Depois de um período de ciclos eleitorais tão frequentes como cansativos, o mais certo é que as nossas avenidas, as nossas rotundas e os nossos passeios continuem a lembrar-nos as frases propagandísticas, as promessas vazias e as caras de quem mais nos mente... E ali ficarão a marcar passo até ao próximo ato eleitoral, seja lá quando for.
Em publicidade, algumas destas práticas poderiam passar por "publicidade enganosa", pelo seu conteúdo, e num país em que o escrutínio civil ou legal verdadeiramente funcionasse seriam até punidas. Em publicidade, e num país que funcionasse, todo e qualquer painel estaria sujeito a licenciamento, envolvendo por vezes até pareceres favoráveis prévios de outras entidades. Isto se estivermos a falar de painéis de publicidade legais, claro.
Dizem-nos que a mensagem política está acima da lei e, com base neste entendimento enviesado, o princípio da liberdade política foi estendido a este tipo de expressão propagandística permanente, fora do âmbito de qualquer campanha e que ocupa o nosso espaço. Se ainda não adivinhou, hoje falo dos painéis políticos, aqueles que vamos continuar a ver espalhados por todo o lado. Que melhor espelho do país que temos?!
É também para aí que o dinheiro dos nossos impostos é direcionado. Através da lei do financiamento de (alguns) partidos, pagamos do nosso bolso a publicidade política que invade o nosso espaço público em permanência, em muitos casos com mensagens de manipulação e de desinformação. Contrariamente ao regime equitativo e menos oneroso da maioria dos países da Europa que prevê locais temporários e bem definidos para uma afixação comum e igualitária de todos os partidos, o nosso regime correlaciona o tamanho e o alcance da propaganda com a capacidade orçamental do partido... As ideias, essas, ficam para depois e isso também se reflete na nossa governação mediática. Eu sei por experiência própria: não há moção de freguesia enviada às entidades e partidos nem petição pública promovida por um candidato às presidenciais de 2026 que mude este panorama. Mais de 60% de abstenção nas Europeias é dizer também: “Façam o que quiserem de mim e do meu espaço, eu estarei na praia a beber caipirinhas.”
A nossa consciência cívica deveria impelir-nos a exigir mais: mais mudança, mais clareza, mais responsabilidade. Mas nada disso muda o facto de este cenário ser tão preocupante: não só pela invasão do espaço público, mas também pela mensagem subjacente de privilégio e de desigualdade.
A falta de regulamentação específica para a propaganda política exterior reflete uma falha sistémica que perpetua também ela a desconfiança na classe política. Se em publicidade comercial as regras são claras e rigorosas, por que não aplicar os mesmos princípios à propaganda política? Uma regulamentação justa da propaganda política já existe noutros países, procurando conciliar os vários princípios, interesses e liberdades envolvidas nesta atividade. E, sobretudo, fazer respeitar aquela grande premissa de qualquer Estado de Direito de que nada nem ninguém é intocável perante a lei. Só assim se alcança uma sociedade mais justa e transparente, onde a confiança nas instituições e nos seus representantes seja reforçada.
Mas se quisermos continuar a ser espectadores passivos destas painelices é simples: da próxima vez que passar por um político a sorrir para si do alto de um painel lembre-se que, independentemente do seu voto, foi pago com o seu dinheiro... e tanto um como o outro estão acima da lei.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo