É irónico que, na antevisão ao clássico, Martín Anselmi tenha sido questionado sobre se tinha algum cavalo de Troia para usar contra o Benfica. Ninguém fez semelhante pergunta a Bruno Lage, pois este, confiando na sinceridade do técnico, teria dito que do seu lado estava um grego sem disfarces pronto para a invasão e que Pavlidis estava mais do que pronto para uma noite histórica.

Entre os rivais, as diferenças foram imensas. A certo ponto chegaram a existir vislumbres de um jogo entre equipas de categorias diferentes, como se os dragões estivessem a tentar dar murros ao vento e a cada golpe em vão sofressem um em cheio na alma. Daí que o resultado se tenha avolumado a favor do Benfica (1-4).

Os fantasmas pareciam já estar debaixo da relva quando o FC Porto a pisou. Chegaram com antecedência e, camuflados, esperaram para agir maldosamente contra os azuis e brancos assim que foram autorizados. Aí, os dragões recuperaram as memórias musculares do sofrimento vivido durante a derrota rechonchuda da primeira volta.

Não é reconhecível na entrada do Benfica qualquer sagacidade tática, apenas um estado de alerta para que, mal o apito do árbitro soasse, a reação ao silvo fosse instantânea. Na corrida contra o tempo, Pavlidis não o deixou ir mais além do que os 40 segundos. A finalização rasteira ao cruzamento pelo ar de Aktürkoğlu deixou Diogo Costa plantado.

MANUEL FERNANDO ARAUJO

Não há jogos entre parênteses. O contexto importa e influencia. O estado de espírito absorve das condições adjacentes o lado para o qual vai cair. Ainda assim, a alienação tem influência comprovada em cenários como um FC Porto-Benfica só que, nesta circunstância, não aconteceu. A equipa de Martín Anselmi foi afetada pela instabilidade de sempre desde os primeiros instantes.

É nesta altura que se apagam as mnemónicas e se joga sem teleponto, pois tudo o que podia parecer sob controlo passa a depender dos dotes de improvisação. Nunca saberemos realmente se a especulação do Benfica foi estratégia integrada no discurso de Bruno Lage no balneário ou se o golo prematuro teve influência na postura adotada.

O FC Porto entreteve-se com a bola. Francisco Moura empurrava Di María para trás, testando a fiabilidade defensiva do opositor. Nas últimas jornadas, Bruno Lage fez todos acreditarem que sobretudo Bruma poderia causar dúvidas na definição da hierarquia dos extremos. O argentino, com o estatuto que detém, afastou quaisquer dilemas que pudessem existir.

As exigências impostas pelos dragões não permitiam ao Benfica refastelar-se. Samu desgastava os centrais, mas as pernas compridas do avançado não foram tão longas como o passe de Pepê. Escapou uma oportunidade autoinfligida por Florentino que perdeu a bola para Fábio Vieira.

Atrás, as águias iam-se revezando nas tarefas de vigia, com o sacrifício (muitas vezes mais do que a organização) a dar conta da situação. Para frustração de João Mário, Álvaro Carreras ia anulava-o com impetuosidade. Depois, geralmente, entrava em ação Aktürkoğlu, expondo debilidades merecedoras de uma ligação ao 112 para que alguém fosse ajudar os azuis e brancos a transitarem defensivamente.

O turco foi veloz, imaginativo, bom definidor no último terço. Assim pedia a acutilância dos ataques, num dos quais acertou no poste. Pavlidis não tinha razões de queixa para a excentricidade de vezes que foi servido. O ponta de lança que tantas vezes baixa, toca, desmarca-se, no clássico, quase que só precisou de ficar na grande área com um chapéu de palha e palito no dente a usufruir do solipsismo.

FERNANDO VELUDO

Pavlidis sentia-se inexpugnável, num daqueles dias em que é indiferente a oposição que se tem porque ela não se trata mais do que uma testemunha, um escrivão dos feitos que se produzem em massa nos dias bons e fazem falta para levantar o ânimo nos dias maus. Nehuén Pérez deslizou, o grego deixou-o acomodar-se no chão antes de voltar a marcar quando, nos instantes precedentes, tinha acertado no poste.

Di María deglutia o ambiente. Começou a trocar palavras com o banco do FC Porto. A dado momento, procedeu à rotineira tentativa de festejar o sucesso de um canto direto. Não conseguiu. Nem nessa circunstância, nem noutra em que Carreras cruzou atrasado para o surgimento do sul-americano no bico da área.

O nome da noite era outro e Di María foi altruísta com Pavlidis colocando-lhe a bola na moleira. O ex-AZ Alkmaar chegou ao 24.º da temporada e tornou-se no primeiro jogador do Benfica a fazer um hat-trick no Dragão. Nada mau para alguém a quem era apontada falta de apetência para finalizar.

A história apareceu num dos lances que o Benfica mais elaborou no encontro já com Dahl à direita. O FC Porto, que sofreu ligeiramente menos com as transições dos encarnados na reta final, explorou o lado recém-vigiado pelo sueco e reduziu através de Samu.

Como se não bastasse ter sofrido com a lei de Murphy e com a lei do mais forte, o FC Porto sofreu também com a lei do ex. Num livre lateral, Kökçü explorou a zona do segundo poste onde apareceu Otamendi a repor o sentimento de goleada no marcador.

Repetindo o resultado da primeira volta, o Benfica ultrapassa o Sporting e é líder à condição do campeonato. Ainda nesta jornada, os leões recebem o SC Braga num encontro no qual nunca se podem dar os três pontos como garantidos. Mais do que isso, a equipa de Bruno Lage sai do Dragão com a confiança nos píncaros.