
Aos 71 anos, Henrique Calisto volta a concorrer a um cargo que já ocupou, ele que foi um dos fundadores da Associação Nacional de Treinadores (ANTF). Assume que não haverá rutura com a direção anterior, mas recusa falar em continuidade. Eleições marcadas para 31 de maio.
- Foi fundador e primeiro presidente da ANTF. O que o faz voltar a candidatar-se?
- Porque sinto que tenho capacidade de coordenação, tenho um passado, um presente, um futuro e consegui juntar à minha volta uma equipa de profissionais de futebol que representam um leque diversificado dos agentes treinadores nas várias vertentes: futebol feminino, futsal, e o futebol de praia, que terá um representante na direção pela primeira vez.
- Como vê a realidade atual do treinador português?
- É uma situação ótima! Nós somos dos melhores treinadores do mundo. E isso responsabiliza-nos, porque temos a capacidade de fazer grandes equipas, de transformar a organização dos clubes para onde vamos, de criar jogadores… E também nos desafia, porque a evolução do mundo atual é constante, muito célere e no futebol isso também acontece.
- A sua lista integra vários elementos de direções anteriores. É uma candidatura de continuidade?
- Não. Mas também não é uma candidatura de rutura. Simplesmente, dirigentes diferentes têm procedimentos e soluções diferenciadas. E essas soluções surgem por termos uma direção em que substituirmos 63% dos treinadores. Portanto, queremos a mudança, mas uma mudança tranquila, mantendo alguns treinadores na direção anterior porque o passado é que suporta o presente e o presente é que vai construir o futuro. Nós queremos construir pontes e não muros.
- Em termos concretos, quais as medidas que destaca?
- Na organização interna, a revisão estatutária. Queremos rever a duração de um mandato, o limite dos mandatos, e o método eletivo, permitindo que a eleição seja descentralizada. Isto é fundamental e asseguro que esta alteração estatutária se fará no primeiro ano do mandato. Vamos também criar um Conselho Técnico com experts em cada assunto que queremos debater: futebol de praia, futebol feminino, quadros competitivos...
- E no que diz respeito à formação de treinadores?
- Primeiro, temos de aumentar a oferta educativa na atribuição do Grau 3 e do Grau 4. Neste momento há 15 mil treinadores creditados e em funções. 15 mil! E as vagas são cada vez menos, porque só é exigido o quarto nível para treinar na Liga. Mas há que contemplar as aspirações de qualquer treinador que tem o sonho de chegar ao topo.
- Como se aumentam essas vagas?
- No 3.º nível já se deram passos importantes, porque só depende da FPF. Até este ano, só havia um curso por ano. Este ano há três, para o ano há cinco, nós queremos que haja ainda mais cursos. Por exemplo, tal como acontece com os cursos de 1.º e 2.º nível, que são descentralizados e dados pelas associações, pretendemos que também o de 3.º nível possa ser ministrado pelas associações. O UEFA Pro é uma coisa totalmente diferente.
- Tem imposições da UEFA…
- Claro. Há uma convenção assinada pelos 55 países da UEFA que determina que o UEFA Pro só é dado de dois em dois anos. Alguns treinadores vão à Escócia, mas lá é exatamente igual, só que não tanta procura como cá. Eu não sou um vendedor de promessas. Em 2021, houve três cursos UEFA Pro no mesmo ano, mas com autorização do UEFA. Há que pedir para que se faça pelo menos um e, se possível, dois cursos UEFA Pro por ano.
- Mas também há barreiras que não estão relacionadas com a UEFA.
- Sim. E queremos mudar isso. Por exemplo, o IPDJ obriga, a um período de latência de dois anos, entre o III e o IV níveis. Dois anos a treinar. E isso é um erro porque a UEFA exige só um. Isto é autofágico. Nós estamos a matar-nos a nós próprios. A exigência do IPDJ suplanta a exigência da UEFA, que já é muita.
- E é fácil fazer essa negociação?
- Nós temos de exigir! Não temos de negociar. Essa é a minha promessa. Eu vou exigir! Vou lutar intransigentemente para que esse requisito seja alterado. Eu sei que é difícil. Porque não é junto da Federação nem da Liga. É com o governo.
- Entende a posição da ANTF de denuncia, por exemplo, de Ruben Amorim e João Pereira, quando assumiram o Sporting?
- Na legislação em vigor, a quem compete isso é, por exemplo, a ASAE, que tem de fiscalizar se há cumprimento do regulamento das competições. Nós somos defensores da lei e ela exige que os treinadores tenham o IV nível para serem treinadores principais da Liga. O problema pode ser resolvido a montante, quando a oferta for suficiente.
- A posição da direção atual vai manter-se, por agora, portanto?
- Há uma regulamentação para ser treinador de futebol. Não há regulamentação para ser pedreiro ou mecânico, mas há para ser treinador, enfermeiro, médico. Porquê? Porque são profissões cujo exercício pode interferir com a saúde e a qualidade de vida das pessoas.
- Neste caso estamos a falar dois treinadores que foram jogadores internacionais...
- Então, perante a infração à lei, devemos ficar mudos? O que eu lhe digo é que quem é obrigado a fazer cumprir os regulamentos não é a ANTF. É a ASAE ou o organizador da prova. A ANTF denunciou os casos. O que nós defendemos é que os órgãos que têm a tutela para isso desencadeiem os processos.
- Então em casos semelhantes, a ANTF vai manter a posição que tem tido a atual direção?
- Vamos defender o cumprimento da lei. E cumprir a lei é fazer com que quem de direito cumpra a sua obrigação. E não a ANTF. Nós não queremos ser o mau da fita quando não nos compete regular a atividade dos treinadores. Eu não concordo que um treinador exerça funções sem as habilitações necessárias. Mas quanto à forma de cumprir a lei, tenho uma visão diferente do que tem sido feito: deve ser quem de direito a fazer cumprir o regulamento. Sabe o que defende a outra lista?
- Defende que se legalize aquilo que acontece na prática neste momento...
- A resolução defendida é que haja um elemento da equipa técnica com o IV nível. O João Pereira e o Sporting foram agora multados em 15 mil euros. Nós queremos resolver o problema a montante. Porque isso só acontece porque há dificuldade em aceder aos cursos de nível III e IV. Essa é a maneira forma lógica e legar de resolver. A forma mentirosa e não séria de o resolver é ludibriar a lei. E isso é impossível. Era a inversão total da formação. Era a mesma coisa que eu ir a conduzir um carro sem carta, porque conduzo bem. Há muitos treinadores sem o nível IV que são excelentes. O problema é o cumprimento da lei. Isso não é uma atitude séria. Seríamos a chacota de todo o mundo. É uma chico-espertice.
- Que outras medidas propõe?
- Uma bolsa para treinadores do primeiro e segundo nível poderem ir com estágios curtos, de cinco dias, junto dos treinadores da Liga e da Liga II. Para verem outra realidade. Eles vêm do seu primeiro nível e do segundo nível de formação. Depois haverá que criar critérios para que eles possam candidatar-se a essas bolsas.