
Aos sete anos, viu o primo ser diagnosticado com leucemia linfoblástica aguda. Décadas depois, é hematologista com dedicação especial à oncologia pediátrica e tem uma certeza: “Gostava de ter 50 anos a menos para estar na linha da frente da descoberta de curas reais para o cancro em crianças e adolescentes porque, agora, temos as ferramentas”.
Mas por que razão o cancro em crianças e jovens é diferente do cancro em adultos? “É totalmente diferente tratar cancros infantis ou cancros de adultos porque nos adultos há fatores ambientais como o tabaco ou o álcool. Nos cancros infantis, a causa está mais relacionada com a fragilidade do genoma”, explica o consultor em hematologia pediátrica no Children's Health Ireland e investigador principal no National Children's Research Centre (NCRC). Este facto torna a prevenção quase impossível e obriga a uma abordagem completamente distinta: “O foco é desvelar a base genómica completa do cancro infantil”.
Do laboratório à prática clínica
O maior salto da última década veio com a capacidade de sequenciar genomas, tanto dos tumores como dos próprios doentes, e aplicar esse conhecimento à prática clínica. “Estamos a entrar numa nova fase. Vamos redefinir o que significa cura. Não é só estar livre de cancro cinco anos depois, é estar sem toxicidades, que são muito relevantes para uma criança ou adolescente em crescimento.”
Esta transição para a chamada medicina de precisão, em que se ajusta o tratamento ao perfil genético individual, está a mudar os paradigmas. Um dos exemplos mais marcantes está na leucemia linfoblástica aguda de células T: “Sabemos agora que há subgrupos com piores prognósticos que beneficiam de tratamentos experimentais, e outros que estão praticamente curados e a quem podemos dar menos quimioterapia”, explica.
Este é um exemplo claro da chamada investigação translacional: transformar descobertas laboratoriais em tratamentos concretos. Mas, apesar do potencial, o processo nem sempre é célere. “Gostaríamos de levar o que se descobre hoje no laboratório para a clínica amanhã, mas isso demora anos devido à regulamentação, especialmente na Europa. Ainda assim, estamos a melhorar.”
A urgência do financiamento
O obstáculo maior à investigação do cancro pediátrico continua a ser o financiamento. “Os cancros em adultos recebem muito mais apoio do que os cancros em crianças e jovens. Por isso, estes têm sido deixados para trás na União Europeia”. E acrescenta: “Sem financiamento, não conseguimos alcançar o que é preciso.”
Nos Estados Unidos, grande parte do investimento chega por via filantrópica. Na Europa, defende, é urgente criar alianças estratégicas entre a indústria farmacêutica, os sistemas de saúde, a academia e a sociedade civil. “Podemos ser mais eficazes do que os norte-americanos neste aspeto.”
Juntos por respostas melhores
A verdade é que a raridade dos cancros pediátricos obriga à colaboração internacional. Representam apenas cerca de 1% do total de cancros, e cada tipo é, por si, uma doença rara. “A única forma de fazer perguntas relevantes e obter respostas estatisticamente válidas é juntar esforços.” O protocolo europeu “ALLTogether”, por exemplo, envolve mais de uma dezena de países, entre os quais Portugal, e permite acompanhar milhares de crianças e testar diferentes terapias em contexto real.
Na Irlanda, o projeto “Magic Eye” é mais uma aposta ambiciosa. Está a sequenciar o genoma tumoral de todas as crianças com cancro, com o objetivo de adequar os tratamentos e reduzir toxicidades. “Esperamos ter respostas em dois a três anos”, revela.
Um futuro em construção
A nova geração de investigadores tem mostrado forte interesse, sobretudo na área da leucemia pediátrica. “Conseguimos curar 85 a 90% das crianças, mas a um custo elevado. Muitos jovens investigadores estão agora focados em reduzir a toxicidade dos tratamentos.” A aposta na genética, na inteligência artificial e nas terapias baseadas no sistema imunitário, como os anticorpos monoclonais ou as células CAR-T, promete revolucionar o sector.
E o que é preciso priorizar? “A investigação genética, como venho a dizer, porque é a chave. E também a colaboração entre grupos de ensaios clínicos. Antes havia muitos grupos pequenos. Agora há menos, mas maiores, que fazem perguntas mais relevantes e têm melhores respostas.”
Com as ferramentas certas e uma geração preparada, o desafio está lançado. “É um momento incrivelmente entusiasmante para a ciência médica. O progresso vem de novas ideias e novas técnicas. A capacidade de sequenciar genomas rapidamente e de usar a inteligência artificial para os analisar vai ser esmagadora nos próximos anos”.
E se há coisa que não falta, é esperança: “Estamos a melhorar nas curas, mas também no acompanhamento a longo prazo. E estamos a curar crianças que, há 10 ou 15 anos, estavam condenadas a cuidados paliativos. É realmente um momento entusiasmente", conclui o investigador que se esteve em Lisboa esta semana para participar na conferência que a Acreditar realizou, no dia 27 de maio, sobre o presente e o futuro da oncologia pediátrica em Portugal.