Donald Trump foi eleito com a promessa de Tornar a América Grande de Novo, o famoso MAGA - Make America Great Again. Na realidade, a América nunca deixou de ser grande, é o país mais poderoso e rico do mundo, está no top 20 dos países com maior índice de desenvolvimento humano, tem as melhores universidades e as maiores e mais inovadoras empresas. Mas muitas coisas estão longe de estar bem na América. Muitos indicadores têm piorado, desde a capacidade industrial e desigualdade económica, às taxas de obesidade, de homicídios e overdoses até à satisfação com a vida e com o estado do país.
Esta sensação de declínio generalizado é partilhada por muitos americanos, das mais variadas origens, classes sociais e ideologias, e explica muito do apelo de Trump com o seu Trumpismo MAGA, nostálgico e saudosista, que levou à sua vitória nas presidenciais de 5 de novembro contra a vice-presidente Kamala Harris. Para quem é um pouco à esquerda na economia, mas à direita em questões culturais, tendência ideológica popular nos EUA, a perceção de uns EUA em declínio a transformarem-se em algo que desgostam é ainda maior.
Desde os anos 1970, e sobretudo 80, que os Estados Unidos têm virado numa direção neoliberal, mais à direita na economia, e mais à esquerda nos costumes, ou melhor dizendo, em bom vocabulário europeu, liberal em toda a linha.
Houve, obviamente, muitas coisas boas nesta viragem, desde um continuado dinamismo económico que não tem acontecido em outros países ricos, como a Europa Ocidental e o Japão, a uma grande melhoria nos direitos das minorias e no tratamento das mulheres. Mas à custa de quê? – perguntam-se muitos americanos, sobretudo aqueles que tendem a ser moderados na economia, mas muito conservadores e nacionalistas. Aqueles americanos que viram na figura de Trump e nas suas propostas um quebrar com os consensos das elites dos dois maiores partidos, democratas e republicanos, em várias questões, do livre-comércio à imigração e um alegado globalismo de ambos pouco preocupado com o americano comum, que não põe a América em primeiro, daí a resposta de Trump com o slogan America First.
Há sem dúvidas mudanças nos EUA que não devem agradar a nenhum americano, e outras que não agradam a alguns americanos, consoante a sua profissão, classe social, etnia ou ideologia. Vamos ver, primeiro, em que indicadores a América está longe do seu melhor, e depois indicadores que mostram os EUA a irem numa direção contrária aos desejos de muitos nacionais-conservadores, nacionais-populistas ou comunitaristas, que em grande medida veem na reeleição de Trump uma chance para virar a direção da América para um caminho que lhes agrade.
O slogan Make America Great Again é pensado para apelar a muitas diferentes nostalgias por tempos muito diferentes. Para quem é mais libertário, é frequente os anos 20 serem lembrados como uma era gloriosa de capitalismo americano (até à crise de 1929!). Para outros, são os anos 50, antes das grandes mudanças sociais dos anos 60, que levaram a uma maior igualdade entre sexos e entre raças e a um quebrar da ordem tradicional, que desagrada a muitos conservadores. O período pré-anos 1970 também é o período de maior poderio industrial americano e de relativas baixas desigualdades, o que apela a americanos de vários quadrantes ideológicos. Outros veem com nostalgia a segunda metade dos anos 1990, uma época de otimismo, desenvolvimento e apaziguar das tensões sociais e do crime.
Com base nos indicadores que vamos analisar a seguir, é de facto comum 1999-2000 aparecer como um apogeu de bem-estar, satisfação e poderio americano. Olhemos então indicadores económicos, absolutos e relativos, depois indicadores de saúde, física e mental, e ainda outros mais subjetivos, terminando com aqueles que dependem da preferência de cada um.
Comecemos por indicadores económicos. Tirando um ou outro ano de recessão o PIB americano tem crescido continuamente desde a Grande Depressão na década de 1930. Mas no século XXI nunca cresceu acima de 4% ao ano, com a exceção do ano da recuperação da crise da covid, 2021. A tendência tem sido de 2% a 3%, Trump gostaria certamente de pôr estes números acima de 3%, o melhor valor que conseguiu no seu primeiro mandato, no ano de 2018. Também é possível que Trump fique satisfeito com um crescimento mais moderado do PIB, caso consiga abrandar o crescimento da população reduzindo a imigração e o número de imigrantes ilegais, mesmo que estes até tendam a acelerar o crescimento da economia.
