"Mais do que uma ideologia, o Zé Povinho é uma figura de cidadania e contra as injustiças", disse à agência Lusa João Alpuim Botelho, diretor do Museu Bordalo, referindo que a figura foi apropriada "por todos, lembrando a 'Cantiga da Rua', 'não é minha nem é tua é de toda a gente'".

A personagem Zé Povinho surgiu pela primeira vez no dia 12 de junho de 1875, nas páginas centrais do jornal A Lanterna Mágica, de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905).

"O que torna a figura do Zé Povinho absolutamente genial e faz com que ela sobreviva ao longo destes 150 anos é que ele criou a figura como quem nos põe um espelho à frente da cara e diz: 'estás a ver, eles estão a fazer aquela negociata, ou uma lei contra a liberdade de imprensa', e é sempre uma maneira de provocar o Zé Povinho ou o levar a reagir, portanto é uma mensagem de cidadania", argumentou o responsável.

O diretor do museu acrescentou: "É uma mensagem para estarmos sempre atentos, a Democracia tem de se construir todos os dias, temos de estar sempre atentos, podem vir outras forças políticas que derrubem a democracia, e essa é a grande mensagem do Zé Povinho, a Democracia constrói-se com o nosso esforço, o nosso trabalho, e uma das coisas com que o Bordalo se preocupa com o Zé Povinho é que é preguiçoso e analfabeto, não se preocupa em aprender a ler, e é através do trabalho e do ensino que o Zé Povinho é capaz de tornar a sua vida melhor".

João Alpuim Botelho referiu-se à figura do Zé Povinho como "uma criação genial" de Bordalo Pinheiro por "ser praticamente intemporal e se aplicar a várias situações".

"Ele critica os políticos, mas cada situação dos políticos, não diz 'os políticos são todos iguais' ou 'os políticos são todos corruptos', como os populismos que ouvimos hoje em dia. O Zé Povinho, pela mão do Bordalo, critica situações concretas", afirmou.

A figura do Zé Povinho foi imediatamente apropriada, nomeadamente por outros artistas que "ainda em vida do Bordalo o desenharam e continuou depois da sua morte".

Bordalo Pinheiro era "muito generoso como pessoa, e teria muito interesse e gosto em ver a sua figura a ser usada por outros".

O Zé Povinho surgiu na Monarquia Constitucional, passou a I República, o Estado Novo - "tendo sido muito censurado" -, "explodiu com o 25 de Abril, e continua a ser usado".

"Com o advento da República [1910], o Zé Povinho, que era essencialmente republicano e contra a monarquia, aparece numa série de jornais como monárquico a lutar contra a República", relatou o diretor do museu.

Alpuim Botelho realçou a forte ligação do Zé Povinho à causa republicana, associado sempre à personagem a "Cartilha Maternal", de João de Deus, recordando que a instrução era um dos postulados do republicanismo.

No âmbito do 150.º aniversário do Zé Povinho, o Museu Bordalo Pinheiro inaugura, em 21 de julho, a sua nova exposição permanente, que incluirá uma sala dedicada exclusivamente ao Zé Povinho.

Em novembro, é inaugurada uma exposição temporária constituída por 'Zés Povinhos', desde o século XIX até à atualidade, com curadoria do 'designer' Jorge Silva.

Está previsto a colocação 'online' no 'site' do Museu Bordalo, a 12 de junho, de uma página dedicada aos 150 anos, expondo os resultados de uma investigação, e com várias galerias de imagens com Zés Povinhos, desde o século XIX, passando pela 1.ª República, pelo 25 de Abril e até à atualidade.

A cidade de Caldas da Rainha, à qual Bordalo esteve ligado, celebra também o 150.º aniversário com uma exposição no Centro Cultural e de Congressos a partir de 28 de junho.

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