Dulce Roselhó, de 97 anos, natural de Lisboa, vivia sozinha há duas décadas, desde a morte do marido. Durante grande parte da sua vida profissional, foi gestora numa empresa familiar, mantendo-se ativa até aos 83 anos. Quando decidiu reformar-se, não foi para abrandar, mas para se entregar a outras paixões há muito adiadas – ouvir música e perder-se nos livros. Queria viver mais.

Nunca foi de se isolar e sempre gostou de conviver, mas, à medida que os anos passaram e os 90 chegaram, as noites a sós começaram a ser mais difíceis. O corpo foi cedendo a um novo cansaço e começou a sentir-se vulnerável por passar as madrugadas sozinha.

Leonor Vila-Viçosa, de 22 anos, é uma jovem estudante universitária, licenciada em Gestão, que fazia todos os dias o trajeto Évora – Lisboa, para frequentar as aulas do Mestrado. Os custos da habitação em Lisboa forçaram-na a acordar cedo, todas as manhãs, para viajar até à capital, e muitas foram as sessões de estudo nos transportes públicos no regresso a casa.

Em breve, os caminhos destas duas mulheres que 75 anos separam, iriam cruzar-se.

“Partilha Casa” – um projeto que aproxima gerações e humaniza vidas

Com o objetivo de mitigar a dificuldade de acesso ao alojamento a um custo acessível por parte dos estudantes deslocados do seu contexto familiar e de combater a solidão e isolamento da população sénior, nasceu, em dezembro de 2023, o projeto “Partilha Casa”, desenvolvido pelo MEO. Trata-se de um website agregador de projeção nacional cuja plataforma integra as entidades que promovem a partilha de casa intergeracional e possibilita a que os interessados – seniores, jovens e instituições – efetuem o registo.

O conceito é simples: juntar jovens universitários que procuram alojamento e seniores que vivem sozinhos e apreciam companhia.

Enquanto site agregador, o “Partilha Casa” tem como principal objetivo a divulgação de programas que fomentam a partilha de alojamento entre seniores e jovens estudantes universitários. Todas as instituições que promovam esta iniciativa e se tenham registado no site irão aparecer na plataforma, após uma avaliação prévia.

Na ótica do utilizador, a plataforma foi desenhada de forma a ser intuitiva para todos os seus beneficiários, independentemente da sua literacia digital. O processo é simples: para quem tem um quarto na sua casa e boa-vontade em partilhar o seu espaço com um jovem estudante basta clicar em “tenho quarto”, introduzir alguns dados para que, posteriormente, a instituição escolhida possa entrar em contacto. Para quem procura um quarto e valoriza a troca de experiências com a geração mais velha, o passo-a-passo é exatamente o mesmo, mas com a opção “procuro quarto”.

“Este é um programa que vai além do combate à solidão. É sobre criar comunidade, devolver aos idosos o papel central que merecem na sociedade e, ao mesmo tempo, oferecer aos jovens uma oportunidade de crescerem com quem já viveu muitas vidas," explica Inês Schmidt, uma das fundadoras da "Une.Idades", organização lisboeta sem fins lucrativos, fundada em 2023 e parceira do projeto “Partilha Casa”.

O processo de seleção e match dos pares é realizado, com muito cuidado, pela instituição selecionada aquando do registo, que garante também, durante todo o período de convivência entre os pares, um acompanhamento contínuo. “Além da avaliação que fazemos inicialmente, para traçar o perfil tanto do jovem como do idoso, para promover o match intergeracional há um acompanhamento ao longo de todo o processo através de visitas domiciliares mensais e chamadas telefónicas regulares, de modo a percebermos como está a correr a experiência e se há alguns pontos que precisam de ser melhorados”, conta Teresa Sousa, representante do programa Abraço de Gerações, de Coimbra, ao SAPO. “São sempre visitas muito gratificantes pois vemos que, de visita para visita, a relação está a solidificar-se e são construídas relações muito familiares”, acrescenta.

“Quando se abre uma porta, abre-se o coração” – Um ano de convivência, aprendizagem e amor

Incentivada pelo seu filho, que lhe deu a conhecer o programa e a Associação Uni.Idades, Dulce decidiu abrir as portas da sua casa a Leonor. Após uma visita inicial, em que a estudante universitária foi acompanhada pela mãe, Dulce percebeu que tinham muitas coisas em comum e que a presença de Leonor poderia trazer nova vida ao seu quotidiano.

Partilhavam o gosto pela leitura, pela música e pelas longas conversas que fazem o tempo passar sem pressa. A jovem, por sua vez, viu na casa de Dulce um ambiente acolhedor, onde poderia estudar com tranquilidade e, ao mesmo tempo, desfrutar da companhia de alguém com tanta história para contar.

As duas celebram agora um ano de convivência, um verdadeiro exemplo do sucesso do projeto “Partilha Casa” e da Associação "Une.Idades". O tempo trouxe-lhes não apenas a partilha de um espaço, mas também uma ligação construída através do companheirismo, da troca de experiências e do respeito mútuo.

Viver com a Leonor foi um renascimento para mim. Sentia-me muito solitária e tinha receio de estar sozinha em casa à noite. Agora, sinto-me acompanhada e útil, porque estou a ajudar uma estudante a seguir os seus sonhos", confessa Dulce.

Este não é um caso único. Outros pares, como Adelaide e Filipa, também descobriram no projeto uma oportunidade para criarem laços autênticos e significativos. A história de Dulce e Leonor, assim como a de tantas outras duplas, demonstra o poder transformador da convivência intergeracional, onde diferentes gerações se encontram e se enriquecem mutuamente.

O programa “Partilha Casa” prova que abrir as portas a outra pessoa é mais do que dividir um espaço — é permitir-se construir uma ligação que pode trazer companhia, apoio e um novo sentido de pertença.

Panorama português

Segundo dados de 2023 da Eurostat, Portugal é o país da União Europeia a envelhecer mais rapidamente e, de acordo com um estudo do Observatório da Solidão realizado em 2022, 1.7 milhões de idosos afirmam viver em solidão. Paralelamente, a crise habitacional tem provocado um forte impacto na população jovem, com especial incidência nos estudantes, registando-se uma quebra de 80% na oferta de quartos para estudantes de 2021 para 2022, com cerca de 120 mil estudantes deslocados em Portugal. Estima-se, de acordo um com estudo feito pela Cushman & Wakefield, que só em Lisboa e Porto faltem 20.000 camas.

A plataforma online “Partilha Casa” foi desenvolvida pelo MEO que, através do estabelecimento de parcerias com programas que atuam neste âmbito, se assume como promotor e facilitador da iniciativa. Atualmente, integram o projeto o programa “Abraço de Gerações”, de Coimbra, o “Une.Idades”, de Lisboa e “Laços para a Vida”, de Évora.

O objetivo é que mais instituições adiram e se registem no site oficial, para que o potencial de angariação de candidatos seja ampliado de norte a sul do país, e que mais gerações se juntem e acabem a criar boas histórias para contar.