Esta visita oficial do Presidente cessante dos Estados Unidos, entre segunda e quarta-feira, a Angola “representa um corte dramático com a história”, sublinha Alex Vines, diretor do Programa África da Chatham House, instituto de análise britânico em Londres.

A administração dos Estados Unidos, sob a liderança de Joe Biden, “tem tentado aumentar o seu envolvimento em África desde 2021, através de uma recriação de ativos, do aumento das visitas oficiais” — ainda que o próprio Biden não se tenha deslocado ao continente desde que ocupou a Casa Branca – “e de algumas novas iniciativas, como o Corredor do Lobito, em Angola, no âmbito da Parceria do G7 para as Infraestruturas e o Investimento Globais (PGII), concebida para competir com a China”, acrescentou.

Ainda no contexto desta aproximação, Angola prepara-se para acolher a Cimeira Empresarial Estados Unidos-África, em meados de 2025, que deverá reunir mais de 1.500 delegados, chefes de Estado e de Governo e outros líderes mundiais em Luanda, caso o próximo Presidente norte-americano, Donald Trump, mantenha essa agenda, o que não é garantido.

Biden vem a Angola com “dois objetivos”, na opinião de Peter Fabricius, analista e investigador do Institute for Security Studies (ISS), em Pretória: “Cumprir a promessa a África, mesmo que de uma forma um pouco diluída”, nos últimos dias da sua presidência, mas também “confirmar o Corredor do Lobito, que adquiriu um significado ainda mais estratégico no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), em setembro último, com a assinatura de Pequim da reabilitação da linha de ferro de Tazara, com a Tanzânia e a Zâmbia”.

O Corredor do Lobito e o caminho de ferro de Tazara — acrónimo de Tanzania Zambia Railway Authority, cuja linha férrea liga a cidade de Kapiri Mposhi, na província da Zâmbia Central, ao porto de Dar es Salaam, no Índico — “são, de certa forma, alternativos, porque os minerais críticos extraídos na República Democrática do Congo (RDCongo) e Zâmbia ou vão para oeste ou para leste”, sublinha.

O Corredor do Lobito, que ligará o porto angolano à Zâmbia com passagem pela RD Congo, “é um pouco simbólico do compromisso dos Estados Unidos e da União Europeia com as infraestruturas em África, porque esse tem sido o grande défice das relações dos dois blocos com o continente por comparação com a China”, diz o analista do ISS.

Quanto à questão sobre se Donald Trump irá manter os compromissos de Washington relativos ao projeto, o investigador do ISS prevê que, apesar do próximo chefe de Estado norte-americano “não ter os mesmos interesses que os democratas em África”, os “benefícios práticos” do projeto deverão prevalecer.

“Apesar de Trump simpatizar com a Rússia, ele é bastante hostil em relação à China. Por isso, nesse sentido, pergunto-me se ele abandonará a ideia. Talvez se trate de uma análise dos benefícios práticos. Não creio que possamos partir do princípio de que ele vai abandonar a ideia” de reabilitar e estender o Corredor do Lobito, afirmou.

A China tem atrás de si décadas de investimento consistente em África e Angola não é exceção, tendo beneficiado de investimentos em infraestruturas na ordem dos 45 mil milhões de dólares nos últimos 20 anos. Angola deve 17 mil milhões de dólares a credores chineses, o que constitui cerca de 40 por cento da dívida total do país.

“Não obstante, a importância estratégica de Angola para Washington aumentou nos últimos cinco anos, devido a dois fatores fundamentais, a começar pela ascensão de João Lourenço à Presidência de Angola, após os quase 40 anos de governo do antigo Presidente Eduardo dos Santos”, acentua Vines.

“João Lourenço e a sua influente esposa, Ana Dias, visitam regularmente os Estados Unidos e possuem uma propriedade em Bethesda, Maryland [comprada em 2013]”. “A política externa angolana”, desde a chegada de Lourenço ao poder em 2017, “afastou-se da ideologia e aproximou-se da multipolaridade pragmática, tornando-se verdadeiramente não-alinhada”, ainda segundo o analista da Chatham House.

A título ilustrativo, Alex Vines refere a condenação por Luanda da anexação de territórios ucranianos pela Rússia na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2022 e sublinha a tentativa de Lourenço de “reduzir a sua proximidade com Pequim e Moscovo, aprofundando ao mesmo tempo as suas relações com os Emirados Árabes Unidos e a Turquia, bem como com os Estados Unidos”, para além de assinar a adesão de Angola à Francofonia como observador oficial.

O segundo “fator fundamental”, aponta o analista, é a relação especial de Luanda e Kinshasa: “As ligações de transporte e a diplomacia de Angola com a RD Congo são importantes para Washington. Nos últimos anos, Angola tem desempenhado um importante papel de mediação para pôr fim ao confronto direto e indireto entre a RD Congo e o Ruanda”.

Relações bilaterais EUA-Angola, papel diplomático de Angola na região da África Austral e Corredor do Lobito enquanto investimento icónico do Ocidente em África deverão encher as manchetes durante os três dias da visita de Biden a Angola, mas os resultados desta cimeira não deverão ir além de “aspetos simbólicos”, diz Fabricius.

“Tentarão fazer com que pareça algo mais do que uma visita simbólica, mas não tenho a certeza de que vamos ver grandes quantias de dinheiro a serem lançadas para cima da mesa; poderá haver um ou outro compromisso sobre o alargamento do Lobito à Zâmbia, isso tem sido ventilado, mas é incerto”, acrescentou.

Borges Nhamirre, também analista do ISS, espera que o Presidente dos Estados Unidos diga “alguma coisa sobre a democracia e as liberdades, direitos e garantias fundamentais”.

Mas, ainda que Biden não o faça, acrescenta o analista moçambicano do ISS, esta é uma “oportunidade para os defensores das liberdades em Angola mostrarem a sua luta e vitalidade e dizer aos norte-americanos que o país que estão a tomar como parceiro está a aprovar leis que, do ponto de vista dos direitos fundamentais, são inconcebíveis, como é o caso dessa lei recente contra o vandalismo público, que não se imagina em nenhuma parte do mundo em pleno século 21, talvez só na Coreia do Norte”.