Os vírus respiratórios, como o da gripe ou SARS-CoV-2, podem ativar células cancerígenas da mama adormecidas que se espalharam para os pulmões, segundo um estudo em ratos, sobre a relação entre doenças infecciosas e metástases.

Os detalhes foram publicados na revista científica Nature, num artigo liderado por cientistas dos Estados Unidos da América (EUA), do Reino Unido e dos Países Baixos, que também recolheram dados em humanos para corroborar as conclusões.

"As nossas descobertas indicam que as pessoas com um historial de cancro podem precaver-se contra os vírus respiratórios, como vacinar-se sempre que possível", salientou codiretor do estudo Julio Aguirre-Ghiso.

O cancro da mama é o cancro mais diagnosticado em mulheres. Após uma remissão inicial, as células cancerígenas podem permanecer adormecidas durante anos antes que a metástase (nos pulmões ou noutros órgãos) provoque uma reincidência.

Segundo uma nota da revista, as infeções respiratórias virais, como o SARS-CoV-2 (que provoca a covid-19), estão associadas a inflamação, que pode desencadear processos que podem influenciar a metástase.

O aumento das taxas de mortalidade por cancro nos primeiros dois anos da pandemia, reportado em alguns estudos, levou o investigador James DeGregori e a sua equipa do Centro de Cancro da Universidade do Colorado, nos EUA, a estudar os efeitos das infeções pelo vírus da gripe e pelo SARS-CoV-2 em ratos.

Para isso, os cientistas expuseram os ratos aos vírus. Em ambos os casos, as infeções respiratórias desencadearam o despertar de células cancerígenas adormecidas disseminadas nos pulmões, levando a uma expansão maciça de células metastáticas em poucos dias após a infeção e ao aparecimento de lesões metastáticas em duas semanas.

"As células cancerígenas inativas são como as brasas deixadas numa fogueira abandonada, e os vírus respiratórios são como um vento forte a reacender as chamas", resumiu DeGregori, num comunicado do Campus Médico Anschutz da Universidade do Colorado.

As análises moleculares revelaram que o despertar de células cancerígenas disseminadas e adormecidas é impulsionado pela interleucina-6 (IL-6), uma proteína libertada pelas células imunitárias em resposta a infeções ou lesões.

"A identificação da IL-6 como um mediador-chave no despertar destas células do seu estado dormente sugere que o uso de inibidores da IL-6 ou outras imunoterapias dirigidas poderá prevenir ou reduzir o ressurgimento de metástases após uma infeção viral", indicou Julio Aguirre-Ghiso.

Depois de estas descobertas, a equipa analisou duas grandes bases de dados e encontrou suporte para a sua hipótese de que as infeções respiratórias em doentes com cancro em remissão estão ligadas à metástase do cancro.

Analisaram dados do UK Biobank (4.837 participantes, todos os tipos de cancro) e do Flatiron Health, dos EUA (quase 37.000 doentes com cancro da mama).

A equipa observou uma associação entre a infeção por SARS-CoV-2 e o risco de morte no grupo do UK Biobank.

Os doentes que testaram positivo ao SARS-CoV-2, em comparação com aqueles que não, apresentaram um aumento de duas vezes nas mortes relacionadas com o cancro.

Já no grupo Flatiron Health a infeção por SARS-CoV-2 foi associada a um risco mais de 40% superior de doença metastática pulmonar.

No global, os resultados revelam como as infeções por vírus respiratórios podem aumentar o risco de reincidência do cancro e realçam a necessidade de estratégias para lidar com o aumento do risco de progressão metastática associado aos mesmos, concluem os autores.