Há um ano e meio, o PSG apresentava a versão mais videojogo do projeto PSG by Catar. Como um miúdo que tem orçamento ilimitado para construir uma equipa virtual recheada de grandes nomes, os parisienses tinham o plantel mais recheado de estrelas do planeta.

Havia um trio ofensivo com Mbappé, Neymar e Messi, três dos quatro futebolistas mais famosos do mundo juntos na mesma equipa. Havia Sergio Ramos, possivelmente o defesa mais galáctico da última década, havia Keylor Navas ou Verratti.

Mas o que sobrava em fama escasseava em coerência de jogo. Aquele Paris Saint-Germain era um coletivo incapaz de atuar como um coletivo, inadaptado a praticar um futebol agressivo e de pressão, uma entidade que procurava vencer apenas com base no peso do estrelato.

Um ano e meio passado, o PSG mudou radicalmente. Aquele plantel tinha oito jogadores acima dos 30 anos (Keylor Navas, Ramos, Danilo Pereira, Bernat, Verratti, Sarabia, Messi e Neymar), mas o atual elenco destaca-se pelo oposto. Juventude, ambição, agressividade, um sentido de grupo bem distante da filosofia de juntar os mais sonantes nomes do mercado, em linha com um projeto que principiou ao contratar Zlatan Ibrahimovic e que, também no seu início, serviu de palco para a retirada de David Beckham.

Adeus PSG das estrelas de 2022/23, olá PSG da coerência, da velocidade, dos padrões de jogo, da juventude: entre os 15 futebolistas com mais minutos nesta temporada, apenas cinco têm mais de 25 anos. E, desse quintento, somente Marquinhos tem mais de 28 voltas ao sol.

Vitinha e João Neves têm estado em destaque no meio-campo dos parisienses
Vitinha e João Neves têm estado em destaque no meio-campo dos parisienses Xavier Laine

O resultado desta alteração é um emblema parisiense que entra em março, na fase decisiva da campanha, com mais esperança do que nunca. Esperança de futuro, não uma vida baseada nas glórias do passado que se conseguiram noutro lado qualquer.

O Paris Saint-Germain de Luis Enrique é, possivelmente, a equipa mais em forma do continente. Vai em 22 encontros sem perder, tendo vencido 15 dos derradeiros 16 duelos e 18 dos últimos 20 confrontos.

"Aprendemos com os nossos erros", assume Nasser Al-Khelaïfi, oinfluente líder do clube, em entrevista ao "Bild". "Temos jogadores para vencer a Liga dos Campeões este ano, no próximo ou daqui a oito. Temos a base para construir uma grande equipa para o futuro", confia Al-Khelaïfi.

A máquina goleadora

Que o PSG esteja a dominar a temporada em França não é propriamente novidade. Vencedor de 10 das últimas 12 edições da Ligue 1 e de sete das derradeiras 10 Taças de França, os parisienses estão em condições de voltar a impor-se à concorrência interna. Lideram o campeonato com 16 pontos de vantagem para o Marselha — que tem menos um encontro realizado — e o Nice, já triunfaram na Supertaça e estão nas meias-finais da Taça, onde defrontarão o surpreendente Dunquerque de Luís Castro, tomba-gigantes na prova a eliminar e improvável candidato à subida de divisão.

A novidade é a forma. A equipa ataca com leveza, cheia de combinações e velocidade, com jovens como Désire Doué (19 anos), Barcola (22), João Neves (20), Nuno Mendes (22) ou Warren Zaïre-Emery (18) em evidência. Nos últimos três meses, e considerando apenas confrontos perante equipas que atuam ou atuaram na presente edição da Liga dos Campeões, houve um 3-0 ao Red Bull Salzburg ou um 4-1 ao Estugarda, um 4-1 e um 4-2 ao Mónaco, um 4-1 ao Lille e um 7-0 ao Brest.

