O Reino Unido, a Itália, França e Alemanha estão de acordo: os ataques israelitas às forças da ONU no Líbano têm de parar. Numa declaração conjunta, os quatro protagonistas europeus defendem que os ataques israelitas à missão de manutenção da paz das Nações Unidas no Líbano, conhecida como Unifil, são contrários ao direito humanitário internacional e devem parar imediatamente.

No comunicado, Londres, Roma, Paris e Berlim argumentam ainda que Israel tinha de de garantir a segurança das forças de manutenção da paz em todos os momentos. Esta tomada de posição surge depois de a missão da Unifil, que inclui centenas de soldados europeus, ter afirmado que foi repetidamente atacada pelos militares israelitas nos últimos dias. Israel apelou à ONU para retirar as tropas da zona, uma vez que tem como alvo as forças do Hezbollah nas redondezas.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, prometeu atacar impiedosamente o Hezbollah após o ataque com drones a uma base militar em Israel, no domingo, no qual morreram quatro pessoas. A retaliação vai ser dirigida aos alvos em Beirute. “Continuaremos a atacar impiedosamente o Hezbollah em todas as partes do Líbano, incluindo Beirute", declarou o líder israelita. "Tudo isto de acordo com considerações operacionais. Provámo-lo recentemente, e continuaremos a prová-lo nos próximos dias.”

Com o ataque de domingo, Israel ter-se-á convencido de que as capacidades do Hezbollah, grupo xiita instalado no Líbano e apoiado pelo Irão, não foram tão abaladas - por sucessivos ataques e a execução do líder da ala militar do grupo - quanto esperava. (Vários especialistas militares israelitas e norte-americanos avaliaram que mais de 50% da capacidade militar do Hezbollah estava esgotada.) “Embora a morte de Sayyed Hassan Nasrallah seja um grande golpe para o Hezabollah, é pouco provável que tenha um impacto duradouro sobre o grupo”, corrobora Abhijit Apsingikar, analista militar indiano da GlobalData (uma consultora de análise de riscos, em Londres), em declarações ao Expresso.

“A própria natureza de um grupo radical como o Hezabollah é que é altamente distribuído e disperso. Por isso, no caso de um elemento-chave ser eliminado, haverá sempre alguém na cadeia de comando que preencherá a lacuna.” O analista Abhijit Apsingikar acredita, aliás, que o Hezbollah já criou uma “nova estrutura de comando, em preparação para uma guerra terrestre iminente com Israel”. Assim sendo, a menos que Israel consiga eliminar toda a estrutura de comando, ou, pelo menos uma parte significativa do escalão superior do Hezabollah, de uma só vez ou num curto período, “o grupo irá invariavelmente reagrupar-se e reorganizar a sua cadeia de comando”.

É “extremamente provável” que muitas das capacidades de combate do Hezabollah permaneçam intactas, qualifica Abhijit Apsingikar. “O Líbano, que é controlado pelo Hezabollah, partilha uma longa fronteira com a Síria, e, como tal, não pode ser isolado, como Gaza. O grupo é também fortemente apoiado pelo Irão, que continuou a fornecer sistemas de armas ao grupo ao longo dos últimos anos, e que também irá fornecer no futuro. O Irão não só goza de laços estreitos com o regime sírio, como também tem vindo a aumentar a sua influência no vizinho Iraque. Está, por isso, em condições de manter um corredor terrestre e apoiar o Hezabollah de forma muito mais eficaz.”

Travar uma guerra urbana com um grupo tão bem estabelecido no território libanês pode ser um grande risco para Israel. De acordo com o Centro Nacional de Contraterrorismo dos EUA, o grupo radical terá cerca de 40 mil combatentes e “capacidades militares semelhantes às do Estado”: foguetes, veículos aéreos não tripulados (UAV) e até mísseis antinavio. Apesar de desatualizados, são totalmente capazes de atingir qualquer caça não furtivo ou aeronave de apoio, exceto o F-35I Adir.

O grande número de mísseis de longo alcance, considerados de elevado nível de precisão, foram ali posicionados pelo Irão, para ajudar a dissuadir um possível ataque israelita contra as instalações nucleares do Irão. Dependendo dos resultados dos ataques que deverão seguir-se entre Israel e o Irão, pelo menos alguns destes mísseis poderão ser utilizados.

“Creio que o Hezbollah está determinado a mostrar que não foi derrotado e que continuará a tentar envolver as forças israelitas em operações de pequena escala, do tipo guerrilha, que incluem ataques surpresa por parte de pequenas unidades e disparos de mísseis e rockets antitanque a partir de uma base distância que lhes dá a vantagem da surpresa”, explica ao Expresso Bruce Maddy-Weitzman, perito em estudos do Médio Oriente na Universidade de Telavive. As ambições do grupo libanês não passam por derrotar os atacantes israelitas, mas “fazê-los pagar um preço elevado em termos de baixas”, acrescenta o investigador. “Para o Hezbollah, um cessar-fogo que lhe permita manter a sua posição de liderança no Líbano e manter as suas capacidades para lutar contra Israel será considerado uma vitória.”

