
A proximidade entre Gianni Infantino e Donald Trump não é assunto novo. Vem desde os tempos do primeiro mandato do atual presidente dos Estados Unidos, quando o país preparava a candidatura ao Mundial de 2026, em conjunto com Canadá e México, as duas primeiras nações a receberem tratamento hostil depois do regresso de Trump à Casa Branca.
Mas a amizade teve mais momentos ostensivamente públicos nos últimos meses.
Recuemos ao sorteio do Mundial de clubes, em dezembro. Donald Trump ainda nem sequer havia tomado posse para o seu segundo mandato, mas foi ele o grande protagonista do início da cerimónia, com uma mensagem pré-gravada balbuciando algumas frases medianamente compreensíveis. “Só quero dizer que vocês são liderados por um homem chamado Gianni, eu conheço-o só por Gianni e ele é um vencedor e é o presidente e eu sou o presidente”, foi uma delas, além de considerações bastante singulares sobre as qualidade (ou falta delas) do seu filho Barron com uma bola nos pés.
Infantino devolveu o favor ao estar presente, e com lugar de destaque, na tomada de posse de Trump, em janeiro, partilhando fotos nas redes sociais, feliz de gravata vermelha, e sorrindo a cada declaração desvairada do chefe de estado norte-americano. E antigas são as histórias do deslumbramento de Infantino a cada convite de Trump para estar presente na Casa Branca, mesmo quando lembrado que o convite era feito ao presidente da FIFA e não ao indivíduo Gianni Infantino.
O chamado bromance entre Infantino e Donald Trump teve novo capítulo nos últimos dias. Episódio que, desta vez, interferiu com a vida e agenda da FIFA. Com o Congresso da FIFA, reunião anual do organismo com os mais de duzentos membros convidados, marcado para quinta-feira, em Assunção, capital do Paraguai, o líder da FIFA decidiu, ainda assim, fazer parte da comitiva de Donald Trump na viagem de quatro dias à Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos, que começou na 2.ª feira.
A decisão de Infantino levou a que, desde logo, a reunião do Conselho da FIFA, marcada para a última terça-feira, já em Assunção, fosse adiantada para sexta-feira, dia 9, e por videochamada, expediente cada vez mais comum na FIFA, onde até as escolhas dos anfitriões dos Mundiais já são feitas remotamente - e com palmas. Infantino faltou também ao jantar de estado oferecido pelo Paraguai aos oficiais da FIFA, na quarta-feira. Mas as consequências do rendezvous do ítalo-suíço com Trump pelo Médio Oriente não ficaram por aí.
Na quinta-feira, os trabalhos no Congresso da FIFA tinham início marcado às 9h30 locais, mas a essa hora ainda o avião privado que transportava Infantino cruzava os céus, bem longe da América do Sul, enquanto todos o esperavam no local da reunião. De acordo com o relato de Adam Crafton, jornalista do The Athletic presente no congresso, os membros das federações e delegados receberam um email da FIFA informando que, devido a “circunstâncias imprevistas”, o congresso só se iniciaria pelas 12h30. Toda a agenda, inclusive o discurso do presidente do Paraguai, Santiago Peña, sofreu, assim, um atraso de três horas. E nem toda a gente gostou.
As desculpas e o êxodo da UEFA
Chegado ao congresso, Gianni Infantino desculpou-se com problemas no voo, mas sempre frisando a importância de estar presente onde os destinos do mundo se decidem. “Como presidente da FIFA, a minha responsabilidade é tomar decisões com os melhores interesses da organização em mente. O Mundial de Clubes de 2025 e o Mundial de 2026 serão nos Estados Unidos, Canadá e México. Houve algumas discussões importantes sobre estes temas e senti que tinha de estar lá a representar o futebol e todos vocês”, afirmou, lembrando ainda que a Arábia Saudita será o anfitrião do Mundial de 2034 e que o Catar organizou o Campeonato do Mundo de 2022, o mesmo manchado por questões de direitos humanos e em que a FIFA pediu às federações que se abstivessem de manifestações de carácter político.
As justificações não colheram junto da UEFA. Há muito que é conhecida a relação tensa entre Gianni Infantino e Aleksander Čeferin, líder da confederação europeia, e o esloveno marcou a sua posição, tal como vários outros delegados europeus, abandonando a sessão antes do final dos trabalhos, acusando o presidente da FIFA de perseguir interesses próprios.
Numa breve (mas dura) declaração, a UEFA apelidou de “lamentáveis” as alterações de agenda de última hora no congresso. “Ter os horários alterados à última hora para acomodar o que parecem ser apenas interesses políticos privados não faz nenhum serviço ao futebol e parece colocar o seu interesse em segundo lugar”, pode ler-se no comunicado, em que a UEFA sublinha ainda que os delegados que deixaram a reunião a meio fizeram-no à hora inicialmente marcada para o fim dos trabalhos, como maneira de “mostrar o seu ponto.”
“O Congresso da FIFA é uma das reuniões mais importantes do futebol, em que as 211 nações que são membros se juntam para discutir os assuntos que afetam o desporto. Os anfitriões, a federação do Paraguai e a CONMEBOL, esforçaram-se muito para acomodar todos estes delegados e queremos agradecer-lhes a hospitalidade”, lembrou ainda a UEFA.
Tariq Panja, jornalista do “New York Times” presente em Assunção, usou a rede social Bluesky para referir ainda que, mais uma vez, Gianni Infantino se escusou a comparecer em conferência de imprensa perante dos jornalistas, tal como já tinha acontecido há um ano no Congresso da FIFA em Banguecoque, rasgando uma tradição que sempre se manteve até “nos piores momentos” da presidência do seu antecessor, Sepp Blatter.