
O homem, de 68 anos, vítima da agressão que foi usada por grupos extremistas para justificar uma onda de violência contra imigrantes do norte de África, não quer qualquer vingança em seu nome.
Quando se soube que os três agressores, já presos pela polícia, eram de origem magrebina, várias pessoas, organizadas através das redes sociais, promoveram uma “caça” ao imigrante, foi esse o termo escolhido pelos próprios para designar o seu objetivo.
Quando os vizinhos lhe contaram o que tinha acontecido por causa dos seus ferimentos, Domingo Tomás não se sentiu mais seguro. “Não queria nada do que aconteceu, não acho bem ir atrás deles”, disse ao jornal “El País” o pensionista que continua a levantar-se todos os dias às cinco da manhã, hábito herdado dos tempos em que ia buscar frutas e legumes a um armazém de distribuição grossista em Torre-Pacheco, Múrcia, no sudeste espanhol. Quando estava a sair de casa, há oito dias, três homens apareceram do nada, deram-lhe alguns murros e fugiram.
Os três suspeitos envolvidos na agressão foram detidos esta semana. Um foi capturado em Rentería (País Basco) e vivia há apenas uma semana no município. Os outros dois acusados viviam numa casa abandonada, perto do cemitério onde Domingo foi atacado. Não se conhecem razões para o sucedido.
O “ódio que veio de fora”
A sua esposa, Encarna, também em declarações ao “El País”, disse que os extremistas “usaram a agressão ao Domingo para trazer violência à cidade” e para fazer a outros “a mesma coisa” que fizeram ao seu marido. Da varanda da sua casa, a dois quilómetros do local onde começaram os distúrbios, Encarna diz que “toda a gente sabe” que a violência “não tem nada que ver com as pessoas da cidade”. Foi “ódio que veio de fora”.
Há uma semana, Torre-Pacheco transformou-se no epicentro do ódio aos migrantes, tema que se tornou a principal bandeira da extrema-direita europeia, a organizada, em partidos, e a desorganizada, que depois se mobiliza através grupos online impossíveis de rastrear a tempo de impedir ajuntamentos violentos, porque quando um se fecha, no minuto a seguir outro se abre, e os planos passam para outro chat, outra app, outro grupo.
Torre-Pacheco tem 40.000 habitantes, dos quais cerca de 17% são de origem africana, atraídos pelo trabalho agrícola.
Internado durante os tumultos
A reportagem do diário “El País” parou também num bar frequentado por outros pensionistas que, como Domingo Tomás, vêm jogar dominó depois de almoço. O bar em causa, La Campanha, é bem no centro do bairro de San Antonio, onde vive a maioria da população de origem marroquina e cujas ruas receberam dezenas de extremistas nos últimos dias. As fotografias e vídeos de gente de cara tapada, cruzes suásticas tatuadas ou desenhadas em t-shirts a pedir a morte dos que ali vivem circularam livremente pela internet.
Domingo, que esteve internado durante a semana dos tumultos, sentiu que devia sair de casa para recuperar a normalidade dos seus dias. “A casa estava a desabar sobre mim, eu tinha que voltar a fazer o que sempre fiz”, conta. Ainda com ferimentos atrás dos óculos escuros diz que não queria “protagonismo”.
Ri-se da manifestação convocada contra “as agressões aos nossos avós”. “Bom, não sou um miúdo, mas não diria que sou idoso, estou bastante bem, ando de mota para lá e para cá”, disse Domingo ao jornal espanhol. “De 40 mil que somos, apenas um me bateu.”
A taxa de criminalidade em Torre-Pacheco é de 41 incidentes por 1000 habitantes, quatro pontos abaixo da capital regional (45) e dentro da média espanhola (40,6). Esses são números do Ministério do Interior espanhol, que não distingue por nacionalidade.