Uma vez que Israel renuncia essencialmente ao elemento surpresa, para evitar danos colaterais extensos, as unidades do Hezbollah conseguem preparar-se e manter-se à espera de soldados das Forças de Defesa de Israel em posições vantajosas, esclarece também Avraham Levine, analista militar no ‘think tank’ israelita Alma. “Não vejo o Hezbollah como um alvo fácil ou ferido. Continua a ser o mesmo poderoso Exército terrorista que todos conhecemos. O facto de a cadeia de comando ter sido danificada não elimina a capacidade de disparar contra as comunidades israelitas ou de tentar atingir as forças das FDI que se aproximam.”

Acima de tudo, como lembra Kelly Grieco, analista de defesa do Reimagining US Grand Strategy Program do think tank Stimson Center, o grupo está “concebido de forma a poder sobreviver à perda de líderes e partes do grupo”. Estima-se que a milícia ainda tenha cerca de 150.000 foguetes. “A questão é se os ataques de pagers e walkie-talkies e a perda de muitos dos seus principais líderes irão degradar a sua capacidade de usar essas armas. A sua estrutura de comando e controlo foi claramente baralhada pelos ataques israelitas. Perdeu dois líderes em rápida sucessão, e não há necessariamente um sucessor claro agora. É difícil imaginar que estes ataques não terão algum impacto imediato, mas o Hezbollah demonstrou ser uma organização adaptável.” Por exemplo, as unidades locais têm autoridade para agir de forma independente em tempo de guerra.

Mais importante ainda, diz Grieco, “o Irão quer que o Hezbollah sobreviva”, porque “investiu neste grupo, e a sua sobrevivência é fundamental para a sua estratégia de dissuasão regional”.

“O Hezbollah tem muitos rockets, mísseis e drones; quatro vezes mais do que o Hamas tinha no seu arsenal antes de 7 de outubro”, quantifica a analista de estratégia e defesa Kelly Grieco. A maioria destes sistemas provém do Irão, mas o Hezbollah também começou recentemente a produzir as suas próprias armas. “Se estes rockets, mísseis e drones forem disparados em grande número, poderão sobrecarregar as defesas aéreas e antimíssil de Israel. Não é claro quantos intercetores Israel ainda possui depois de ter travado uma guerra durante mais de um ano, particularmente depois de ter intercetado grandes ataques de mísseis e drones do Irão.”

No domingo, um drone do Hezbollah conseguiu escapar às reconhecidas defesas aéreas de Israel, e atingiu uma cantina militar quando o espaço se encontrava ocupado com soldados a jantar. Quatro morreram e 58 ficaram feridos, sete com gravidade, num local a 64 quilómetros a sul da fronteira com o Líbano. O drone que atingiu a cantina terá feito parte de um ataque sincronizado: três drones voaram a partir do Líbano sobre o Mediterrâneo e, embora todos tenham sido inicialmente avistados e dois abatidos, o outro conseguiu atingir o alvo. De acordo com o jornal "The Guardian", essa falha está a ser matéria de uma investigação urgente por parte das Forças de Defesa de Israel. Tudo indica que o Hezbollah tem vindo a aperfeiçoar a sua estratégia de ataque. Cronometrar o ataque dos drones com rockets ajudou o grupo. Os modelos de drones iranianos também serão mais imperceptíveis, mesmo para o radar, e voam deliberadamente a mais baixas altitudes.

Também o ataque do Irão há alguns dias terá sido mais lesivo do que inicialmente se pensava. Pelo menos uma pessoa morreu na região da Cisjordânia. No fim de semana, os EUA anunciaram que iriam implantar um dos seus sete sistemas especializados de defesa terminal de área de alta altitude (Thaad) em Israel, e uma tripulação de quase 100 soldados norte-americanos.

Outras notícias a destacar:

⇒ O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, considerou inaceitável que militares das Nações Unidas "possam ser alvos intencionais" do exército israelita e que há uma "forte condenação" da União Europeia nesse sentido. No final de uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, Paulo Rangel deplorou que os militares da missão da Organização das Nações Unidas no Líbano "possam ser alvos intencionais" da incursão israelita naquele território: "Isto é inaceitável e merece uma forte condenação", defendeu.

⇒ Pelo menos cinco palestinianos morreram e quatro ficaram feridos esta noite num ataque israelita à escola Hafsa al-Fawqa, no campo de refugiados de Jabalia, no norte da Faixa de Gaza, há dez dias sob cerco militar. Depois de ter informado que os feridos tinham sido transportados para o hospital Kamal Adwan, o porta-voz da Defesa Civil de Gaza, Mahmud Basal, indicou que cinco pessoas foram mortas. Este é o segundo ataque a uma escola em menos de 24 horas, depois do bombardeamento de uma escola em Nuseirat, no centro daquele território palestiniano, que fez 23 mortos.

⇒ Militares italianos da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FINUL) detetaram "uma série de engenhos explosivos incendiários ao longo da estrada que conduz à base operacional avançada UNP 1-32A" das tropas internacionais no sul do país. A descoberta da patrulha do contingente italiano da FINUL, anunciada pelo Ministério da Defesa de Itália, surge após os recentes ataques israelitas às forças de manutenção da paz da ONU no Líbano, que provocaram vários feridos, e ocorreu durante um movimento logístico dos capacetes azuis.