
Há cidades que nunca se tornam nossas, lugares onde o mar de gente, o sol distante e as paredes de betão não despertam esperança. Não são casa. Este sentimento, cantado pelos Napa, na música “Deslocado” espelha
perfeitamente esta inquietação com o contexto político e social, que, durante estes dias, me tem toldado os pensamentos.
Vivemos tempos em que o ressentimento e o individualismo dominam, tempos que não nos convocam àquilo que verdadeiramente acredito que é ou devia ser a nossa casa coletiva. A empatia, a solidariedade, o humanismo.
Os resultados eleitorais de dia 18, agora completos com os votos da emigração, impõem-nos um tempo de reflexão profunda e serena mas urgente. A esquerda progressista atravessa uma crise por toda a Europa e ignorar esta realidade, ou pelo menos cair na tentação de a desvalorizar, é irresponsável, é tático e é perigoso. Precisamos urgentemente perceber por que razão as nossas propostas parecem já não chegar às pessoas, porque se não o fizermos rapidamente, estamos a abrir (ainda mais) caminho àqueles que se alimentam do medo, do ressentimento e de um individualismo que destrói os laços que nos tornam verdadeiramente uma comunidade e o contrato social que construiu o nosso país nos últimos 50 anos.
Nesta campanha, o PS reafirmou o compromisso humanista e responsável de um partido que ajudou a fundar a democracia. Somos herdeiros de uma história de 52 anos de conquistas e acreditamos, hoje mais do que nunca, na necessidade de melhorar a vida das pessoas, de todas as pessoas. Em tempos difíceis, é fundamental lembrar que muitas dessas conquistas sociais, muitas dessas garantias fundamentais que hoje achamos como garantidas, tiveram o PS e já agora, a JS na linha da frente.
Quem hoje tenta negar ou minimizar este legado democrático escolhe esquecer, por conveniência, que o país onde vivemos é resultado dessas lutas coletivas, onde a sociedade e os movimentos políticos e partidários tiveram um papel central. Quem promove esta amnésia histórica alimenta uma nova política vazia, superficial e desprovida de valores e convicções, focada apenas em sobreviver à espuma dos dias e à força das marés.
Sou filha da escola pública, cresci no interior norte deste país e conheço, como tantos outros jovens da minha idade, o que significa ver as oportunidades condicionadas pelo nosso código postal ou pela conta bancária dos nossos pais. Ser de esquerda é não aceitar esta realidade como inevitável, é ser inconformado por natureza e estar permanentemente ao lado das pessoas nas ruas, cafés, nas escolas, nos sindicatos e nas empresas. Nos corredores comuns que fazem a nossa vida coletiva, empenhando-nos em construir um país digno que esteja à altura do nosso talento.
Os portugueses precisam de ganhar mais, viver melhor. São eles a força transformadora deste país. Precisamos de menos impostos sobre o trabalho e mais impostos sobre os dividendos, lucros excessivos da banca, seguradoras e setor energético. Não é uma luta contra a riqueza, é uma luta por justiça social. É aproximar Portugal dos países mais avançados da OCDE. E quando falo de menos impostos sobre o trabalho, refiro-me à classe média, aos que ganham 1000, 2000, 3000 ou 4000 euros, os rendimentos do trabalho destas pessoas não pode pagar mais impostos do que os dividendos.
O caminho continua, escrito nas mesmas páginas de história a que pertencemos, de conquistas, e lutas de tantos. Não em abstrato, mas na rua, no café, na sala de aula, na fábrica, no hospital, no rosto das pessoas que olham para nós com a expectativa de quem já perdeu demasiado. O caminho continua sempre que alguém nos pergunta, com um misto de esperança e cansaço, se ainda vale a pena acreditar. É aí que se testa o verdadeiro compromisso de uma esquerda progressista: quando não há tempo de antena, nem uma ampla caixa de ressonância mediática, apenas o dever de estar, de ouvir. Porque não lutamos por uma ideia vaga de futuro individualista e vazio, caminhamos, sim, por salários que sustentem vidas, por impostos que respeitem quem trabalha, por políticas que não desistam de ninguém.
O caminho continua todos os dias, e continuará enquanto houver quem precise que não desistamos.
Queremos, depois de dobrarmos o Bojador político em que nos encontramos, voltar a casa. À nossa casa comum, que tem como pilares a comunidade, solidariedade e entreajuda, mesmo por quem não conhecemos.