Mais do que a desaceleração do crescimento económico, outras duas tendências contribuem para uma perceção de declínio americano. A primeira é em termos comparativos mundiais. O PIB americano continua a ser o maior do mundo, mas o da China rivaliza hoje com ele, tendo crescido quase sempre mais depressa que os EUA. Ainda faltam vários biliões (trillions) de dólares, para o PIB chinês ultrapassar o americano (18,3 biliões face a 29,2 biliões, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional para 2024). Mas quando se ajusta os PIB ao poder de compra de cada país, a China já ultrapassou os Estados Unidos. Em proporção do PIB mundial, não ajustando ao poder de compra, o PIB americano é hoje pouco mais de um quarto, proporção que até tem vindo a crescer desde 2011, em parte devido à valorização do dólar, mas que continua a ser significativamente abaixo das percentagens superiores a 30% do início do século, e ainda mais dos valores pós-Segunda Guerra Mundial, quando chegou a ser 50% do PIB mundial, o apogeu da supremacia económica americana.
Em termos de produção industrial os Estados Unidos até já foram ultrapassados pela China, país do qual são os maiores importadores. Segundo os dados da Reserva Federal, o crescimento da capacidade industrial decresceu acentuadamente no novo milénio, embora esteja a assistir-se recentemente a uma modesta aceleração. Se olharmos para a última vez que os Estados Unidos representaram 20% das exportações mundiais de serviços e mais de 12% das mercadorias, ambos muito acima dos valores de 2023 (13% e 8,5%) concluímos que a última vez que a América foi mesmo “grande” economicamente e sem rival foi no ano 2000 (o último da presidência do democrata de Bill Clinton).
A segunda tendência é o desacelerar do crescimento do salário médio, sobretudo quando comparado com o crescimento da produtividade. Esta tendência é particularmente clara no setor da manufatura, em que os salários reais (ou seja, ajustados à inflação) pararam de subir no início dos anos 1970, enquanto a produtividade real continuou a crescer. A partir dessa altura, os salários medianos também desaceleraram fortemente o ritmo de crescimento, acelerando apenas significativamente no primeiro mandato de Trump. Algo que certamente contribuiu para a perceção de uma pequena idade de ouro com Trump, comparando com os anos de muita inflação de Joe Biden, em que os salários reais pouco ou nada cresceram.
Passemos agora para indicadores de saúde. É muito mais comum um americano ser obeso, viciado em drogas e morrer cedo do que qualquer europeu que não seja dos países da antiga URSS. Daí a junção da candidatura de Robert F. Kennedy Jr, um ex-democrata ativista de saúde pública, ao movimento de Trump, Make America Great Again, criando o slogan e movimento Make America Healthy Again (MAHA) que significa Tornar a América Saudável de Novo.
Os Estados Unidos estão fora dos tops mundiais de esperança média de vida à nascença desde os anos 1940. Em 2023, os americanos podiam esperar viver em média pouco mais de 79,3 anos à nascença, mais 12,5 do que em 1947, e mais 4,6 anos do que em 1984, e apenas a 0,8 anos de diferença em 2009! Enquanto em outros países, inclusive ricos como França, a esperança média de vida tem subido muito mais depressa, e chega a ser hoje vários anos acima da americana. Do top 10 mundial nos anos 1940, os americanos caíram para mais perto do quinquagésimo lugar, atrás de países como o Panamá, a Albânia e Omã.
O que explica esta relativa baixa esperança de vida dos americanos, que mal aumentou nos últimos 15 anos? Ao contrário do que se possa pensar, o sistema de saúde não universal dos americanos não é a principal causa, embora não ajude, mas sim a alta mortalidade pré-velhice devido a altos números de homicídios, acidentes rodoviários, suicídios, overdoses, e ainda uma péssima alimentação que leva a altas taxas de obesidade. Ainda mais nos homens do que nas mulheres, os números de esperança de vida americana destacam-se pela sua lenta progressão e pelo seu valor reduzido, quando comparados com os congéneres ocidentais. Tornar a América saudável de novo passará por conseguir que a esperança média de vida volte a subir como subia antes dos anos 2010. E embora haja já sinais de uma melhoria rápida neste indicador, assim como nas causas desta lenta progressão, a verdade é que os homicídios continuam significativamente acima de 2014, e ainda mais dos pares europeus; a obesidade nos adultos está nos 40%, e só recentemente começou a descer graças ao medicamento milagre Ozempic; as mortes devido a baixa atividade física, doenças respiratórias, açúcar elevado no sangue, os níveis de hipertensão, estão todos no seu pior de sempre ou perto disso.
