As primeiras estrelas do Universo formaram-se entre 200 milhões e 400 milhões de anos após o início do Universo, quando as condições então existentes permitiram o surgimento de átomos de hidrogénio e hélio – de relembrar que o Big Bang ocorreu há 13,8 mil milhões de anos. Pelo meio, também surgiram as primeiras galáxias. O Sol, que neste momento banha a Terra com a sua luz, surgiu há 4,6 mil milhões de anos, ou seja, quando o Universo já tinha dois terços da sua idade atual, um nascimento tardio (em termos cosmológicos) que coincide com a época em que aparecimento de novas estrelas já estava em franco declínio.
Na mitologia grega, Teia é a titânide, ou a deusa, responsável por conferir luminância ou magnificência, pelo que, acreditava-se, foi ela que deu o brilho que o ouro, a prata e as pedras preciosas têm. Na Via Láctea foram identificadas, até ao momento, 8.292 correntes estelares, quer dizer, grupos de estrelas que estão organizados num padrão linear e que orbitam o centro da galáxia. Uma raridade, dado que a norma é existirem aglomerados estelares que formam uma estrutura globular (esférica), sendo que as suas estrelas nasceram relativamente perto umas das outras. Às correntes estelares que existem na Via Láctea, semelhantes a uma corrente de joias brilhantes, os astrónomos deram, precisamente, o nome de Theia (tradução em inglês da deusa Teia). Recentemente, descobriu-se que um destes corpos celestes, batizado de Theia 456, tem algo de diferente e especial.
“O que torna Theia 456 excitante é que não é um pequeno amontoado de estrelas juntas, ele é longo e estica-se por aí fora, existindo poucas correntes [estelares] próximas [dentro da Via Láctea], jovens e tão amplamente dispersas”, resume em comunicado de imprensa o astrofísico Jeff Andrews, da Universidade de Northwestern, no estado norte-americano de Illinois, o qual apresentou o estudo e as conclusões durante o encontro deste ano da Sociedade Americana de Astronomia, decorrido a 15 de janeiro.
Os dados do grupo de investigadores que estudou Theia 456, e que inclui Jeff Andrews e outros seis astrofísicos, de diferentes universidades, provieram do Telescópio Espacial Gaia, lançado em 2013 pela Agência Espacial Europeia e estacionado a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, com a missão de construir o maior e mais preciso mapa tridimensional alguma vez feito da Via Láctea, compreendendo, aproximadamente, mil milhões de objetos, de estrelas a planetas, cometas e asteroides, passando por aglomerados e correntes estelares.
Combinando diferentes observações realizadas pelo Gaia e outros telescópios, a equipa também descobriu que Theia 456 é composto por 468 estrelas que nasceram na mesma altura e que se deslocam na mesma direção.
“À medida que começámos a ficar mais avançados, com os nossos instrumentos, tecnologia e capacidade de obter dados, descobrimos que as estrelas existem sob a forma de outras mais estruturas, sem ser em aglomerados”, frisa Andrews. “É frequente as estrelas formarem estas correntes ao longo do céu. Apesar de as conhecermos há décadas, estamos agora a começar a descobrir as que estão escondidas”, acrescenta.
“É como encontrar uma agulha no palheiro”
A maior parte das correntes estelares podem ser observados se um telescópio for apontado para fora do ‘plano galáctico’ da Via Láctea, a alongada região central de uma galáxia em forma de disco (como a nossa), e na qual se pode ver, simetricamente, os polos norte e sul. É no plano galáctico que se concentra a maior parte da massa das galáxias, sendo que o da Via Láctea contém cerca de 400 mil milhões de estrelas, todas elas a emitir radiação eletromagnética na forma de luz visível, o que faz com que as correntes estelares sejam difíceis de vislumbrar nessa cacofonia.
Uma delas, esticando-se ao longo de 500 anos-luz (o tempo que a luz demora a atravessar essa região do espaço), é precisamente Theia 456.
“A tendência é para focar os nossos telescópios em outras direções porque é mais fácil encontrar coisas aí. Neste momento, estamos a começar a encontrar estas correntes na galáxia. É como encontrar uma agulha no palheiro. Ou, neste caso, encontrar uma ondulação no oceano”, sintetiza o astrofísico da universidade estadunidense.
Para descortinar as 468 estrelas desta corrente, assim como a sua estrutura e direção, foi preciso recorrer a algoritmos computacionais, capazes de varrer enormes bases de dados estelares – neste caso, fornecidas pelo Telescópio Espacial Gaia. Para saber a sua idade, Jeff Andrews teve de criar um algoritmo capaz de cruzar a informação obtida sobre Theia 456 com os dados de outros catálogos, onde estão documentados outros tipos de estrelas.
O que descobriu Andrews e a sua equipa? Todas as estrelas que se encontram na corrente têm uma abundância semelhante de átomos de ferro. É preciso referir que à medida que o Universo envelhece, diminui a quantidade dos chamados átomos pesados, como o ferro, que existem nos ambientes que dão origem a novas estrelas. Feitos os cálculos, concluíram que as estrelas de Theia 456 nasceram há quase cem milhões de anos e partilharam o mesmo berço: estavam juntas, portanto.
Para reforçar esta conclusão, examinou-se, recorrendo a outros telescópios em terra e no espaço, a evolução do brilho destas estrelas ao longo do tempo, pois a sua medição é capaz de assinalar o quão rápido estão a girar sobre si próprias. Basicamente, estrelas da mesma idade demonstram um mesmo e distintivo padrão na sua velocidade de rotação.
A descoberta de que as estrelas se movem na mesma direção, apesar de estarem tão distantes umas das outras, podem ser pistas valiosas para outras descobertas, esclarece Jeff Andrews no texto dirigido à comunicação social: “Se soubermos como se estão a mover as estrelas, então podemos voltar atrás [como se fosse um filme a passar de trás para a frente] para descobrir de onde vieram. À medida que puxamos o relógio para trás, as estrelas ficam cada vez mais próximas. É por isso que julgamos que todas estas estrelas nasceram juntas e têm uma origem em comum”.
O que levou estas irmãs a afastarem-se uma das outras, ao longo do tempo? A crer na comunidade de astrofísicos, as alongadas correntes estelares que até ao momento se conhecem foram, em tempos, aglomerados estelares compactos que, a pouco e pouco, foram sendo rasgados e separados, devido aos efeitos das forças de maré (as influências gravitacionais) de outros corpos celestes.