Às 11h33, um corte maciço no abastecimento elétrico afetou a Península Ibérica e parte do território francês, mantendo-se até ao momento. Antes das 15h, a Rede Elétrica de Espanha informou que já conseguiu recuperar a energia em "várias subestações de zonas do norte, sul e oeste da península". Em Portugal não houve qualquer reposição.

Os dados recolhidos pelos operadores da rede elétrica na Península Ibérica apontam para desequilíbrios de tensão como explicação para o "apagão" desta segunda-feira, e não para um ciberataque visando as infraestruturas energéticas, apurou o Expresso.

O sistema elétrico nacional foi severamente afetado e os dados em tempo real da REN - Redes Energéticas Nacionais mostram que antes do colapso estavam ligados 8,16 gigawatts (GW) do lado do consumo, e depois apenas 0,6 GW ficaram ligados. Em minutos ficaram desligados quase 93% do consumo.

A REN e a congénere espanhola REE estão a trabalhar no apuramento das causas concretas desta falha, tendo já ativado os procedimentos para reposição gradual do abastecimento de eletricidade, que poderá levar várias horas. É um dos episódios mais severos dos últimos anos. A 24 de julho de 2021 Portugal e Espanha foram igualmente afetados por um "apagão" de grandes proporções, motivado por uma falha na rede elétrica no Sul de França.

Na Madeira e nos Açores, onde a rede elétrica é regional e a produção autónoma, não houve qualquer problema até ao momento no fornecimento de energia.

Pouco antes das 15h, a REN explicou que a operação de reposição do abastecimento de eletricidade "reveste-se de dificuldade acrescida por ser feita a partir de uma situação de vazio", isto é, sem o auxílio de energia proveniente de fontes de produção, ou de Espanha, onde também decorre uma complexa operação de restabelecimento da serviço". A gestora da rede elétrica portuguesa diz mesmo que "neste momento é ainda impossível prever quando estará normalizada a situação", depois de em Espanha a congénere Red Eléctrica ter apontado para seis a dez horas até à total reposição do serviço. Por cá, a EDP admitiu apenas que esse processo irá demorar "várias horas".

A origem

Por volta das 15h20, o primeiro-ministro Luís Montenegro garantiu que a origem não foi em Portugal e que o problema está na conexão com Espanha. "Nós temos a nossa interconexão com a Espanha e tudo aponta que foi daí que se originou toda esta situação, mas eu não quero estar a especular", afirmou, acrescentando estar a ser feito um trabalho conjunto com o Governo espanhol.

O primeiro-ministro afirmou que os serviços de inteligência também estão a procurar perceber a origem desta situação e, questionado se está afastada a possibilidade de um ataque cibernético, respondeu de forma cautelosa. "Eu creio que é importante dizer que não está nada afastado, mas não há nenhuma indicação também que aponte nesse sentido", afirmou.

A Polícia Judiciária também não confirma que o apagão de eletricidade tenha como origem num ciberataque russo, como foi divulgado por alguns órgãos de comunicação social (alguns dos quais citam uma mensagem falsamente atribuída à presidente da Comissão Europeia). Fontes do Sistema de Segurança Interna (SSI) também dizem não ter qualquer informação nesse sentido até este momento.

A mesma informação é veiculada pela vice-presidente executiva da Comissão Europeia, Teresa Ribera, que afirmou não existirem para já provas de ciberataque no corte maciço no abastecimento elétrico na Península Ibérica. "Não estamos a descartar nada de momento, mas não há provas de qualquer tipo de problema de cibersegurança. Estamos atentos a tudo e a principal prioridade é, obviamente, restaurar o sistema elétrico e avaliar e compreender o que aconteceu", declarou à imprensa em Bruxelas.

Saúde

Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde estão a funcionar com recurso a geradores a gasóleo. A autonomia depende da reserva que existe, mas "será suficiente para terminar os atos em curso", garante o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. Ainda assim, "interrompe toda a atividade programada, mantendo os cuidados urgentes e inadiáveis".

Áreas não críticas estarão fora do plano de suporte por gerador. Igualmente sem alternativa à eletricidade, estarão vários centros de saúde. A rede de frio, para alguns fármacos e vacinas, estará, por isso, a ser atingida, como foi testemunhado ao Expresso por alguns enfermeiros.

O Ministério da Saúde garante que "até ao momento não há conhecimento de que o apagão tenha causado constrangimentos", pois "todas as unidades de saúde têm geradores e sistemas redundantes que permitem manter a energia em caso de falhas".

No setor privado, os maiores hospitais garantem que a prestação de cuidados continua a ser assegurada, mas já com necessidade de racionar alguns serviços. "A Luz Saúde decidiu suspender toda a atividade de ambulatório - consultas e exames programados - até ao final do dia. Os clientes estão a ser avisados por sms durante a próxima hora", explicam. Ainda assim, "mantêm-se a funcionar para urgências e atividade critica, como cirurgias urgentes e tratamentos oncologicos". É ainda pedido a quem "precise de se dirigir aos nossos hospitais, nomeadamente aos Atendimentos Urgentes, que, previamente, ligue para a Luz 24, 217104424".

No Grupo CUF, a garantia é a mesma. "A CUF está a gerir a atividade clínica por forma a garantir a prestação de cuidados de saúde urgentes e críticos. Para tal, mantém disponíveis os seus hospitais com os Atendimentos Permanentes, Hospital de Dia Oncológico, Diálise, Cirurgias Urgentes, Exames Urgentes, Cuidados Intensivos e Internamento", é assegurado ao Expresso.

