Ao longo da história da humanidade, os meios de transporte têm evoluído de forma impressionante e rápida. O exemplo clássico do Titanic, palco de uma tragédia romântica imortalizada no cinema, ilustra bem essa mudança. Cinquenta anos depois, essa história não poderia ter acontecido porque os paquetes marítimos foram substituídos pelos aviões e desapareceram dos oceanos. A partir dos anos 70, o romance de Rose e Jack teria de ser repensado para se ajustar a um voo supersónico do Concorde, de apenas três horas, entre Londres e Nova Iorque. Ou então poderiam optar por colocar este enredo a bordo de um luxuoso cruzeiro de férias nas Caraíbas.
Este pequeno exemplo ilustra bem a impressionante transformação dos meios de transporte e como eles moldam não apenas as nossas viagens, mas também as nossas histórias, experiências e, claro está, as infraestruturas, desafiando-nos a imaginar novas formas de explorar o mundo à nossa volta.
É certamente esta análise prospctiva que está subjacente a uma das frases mais emblemáticas de Camões: "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades." A tecnologia aliada às mudanças regulamentares, ambientais e climáticas vai e já está a transformar radicalmente a forma como nos deslocamos. E num mundo onde a sustentabilidade e a eficiência são cada vez mais valorizadas é difícil imaginar um futuro onde o transporte aéreo convencional continue a funcionar nos moldes que conhecemos hoje. Pensem bem: o transporte aéreo, comparado com outras formas de viajar, requer mais espaço, está sujeito a normas restritivas mais rigorosas e é responsável por uma quantidade significativa de emissões de ruído e poluição. Além disso, muitas vezes as deslocações até ao aeroporto podem ser tão ou mais demoradas quanto o próprio voo em si. É inevitável admitir que o modelo tradicional de transporte aéreo tem os dias contados.
Mas isso não significa que vamos parar de viajar, apenas significa que vamos viajar de forma diferente, mais sustentável e eficiente. Aliás, se o próprio Luís de Camões fosse um viajante dos tempos modernos, é difícil imaginar que escolhesse uma caravela e todas as suas condições adversas para navegar pelos céus.
Pelo meio, enquanto povo, enfrentamos esta escolha permanente que recai sobre as referências da nossa epopeia, condenando-nos à prisão do passado e à incapacidade de liderarmos novamente uma inovação futurística, justamente aquela que nos foi tão particular na época dos Descobrimentos. Nestes Novos Tempos, parece que seguimos sem rumo e com a sociedade a aplaudir investimentos do passado no presente que fecham as portas ao futuro. É por isso que, perante as várias decisões tomadas por este governo a propósito da questão aeroportuária da região de Lisboa, prefiro concentrar-me nas boas notícias sobre as obras na Portela, a melhor gestão do espaço aéreo introduzida pela NAV no dia 16 de maio, as ligações de alta velocidade capazes de substituir a pressão dos voos que mais espaço ocupam no aeroporto de Lisboa – aqueles com destino a Madrid e ao Porto.
Prefiro isso a pensar que o Campo de Tiro ainda me pode sair pela culatra... ou pior, ainda me pode sair do bolso.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo