A SIC-Notícias promoveu um debate alargado sobre o futuro da Defesa em Portugal, sob o manto e o título da “Nova Defesa”, no mesmo dia em que o Emanuel Macron, na celebração do Dia Nacional de França, em memória à tomada da Bastilha a 14 de julho de 1789, referiu que “Para sermos livres neste mundo, temos de ser temidos. Para sermos temidos, temos de ser poderosos", apontado para que nunca antes desde a Segunda Guerra Mundial a liberdade esteve tão ameaçada no continente europeu. Este reconhecimento por parte do Chefe de Estado, do único país da UE com capacidade nuclear, de que não é possível continuarmos sob o “véu da ignorância” é revelador de que o Mundo alicerçado no Pós-II Guerra Mundial e consolidado com o final da Guerra Fria se encontra sob ameaça. Mas é mais do que isso. É o reconhecimento de que não há valores sem poder para os defender e impor.

Mesmo Alexander Wendt, um dos fundadores do Construtivismo nas Relações Internacionais, na sua obra de 1999 “Social Theory of International Politics”, na qual criticou as análises do sistema internacional apenas determinadas pela distribuição de capacidades materiais admitiu que há elementos tangíveis de poder (como a força militar, as capacidades económicas, o território, a tecnologia, etc.) que têm um papel relevante. No entanto, apenas porque adquirem significado político através das normas, das identidades e dos valores que moldam o relacionamento entre os diferentes atores (internos e internacionais).

Também, o colapso da União Soviética levou, alguns autores, como Francis Fukuyama a acreditar na vitória universal da democracia liberal e do capitalismo, como formas finais de governo e organização socioeconómica, bem como a hegemonia definitiva do Direito Internacional no relacionamento entre os Estados e, por isso, os decisores políticos poderiam apenas dedicar-se à construção de programas eleitorais e de governo que contemplassem as políticas públicas domésticas e o bem-estar dos seus eleitores. Dessa forma, a Innenpolitik, fortemente influenciada, por fatores internos — como a estrutura política, os grupos sociais, a opinião pública, a ideologia dominante ou os processos de tomada de decisão interna substituiriam, no processo de discussão pública e política, não apenas a Außenpolitik, da diplomacia e da cooperação internacional, mas sobretudo a RealPolitik, focada nos interesses estratégicos e na distribuição do Poder no Sistema internacional.

Esta ilusão num mundo pós-Kantiano não foi o único elemento que contribuiu para o desinvestimento na Defesa por parte dos Estados Europeus. A segurança que o art. 5º do Tratado de Washington oferece(ia) aos Aliados e convergência com os interesses dos EUA seria mais um dos elementos decisivos.

Ora, o regresso da guerra convencional à Europa, depois da agressão russa à Ucrânia desde 24 de fevereiro de 2022, destapou as vulnerabilidades da UE em capacidades militares e, por conseguinte, a sua falta de poder no ator global credível. Mas revelou algo mais importante aos Europeus, que se tinham esquecido com a letargia da “Paz perpétua” (e que nem os conflitos nos Balcãs, na década de noventa, fizeram despertar) – o mundo é anárquico e os Estados procuram maximizar o seu poder no sistema internacional (seja económico, militar, territorial) e quando percecionam a possibilidade de desafiar a potência(s) hegemónica(s), ameaçam a Ordem internacional estabelecida. O Mundo não mudou. Mas a compreensão que os Europeus tinham das Relações Internacionais começa, pois, a mudar para um “Novo Mundo”. Tal como as alianças que são, hoje e sempre, mutáveis, voláteis e imprevisíveis. E alguns aliados (nomeadamente o senior partner) podem não estar mais disponíveis para assegurar a Estabilidade Hegemónica como o fizeram no passado.

O primeiro-ministro Português confirmou, no debate, que compreende os desafios que se apresentam a Portugal ao nível das ameaças, das alianças e da Defesa. Desde logo, porque revelou que, também, Portugal está sob ameaça, sobretudo no domínio do Ciberespaço e que sofre, diariamente, ataques. Depois, porque se dirigiu à opinião pública para fazer pedagogia para todos, referindo que “nós não estamos empenhados em promover as políticas de dissuasão ou a prontidão das nossas Forças armadas, assegurar a defesa dos nossos valores, em garantir a nossa Liberdade e o Respeitos pelos Direitos Fundamentais, mas também estamos empenhados em garantir o Desenvolvimento Económico do nosso país”.

Com efeito, a intervenção de Luís Montenegro procurou afastar, definitivamente, a tensão dilemática que tem dominado a agenda mediática sobre o Investimento em Defesa – Pão com manteiga ou armas (Guns or Butter)? A qual constitui uma metáfora clássica da economia política e da teoria das escolhas públicas, representando o dilema entre gastar recursos em defesa ou em bens de consumo civil (como alimentação, saúde, educação, segurança social...). Para o primeiro-ministro “não devemos ver as duas coisas em confronto, mas ver ambas como complementares. A Defesa pode promover e garantir o Estado Social [...] e, por isso, este Governo inscreveu o investimento da Defesa na Reforma do Estado”. Esta visão holística e a possibilidade do investimento em Defesa criar externalidades positivas para toda a Economia irá, porém, requerer que se façam opções estratégicas determinantes, nomeadamente:

  • A compra exclusiva a nível externo de capacidades militares (despesa) ou o Desenvolvimento de uma Base Tecnológica e Industrial, em articulação com as Universidades e as nossas empresas (investimento);
  • Avaliação do tecido industrial nacional e da inovação emergente no país para a edificação de capacidades de uso dual e quais darão maior retorno ao país. Quais serão aquelas em que Portugal pode assumir uma posição dominante no Mercado Europeu, Lusófono e Internacional;
  • Flexibilização das leis de contratação Pública, com o objetivo de agilizar e simplificar procedimentos e prazos;
  • Criar previsibilidade aos agentes económicos a longo-prazo, uma vez que se tratam de investimentos muito avultados, tal como o Relatório Niinisto apontou.
  • Aproveitar os vários instrumentos da UE, quer no domínio do Rearm Europe/Readiness 2030, como o SAFE, mas também do Fundo Europeu de Defesa, dos projetos no âmbito da Cooperação Estruturada Permanente ou do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz;
  • Assegurar a Interoperabilidade entre os Estados-Membros e dirimir a concentração do Investimento no litoral do país. A Coesão europeia e a coesão territorial nacional deverão nortear as opções de investimento.
  • A aprovação de Documentos Estratégicos com um consenso tão alargado, quanto possível.

Em relação a esta última questão também conhecemos, ontem, uma carta que o líder do partido Socialista, José Luís Carneiro enviou ao primeiro-ministro disponibilizando-se para um “Acordo Estratégico para um Plano de Desenvolvimento Nacional e de Capacitação da Defesa" com o prazo definido de três meses. Na verdade, a Defesa e a Política Externa sempre acomodaram a convergência dos principais partidos em Portugal e podem ser, também neste momento, a cola que permitirá a esta legislatura durar quatro anos. Não podem é colar demasiado (e apenas) os dois partidos – PSD e PS – sob pena de ameaçarem a sobrevivência de ambos. Pois, tal como os Estados, também os partidos políticos procuram, apenas, a maximização do poder.