As farmácias enfrentam também fortes constrangimentos sem poder validar prescrições e, se a energia não for reposta brevemente, os geradores poderão falhar, comprometendo a conservação de medicamentos que necessitam de refrigeração como as vacinas, alertou a Associação Nacional de Farmácias (ANF). Algumas tiveram mesmo de suspender o funcionamento da atividade geral, estando apenas disponíveis para situações de emergência e de urgência.

As farmácias têm geradores e sistema de UPS (fonte de energia ininterrupta), que permitem manter os sistemas em funcionamento em caso de uma corte de energia. No entanto, esses equipamentos têm autonomia limitada, o que significa que, se a situação não for resolvida rapidamente, as farmácias poderão ficar sem energia.

A ANF está a dar instruções à rede para concentrarem a energia dos geradores e das UPS para conservação dos medicamentos.

Transportes

O Metropolitano de Lisboa e o do Porto estão encerrados, os comboios não circulam (é dia de greve nacional), não há semáforos e há filas de trânsito intensas nas grandes cidades. Os aeroportos continuam em funcionamento, mas com muitas restrições. No aeroporto de Lisboa, por exemplo, há milhares de pessoas no exterior junto ao Terminal 1. O acesso ao interior está vedado, exceto para os passageiros de voos que vão aterrando e para situações de emergência. Quem chega não consegue, porém, recolher a bagagem de porão. O sistema está inativo.

A ANAC, o regulador do sector da aviação, avança que foram “acionados os “planos de contingência dos aeroportos, companhias aéreas e prestadores de serviços de navegação aérea”, e afirma que o “sistema de aviação civil está a trabalhar de forma coordenada”. Classificando o evento que está a decorrer como "disruptivo", a ANAC apela aos passageiros para aguardarem informação e não se dirigirem aos aeroportos.

No Aeroporto de Faro, os aviões continuam a partir e a chegar dentro da normalidade, não havendo passageiros concentrados no exterior do aeroporto ou filas de trânsito para aceder àquela estrutura.

O serviço de autocarros da Carris, em Lisboa, está a funcionar, mas os elétricos e ascensores estão temporariamente suspensos, indicou a empresa. Segundo a empresa, gerida pelo município de Lisboa, "o serviço será restabelecido na íntegra assim que seja possível".

Na altura do apagão, quatro comboios do Metropolitano de Lisboa ficaram parados dentro do túnel, dois na Linha Verde e os outros dois na Linha Vermelha, devido à interrupção da eletricidade. Os passageiros foram todos retirados.

Água

O apagão é na rede elétrica, mas o fornecimento de água também pode ser afetado. A EPAL - Empresa Portuguesa de Águas Livres, responsável pelo abastecimento de água de Lisboa e arredores apela "ao uso consciente” e avisa que "o incidente desta segunda-feira na rede elétrica europeia poderá originar interrupções". E apesar de estarem a "desenvolver todas as diligências, no sentido de minimizar os impactos que poderão ocorrer", os geradores não vão durar sempre se a situação se prolongar.

A empresa Águas de Portugal (AdP) não tem, para já, informação sobre constrangimentos no fornecimento de água no continente. "Enquanto os geradores do abastecimento em alta funcionarem, não haverá problema. Mas tudo depende de quanto tempo se mantiver o apagão", diz fonte da empresa.

Combustível

À medida que a autonomia dos geradores vai chegando ao fim, várias bombas de gasolina começam a encerrar. À entrada de Lisboa, no Viaduto Duarte Pacheco, a bomba da BP fechou há cerca de uma hora, quando terminou o gerador, mas do outro lado da estrada a bomba da Galp continua a funcionar.

Bancos

Os bancos estão a conseguir assegurar as principais operações por via das atividades digitais. Mas na rede física a prestação de serviços está a ser feita com constrangimentos.

“O incidente ocorrido com a Rede Elétrica na Península Ibérica e noutros países europeus está a provocar a interrupção e ou a condicionar a distribuição de eletricidade em Portugal, com impacto no funcionamento de múltiplas atividades económicas e também no funcionamento de múltiplas sucursais, ATMs, e POS, entre outros serviços bancários”, indica fonte oficial do BCP ao Expresso.

Ou seja, há falhas nos serviços Multibanco e nos pagamentos a comerciantes que não estejam suportados por geradores. A SIBS garante que os seus serviços são passíveis de ser operados, mas, sem eletricidade, não há forma de os fazer chegar ao consumidor final.

Consumo / comércio

Os maiores centros comerciais da Grande Lisboa, como o UBBO, Almada Fórum e Vasco da Gama têm a grande maioria das lojas encerradas, podendo fechar portas em breve. No Centro Comercial Amoreiras, em Lisboa, todas as lojas estão encerradas já, incluindo o supermercado. O Saldanha Residence e o Fonte Nova, em Benfica, foram outros do que já fecharam portas na capital.

Segundo a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), que representa o sector, "algumas lojas estão a encerrar por razões de segurança", tanto dos clientes como de segurança alimentar. Nos supermercados e hipermercados a funcionar, há grande afluência, principalmente para comprar enlatados, água, papel higiénico, pão, leite e fruta.

Lojas que vendem materiais eletrónicos e de energia estão, também, com grande afluência e a esgotar stocks, com muita gente a tentar comprar lanternas, pilhas e geradores. Painéis solares e carregadores que funcionem a energia solar são outros bens muito procurados.

Ensino

Instituições de ensino superior estão a suspender as aulas. De acordo com o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), as instituições estão "a passar a serviços mínimos em termos de energia". Paulo Jorge Ferreira, que é também reitor da Universidade de Aveiro disse que o foco é a "cibersegurança e segurança física", lembrando que existem portas elétricas nas instalações.

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação informou a Lusa de que ainda não tem um balanço da situação nas escolas, estando ainda a recolher informação. Mas ao longo da tarde, muitos pais receberam telefonemas de jardins de infância e escolas para irem buscar os filhos.