
Um passeio pelas ruas de Paris pode transportar-nos para a imponência da Torre Eieffel ou para a beleza dos Campos Elísios, símbolos máximos da cultura francesa... mas também para sinais da portugalidade vigente em solo gaulês assinados por um cubo vermelho. Por toda a cidade, figuras lusas das mais variadas áreas como Éder, Pedro Teixeira da Mota ou Amália Rodrigues estão eternizadas na Cidade Luz.
O responsável? O luso-descendente Bryan, conhecido no mundo artístico como Glaçon, que voltou à luz da ribalta mundo do futebol na última semana por ter pintado um mural com João Neves como protagonista maior. Apesar de ter nascido em solo gaulês, frisa que se sente português: «Não me considero francês, nascer num país não define ninguém. A minha família é de Viana do Castelo, sou minhoto.»
O artista de 29 anos explica que tem «uma perna francesa e outra portuguesa», mas quando precisa de marcar um penálti na vida, dentro e fora de campo, utiliza sempre a lusa. Ainda assim, a vida de emigrante obrigou-o a esconder o amor a Portugal fora das quatro paredes de casa: «Somos de uma família média, quando saía de casa o meu pai recusava-se a falar português em público, não se podia mostrar a portugalidade, dizia “os outros não precisam de saber”».
A proteção parental ditou que Bryan só podia ser português durante parcas horas de cada dia, ao mesmo tempo que alimentou um sentimento de apresentar aos quatros cantos do mundo os símbolos máximos da portugalidade.
«O feedback é muito bom, tenho a sorte de ter muito apoio, não há nada de vulgar, provocação nem nunca tive problemas com isto, não pintei só portugueses» reforça, explicando que é autor de diversas peças pagas que não publica nas redes sociais. Em contrapartida, figuras tão diferentes mas igualmente marcantes como Egas Moniz, Aristides de Sousa Mendes, Pauleta ou iIuri Leitão são exemplos de obras de arte consagradas na maior tela do mundo: a rua.
Glaçon realça que escolhe as telas a dedo, de acordo com a história da figura que retrata: «Pintei o Luis de Camões na Avenida de Camões, a Amália à frente do panteão e o Éder ao pé do Stade de France. Há sempre algo que condiga para arranjar a parede certa.»
Coração grafitado bate mais alto de vermelho e branco
Durante a adolescência, Bryan recorda que apenas foi dono de uma camisola do clube do coração, o Benfica. O equipamento adornado pelo n.º17, pertencente na altura a Kikin Fonseca, era o espelho de um amor de berço: « A minha relação com o Benfica é especial, nasce-se com pais, irmão e um clube. Cresci a ouvir os jogos na rádio e a ler no dia seguinte A BOLA.»
Embalado pelo desejo de gritar ao mundo a portugalidade que lhe corre nas veias, Bryan rumou a terras lusas aos 18 anos e o destino só podia ser um: «Fui para Lisboa trabalhar como guia turístico no Estádio da Luz. Dormi no sotão da minha tia, foi a parte mais bonita da minha carreira. Sempre quis dedicar-me ao Benfica.»
Mais de dez anos depois, Glaçon é um artista respeitado em terras lusas e gaulesas, colabora com várias galerias e clientes privados, mas não abdica da rua. A última criação, feita em terreno amigo, foi curiosamente uma das poucas que por pouco não acabou na esquadra da polícia: « O João Neves fica numa rua onde há uma loja de camisolas, eu conheço o dono que disse “vamos-te deixar pintar”. Quando já se via o João e a Taça, chegaram quatro polícias e no início comecei a sorrir.»
A felicidade inicial por finalmente estar a pintar de forma legal, foi rapidamente substituído pelo receio justificado pelas perguntas constantes dos agentes da autoridade. Bryan contou com a colaboração da loja para demonstrar que a obra era legal, mas antecipou uma justificação para o sucedido: «Alguém ligou a denunciar.»
Resolvido o incidente, Bryan continuou a transpirar arte e finalizou uma obra de arte que quebrou as fronteiras, viralizou em Portugal e chegou ao próprio João Neves: «Vou oferecer-lhe um quadro, não sei quando porque está em Munique agora.»
Apesar dos muitos elogios, a pintura de João Neves valeu-lhe algumas acusações de clubismo que Glaçon rejeita. Até porque tem dois portistas na manga para as próximas obras de arte: o humorista Diogo Batáguas e Vitinha. O luso-descendente encontrou nas ruas de Paris o emprego perfeito e a forma de honrar as raízes de quem tanto se orgulha.