É um pedido de suspensão, que também é um alerta para uma reflexão. Numa carta enviada à Liga Portugal, assinada por Rui Costa, o Benfica contesta o atual processo de centralização dos direitos audiovisuais para as ligas profissionais portuguesas, acentuando o corte com os trabalhos da Liga Centralização, já assumido depois da derrota na Taça de Portugal com o Sporting.

Na missiva, dirigida ao presidente da liga, Reinaldo Teixeira, Rui Costa sublinha que “o atual processo de centralização está atrasado, em risco de falhar os objetivos e já desatualizado face ao contexto internacional”. Os 300 milhões de euros de montante global dos direitos apontados pela instituição é, na opinião dos encarnados, fantasioso, carecendo “de fundamentação credível à luz da realidade atual do mercado nacional e do próprio mercado internacional” - o Benfica acredita que o valor da centralização não irá atingir “sequer os 150-200 milhões de euros”, o que representaria uma “perda de receita irreparável para todos os clubes portugueses”, sejam eles “grandes, médios e pequenos”.

Esta “reflexão profunda e abrangente” que é pedida pelos encarnados com vista à “definição de um novo modelo de direitos televisivos a adotar no futuro” chega quando falta menos de um ano para o prazo de entrega do modelo de distribuição consensualizado por clubes, Liga e Federação Portuguesa de Portugal (FPF) à Autoridade da Concorrência, para entrar em vigor em 2028/29, de acordo com o decreto-leito aprovado em 2021. Ou seja, o tempo urge.

A tomada de posição do Benfica, que garante que será “sempre solidário com a missão coletiva” do futebol português, mas “realista relativamente ao seu valor no mercado”, foi compreendida por uns, apoiada com reticências por outros e rejeitada por mais alguns.

Em comunicado, a Liga Portugal disse registar “as preocupações manifestadas” sobre a centralização dos direitos audiovisuais, lembrando que se trata de um processo que “representa uma transformação estrutural determinante para o futuro do futebol profissional em Portugal.” Lembra ainda que “muitas dessas preocupações” formalizadas pelo Benfica “são partilhadas pela atual Direção Executiva”, que tomou posse em abril e que, desde aí, tentou acelerar o processo, com reuniões com operadores televisivos “nacionais e internacionais”, incluindo plataformas de streaming.

A Liga Portugal frisa ainda que foram também já “promovidas reuniões com o Governo, Autoridade da Concorrência e todas as forças de autoridade, com o objetivo de combater a pirataria” - outra das preocupações apontadas pelo Benfica - “e sensibilizar os adeptos para que usufruam do espetáculo, evitando comportamentos que possam prejudicar os seus clubes”. A entidade assegura ainda que já foram estabelecidos contactos no sentido de “promover o futebol nacional a nível internacional”, nomeadamente no “espaço lusófono” e que todo o trabalho “tem sido realizado com o envolvimento crescente das sociedades desportivas.

“O objetivo é claro: cumprir - e, se possível, antecipar - os prazos definidos pelo Governo no Decreto-Lei n.º 22-B/2021”, pode ler-se ainda na comunicação da Liga, que reforça enfaticamente a ideia de que “a centralização dos direitos audiovisuais é para avançar”.

JOSÉ COELHO

Da parte do Governo, o secretário de Estado do Desporto, Pedro Dias, disse esperar um entendimento entre as partes até ao fim dos prazos definidos, deixando um aviso: “Esperamos que não seja necessária nenhuma intervenção do Governo.”

Durante a apresentação da missão portuguesa para os Jogos Mundiais Universitários Rhine-Ruhr 2025, em Lisboa, o responsável sublinhou que este é “um assunto muito importante para o desporto português”, fazendo votos para que “até 30 de junho de 2026” tudo esteja resolvido dentro das esferas de responsabilidade que têm essa competência”, portanto, clubes FPF e Liga.

“São entidades com responsabilidade e, seguramente, encontrarão a melhor solução até ao limite do prazo dado pelo decreto-lei que regulamenta esta situação, até 30 de junho de 2026”, apontou.

Candidatos divergem

Numa altura já de acessa corrida eleitoral no Benfica, com, para já, quatro candidatos oficiais para o sufrágio de outubro, a esfera benfiquista divide-se entre os que concordam com Rui Costa, os que criticam o timing e os que acreditam que o Benfica deve liderar este processo essencial para a competitividade futura do futebol português.

João Diogo Manteigas é o único dos candidatos a aprovar em forma e conteúdo a atitude de Rui Costa, sublinhando em comunicado que “tem vindo a defender desde o primeiro momento da sua apresentação oficial a suspensão e até a revogação do atual decreto-lei sobre a centralização dos direitos audiovisuais”.

Já João Noronha Lopes acredita que a decisão de Rui Costa chega com anos de atraso: “A posição (...) é, antes de mais, tardia. Nisso, é consistente com a postura que tem caracterizado a atual liderança do clube, cuja inação tem repetidamente negado ao Benfica o papel liderante que tem de assumir no futebol português.” O candidato sublinha ainda que “a centralização dos direitos televisivos é, desde a sua origem, um projeto potencialmente lesivo para os interesses do Benfica e, consequentemente, para os interesses do futebol português”.

Outra postura têm Cristóvão Carvalho e Martim Mayer, que apresentou na quarta-feira a sua candidatura. Para o primeiro, “o Benfica tem de liderar a centralização dos direitos televisivos”, lembrando que “sem a força incomparável das suas audiências, esse modelo perde valor”. Ficar de fora “não é opção”, defende o candidato, que acredita que o clube “tem de colocar-se na dianteira do processo, ditar o ritmo e garantir que receberá aquilo que representa a sua grandeza”.

Já Martim Mayer recorda que os clubes de menor dimensão devem alocar as verbas decorrentes da centralização em “infraestruturas que não têm ou precisam de ser melhoradas”, problema que o Benfica não tem. “Ou seja, em complemento com o valor que irá receber dos direitos televisivos, irá receber a verba para investimento, mas dispor dela como bem entender. Isso assegura um montante igual ou superior ao contrato atualmente em vigor. Devemos liderar esse processo e darmos o nosso contributo para promover o futebol nacional”.

E os outros clubes

Críticas da postura encarnada chegaram também do presidente da SAD do Famalicão, Miguel Ribeiro, que lembrou que o atual fosso entre os três grandes e os restantes clubes da I Liga tem sido prejudicial para o desenvolvimento do futebol português, com efeitos no ranking do país na UEFA.

“Esse declínio no nosso ranking decorre muito da diferença que existe entre os três grandes e os outros. Se o Famalicão tiver mais quatro ou cinco milhões de euros de televisão, duplica a sua receita. Se o Benfica perder esse valor, talvez não contrate o jogador A ou B para a sua equipa B”, atirou, à margem da entrega da Medalha de Mérito Municipal Desportivo da Câmara de Famalicão.

O dirigente diz que Pedro Proença, presidente da FPF, e Reinaldo Teixeira “têm que assumir a responsabilidade” de fazer o processo andar para a frente. “Foram eleitos para liderar o futebol português. O modelo tem de estar pronto em junho de 2026, e isso é já amanhã”, frisou, pedindo equidade no processo.

“Estamos em julho de 2025 a discutir comunicados de clubes, quando o tema é coletivo. Precisamos de equidade, não igualdade, e uma distribuição proporcional de receitas”, rematou.