E se os americanos, alguns pelo menos, se matam muito uns aos outros, também se matam muito a si mesmos, não só por comerem demais, mas também por beberem demais, drogarem-se demais, e até suicidarem-se muito. A taxa de suicídios esteve num vale por volta do ano 2000, tendo piorado desde então, mas pior do que os suicídios é o número de americanos que tenta resolver a sua insatisfação com a vida drogando-se. Seja cocaína sejam anfetaminas ou opiáceos, o número de consumidores subiu rapidamente desde os anos 1990, de menos de 2% em 1999 para 3,7% em 2021. O número de mortes por abuso de drogas foi, em 2021, de 19,5 por 100 mil habitantes, quatro vezes mais do que 20 anos antes e 15 vezes mais do que em 1980. Tornar a América Saudável de Novo passaria por no mínimo voltar aos valores de abuso de drogas e álcool do final dos anos 1990, assim como de suicídios.
A felicidade dos americanos já teve, de facto, dias melhores. Passando agora para dados de inquéritos, e não do governo ou organizações mundiais, vemos que, segundo o Integrated Values Survey, passou-se de 93,8% dos americanos a dizerem que eram felizes para 88,2% em 2022. No World Hapiness Report também se vê uma diminuição de 7,27 em dez em 2011 para 6,72 em 2023 no que toca a satisfação com a vida. Passando para a percentagem de americanos satisfeitos com o estado das coisas no país, os dados da Gallup, que recuam até 1979, mostram-nos dois picos, um em 1986, e outro, mais prolongado na viragem do milénio, até 70%. Depois de um último pico patriota após os ataques do 11 de Setembro começou o declínio, até mínimos abaixo de 10% com o começar da Grande Recessão no final de 2008. Após esse mínimo, começou uma lenta recuperação, com um último pico modesto nos 42% em fevereiro de 2020, durante o mandato de Trump, mesmo antes de a covid embater em força na América. Desde então, os números voltaram a piorar e mal têm conseguido recuperar.
A Gallup também tem dados para a percentagem de americanos que diz que as relações entre brancos e negros é boa, cerca de 70% dos americanos brancos até 2013, e um pouco menos dos negros. Desde 2014, com uma série de negros mortos pela polícia em casos mediáticos e o surgimento do movimento Black Lives Matter, os números pioraram muito, para bem baixo dos 50%, em ambas as raças.
Provavelmente, não é coincidência que os homicídios em geral também tenham aumentado muito desde 2014. Muitos americanos deixaram de confiar na polícia, assim como muitos deixaram de confiar nos media, nos cientistas, e segundo o Pew Research Center, também no Estado. Depois de uma era dourada de confiança nas instituições, e nas elites, em que se chegou a ter, em 1964, 77% dos americanos a confiar que o Estado faria a coisa certa quase sempre ou na maioria das vezes, a confiança caiu a pique com os tumultos dos turbulentos anos 1960. Depois de um mínimo de 21% em 1994, os números recuperam mais uma vez ao longo da segunda metade da década de 1990, com um pico pós-11 de Setembro, em 2001, de 49%, desde então o declínio face à pior confiança de sempre voltou. Fazer a América Confiar de Novo seria, no mínimo, regressar aos valores da viragem do milénio, mais uma vez, sendo já praticamente impossível regressar aos valores dos anos 50 e início de 60.
E o mesmo se aplica a vários outros indicadores, que desagradam muitos americanos, sejam mais de esquerda, como a desigualdade económica, sejam mais à direita, como a percentagem de americanos religiosos que vai à Igreja, que se casa e tem filhos, tudo indicadores que estão muito abaixo do final dos anos 90 e início dos 2000, e ainda mais da tal era dourada de vida em comunidade dos anos 50 e início dos 60. Para quem acrescenta ao conservadorismo uma dose forte de nativismo, como Trump, também é notável e preocupante que a percentagem de americanos que nasceu do estrangeiro tenha triplicado, de 4,7% em 1970 para 14,3% em 2024, muito próximo do recorde de 14,8% em 1890, com a notável diferença de que a grande maioria dos imigrantes hoje nos EUA já não vem da Europa.
Por mais que Trump restrinja a imigração e deportação de imigrantes ilegais, nunca irá conseguir voltar aos números de há 50 anos; mesmo voltar aos cerca de 10% de 2000 será extremamente difícil, possível apenas fechando o país e expulsando todos os imigrantes ilegais. Mas tal como na última vez que se fez grandes restrições à imigração, em 1924, parece que é por volta dos 15% que a vontade de reduzir a imigração se torna mesmo forte.
Pode ter reparado que há, portanto, duas eras de ouro na América, uma nos anos 50 e início de 60, infelizmente marcada por grandes injustiças para com as minorias raciais e as mulheres, e outra, por volta do ano 2000, com benefícios muito mais distribuídos, e mais atingível. Se Trump tornar a América 2000 de Novo, sem perder aquilo que melhorou desde então, já fará mais do que jus à sua promessa de Tornar a América Grande de Novo.
Mestre em Estudos Internacionais no ISCTE e licenciado em História pela Nova FCSH