A experiência de países como Alemanha, França e Itália mostra que o sucesso na privatização de companhias aéreas depende de processos estruturados, equilíbrio entre controlo estatal e investimento privado e gestão cuidadosa das relações laborais, segundo especialistas ouvidos pela Lusa.

A Alemanha, através da Lufthansa, seguiu um modelo de privatização faseada e precedida por uma reestruturação interna profunda.

"A Lufthansa seguiu um modelo de privatização total, cuidadosamente faseado e precedido por uma forte reestruturação interna", afirma Rui Quadros, especialista em aviação comercial e antigo gestor da Iberia e da PGA. Nesse processo, o Estado regressou ao capital apenas em contextos extraordinários, como durante a pandemia, através de um fundo de estabilização, sem interferência na gestão de longo prazo.

Por sua vez, a Air France manteve o Estado francês como acionista minoritário, com influência estratégica em momentos cruciais, como na fusão com a KLM ou no acesso a apoios públicos. Segundo Rui Quadros, este modelo "conferiu capacidade de influência em momentos críticos".

Já a professora do ISEC Lisboa Maria Baltazar, acrescenta que "a Air France manteve o Estado francês como acionista minoritário durante vários anos, assegurando influência estratégica e apoio em momentos críticos, como durante a pandemia".

A Alitalia representa o oposto: uma trajetória instável, com sucessivos apoios estatais, privatizações falhadas e, finalmente, a sua substituição pela ITA Airways em 2021.

Rui Quadros destaca que "o Estado italiano deixou a Alitalia colapsar e criou, em 2021, uma nova transportadora integralmente pública (ITA Airways)", iniciando depois uma privatização parcial (41%) com a Lufthansa em 2023.

O fundador da consultora SkyExpert, Pedro Castro, acrescenta que "o Estado italiano foi obrigado a fechar por completo a Alitalia e a criar uma sucedânea menor, a ITA Airways".

Em comum, os especialistas identificam a gestão das relações laborais como um fator crítico para o sucesso.

"A British Airways e a Lufthansa optaram por modelos negociados (...), enquanto a Air France enfrentou forte resistência sindical. A transição para a ITA Airways resultou em despedimentos em massa", lembrou Rui Quadros.

Maria Baltazar sublinha que "todos estes processos demonstram que o diálogo com os sindicatos e a proteção dos trabalhadores são condições essenciais para uma privatização bem-sucedida".

Uma posição semelhante à de Pedro Castro, que acrescenta que os desafios laborais não desaparecem com a privatização, mas tendem a ser mal geridos quando as companhias permanecem públicas.

Quanto à TAP, destacam que o atual modelo português inspira-se em algumas destas experiências, ao prever uma venda de até 44,9% do capital, mantendo o Estado como acionista maioritário e exigindo compromissos estratégicos ao investidor. Além disso, prevê um acordo parassocial para garantir a gestão operacional do dia a dia ao futuro comprador e, ao mesmo tempo, o Estado continuar a ter uma palavra a dizer nas decisões críticas.

"Estes princípios seguem boas práticas de referência", refere Rui Quadros. No entanto, alerta: "É difícil de imaginar que um grupo internacional aceite investir avultadas quantias, assumir riscos operacionais e reputacionais, e ainda assim não possa participar plenamente nas decisões estratégicas da empresa".

Maria Baltazar defende uma abordagem gradual e estratégica: "Portugal deve aprender com o que funcionou --- e com o que falhou --- noutras geografias. "Portugal não precisa apenas de privatizar --- precisa de privatizar com inteligência, com estratégia e com responsabilidade", diz.

Por fim, Pedro Castro lembra que nenhum processo está concluído sem propostas reais em cima da mesa e que o valor da TAP pode diminuir com o novo aeroporto.

"Nenhuma privatização vive de intenções. Enquanto Lisboa for a Portela, esse é também o maior valor da TAP, que detém 50% dos movimentos desse aeroporto dito 'congestionado', e isso é muito valioso. Mesmo assim, a TAP não é a última coca-cola do deserto", comenta.