Nuno Mendes corre para a época mais regular em Paris
Nuno Mendes corre para a época mais regular em Paris Franco Arland

Mas não foi nenhum desses o confronto mais emblemático da época. Esse deu-se no dérbi Catar-Abu Dhabi, o jogo contra o Manchester City.

O PSG não começou bem a Liga dos Campeões. À quinta jornada da fase de liga, os franceses somavam apenas 4 pontos, indo altamente pressionados para os derradeiros confrontos do novo momento do torneio. Um triunfo em Salzburgo melhorou o panorama, mas continuava a ser proibido perder na receção à equipa de Guardiola.

Pois bem, aos 53' desse PSG-City, os parisienses perdiam por 2-0. A possibilidade de eliminação precoce era bem real. Mas eis que apareceu toda a vertigem, voragem e qualidade do novo PSG.

Em 40 minutos de velocidade, agressividade e energia, quem sabe até no melhor período europeu dos 15 anos de era Catar em Paris, o PSG deu a volta para 4-2. Simbolicamente, pode ter estado ali um virar de página, uma equipa que recentemente dominava o continente em fim de ciclo, outra que sofria para ser uma equipa a abrir uma fase nova.

"A nova estrela do PSG é a equipa", diz Al-Khelaïfi, que se mostra "orgulhoso" pela maneira como foi possível "transformar a filosofia do clube em tão pouco tempo". Continua a gastar-se muito dinheiro — só nos últimos meses chegaram Khvicha Kvaratskhelia por €70 milhões, João Neves por €52 milhões, Doué por €50 milhões, Pacho por €40 milhões —, este clube continua a ser uma extensão da política externa do Catar, soft power dentro do relvado, mas há a procura por criar uma máquina coerente, que funcione, não uma experiência de acumulação de talento.

Os portugueses

A consistência coletiva está a potenciar o brilho individual. Ousmane Dembélé está, aos 26 anos, a realizar a melhor campanha da sua carreira, um atacante multiplicado, finalmente a desbloquear a sua relação com a baliza. Leva 26 golos, mais do que nas últimas três temporadas juntas, quando apenas apontou seis, oito e dois.

Após uma ausência de três meses por lesão, Ramos leva 12 golos desde dezembro
Após uma ausência de três meses por lesão, Ramos leva 12 golos desde dezembro Aurelien Meunier

Na equipa da moda na Europa, há muito destaque português. Começando pela defesa, Nuno Mendes vai a caminho da temporada de maior regularidade em França. Leva 26 jogos a titular, a apenas três do máximo que realizou em Paris. Após uma época marcada pelas lesões, em que apenas somou 14 desafios, vai já em 29 presenças. Com três golos marcados, já atingiu o melhor registo da carreira, estando, com quatro assistências, a três do máximo que já contabilizou numa campanha.

No meio-campo, há uma dupla que merece, regularmente, elogios de Luis Enrique. Vitinha é o quarto homem com mais minutos na temporada, João Neves é o sexto.

Na época de estreia no clube, o ex-Benfica é o rei das assistências da Ligue 1, com oito. No total de 2024/25, contabiliza 34 partidas, quatro golos e nove passes para golo. O ex-FC Porto, plenamente consolidado em Paris, contabiliza 35 embates e seis golos.

Com menos regularidade no onze, mas com impressionante aproveitamento das oportunidades, surge Gonçalo Ramos. O algarvio esteve lesionado durante mais de três meses, entre agosto e o final de novembro, mas voltou em grande. Muito capaz de contribuir sempre que é chamado, leva 12 golos em 989 minutos em 2024/25, a apenas dois festejos do registo de 2023/24, quando realizou 1877 minutos.

"A equipa está a divertir-se", comenta Luis Enrique. O grande teste para o novo PSG, a renovada entidade que persegue o velho sonho do Catar, surgirá nos oitavos de final da Liga dos Campeões, diante de um Liverpool que caminha para o triunfo na Premier League. A primeira mão é já a 5 de março (20h00, DAZN 1). "Vamos jogar contra a melhor equipa da Europa, mas para mim é 50/50, não temos medo", assegura o treinador espanhol.