o que mais valorizo. Tudo o resto não importa para nada, importam os resultados, que são muito positivos.” Neste momento, claro, porque nada poucos foram em tempos os elogios para Fernando Santos e nenhuma palavra público se captou de Cristiano quando o antigo selecionador nacional saiu do posto, há dois anos e meio, após o designar como suplente nos derradeiros dois jogos que fez na seleção nacional, no Mundial do Catar.

Mas isso, também claro é, não lhe importará agora. Como nada quis, aparentemente, com a gasta e insistente e tão velha de reincidente que é trazer à baila Lionel Messi quando Cristiano Ronaldo comparece nestas ocasiões, ou vice-versa. O português ainda se alegrou quando soube da nacionalidade do jornalista, até imitou a sotaque argentino, regressaram então os sorrisos para encerrar a conferência. Também pela aposta na diferença: sempre se falou em Ronaldo contra Messi, na rivalidade, mas e Ronaldo jogar com Messi? “Sempre me tratou bem e me respeitou muito, como eu a ele. Vejo isso como muito difícil, mas nunca se sabe.”

Não era tudo, pois se com raridade começámos, com o invulgar haveríamos de terminar, por via de uma inconfidência: “Nunca se sabe, mas o tempo está aí, já tenho 40 anos, mas nunca se pode dizer de que não beberei desta água. Nunca fui à Argentina, mas quero ir, gosto muito dos argentinos. E também tenho carinho pelo Messi, é verdade que fomos rivais durante muitos anos, mas já o disse: estivemos 15 anos no mesmo cenário. Não sei se já contei isto, não sei como está hoje, mas dantes o Messi não falava inglês, então nas galas eu traduzia, dizia-lhe o que tínhamos de fazer. Sempre me tratou bem e me respeitou muito, como eu a ele.”

Foi bonito. E depois Ronaldo ficou surpreso - “já acabou?” - e com ele levou a simpatia com que está em Munique. “Ciaaao”, despediu-se, no final.