“A inteligência artificial (IA) é uma área da ciência da computação que busca desenvolver sistemas e máquinas capazes de realizar tarefas que normalmente exigem inteligência humana. Essas tarefas incluem raciocínio, aprendizado, reconhecimento de padrões, interpretação de linguagem natural e tomada de decisões. Nos últimos anos, a IA tem avançado a passos largos, impactando diversas áreas da sociedade e transformando a maneira como vivemos, trabalhamos e nos comunicamos”.
Este parágrafo foi a resposta que o ChatGPT deu a uma simples pergunta: o que é a IA? Claro que a resposta foi muito mais extensa, mas o que importa aqui referir é que o ChatGPT conseguiu, em poucos segundos, construir um texto, diríamos algo completo, sobre IA, mencionando as suas características, a sua capacidade de aprender e melhorar, dando exemplos, entre outros.
De resto, quase podemos concluir que foi à boleia desta ferramenta que a IA, por assim dizer, entrou na ordem do dia de há alguns anos a esta parte, sendo, porventura, uma das suas ferramentas mais conhecida.
Mas não é (só) do ChatGPT que importa falar, porquanto a IA não se esgota aí. A IA, é certo, não é mais do que uma tecnologia, contudo, bastante poderosa, quanto mais não seja porque, atualmente, a nossa vivência em sociedade já depende (e muito!) dela.
Basta mencionar, entre vários exemplos, os algoritmos de redes sociais, o reconhecimento facial dos nossos telemóveis, em assistentes de voz, como seja a Siri e a Alexa.
Uma das principais características da IA é a sua capacidade de aprender e melhorar ao longo do tempo, sendo inúmeras as possibilidades de atuação. O campo do direito não é exceção, com especial destaque nas profissões jurídicas. Os escritórios de advocacia veem na IA um potencial de otimização de tempo e redução de custos. Já no campo da administração da justiça, ferramentas de IA capazes de melhorar a tramitação dos processos nos tribunais estão a ser, cada vez mais, objeto de análise, se não já de soluções.
Assume particular relevo a IA preditiva, ou seja, a IA que é capaz de antecipar comportamentos ou prever eventos futuros. Por aqui já pode fazer uma ideia da potencialidade que uma ferramenta de IA preditiva encerra. Imagine-se a possibilidade de as partes, num contrato, saberem de antemão os riscos que lhe estão associados, ou de saberem o desfecho de um processo judicial antes de o mesmo ser julgado definitivamente. Já vimos tecnologia desenvolvendo peças processuais!
Numa outra dimensão, a IA confronta-se com a propriedade intelectual, e a dois níveis: o de saber se uma obra gerada por IA é protegida por direito de autor, por um lado, e o de saber se, ao gerar essa obra, a IA é livre quanto à utilização de obras e outros conteúdos protegidos por direito de autor, por outro lado.
O direito de autor, presentemente, move-se “Entre a Alma e o Algoritmo”, para citar o título de um recente artigo de imprensa.[1]
Ora, quanto a este último aspeto, o de ferramentas de IA (como o ChatGPT) que utilizam obras e conteúdos protegidos por direito de autor, há muitos casos em avaliação nos tribunais, em que os autores acusam várias empresas de IA de infringir direitos autorais. Cremos que estará para breve o culminar de muitos destes processos.
Já quanto àquela primeira questão parece mais consensual a opinião de que as obras criadas por ferramentas de IA, enquanto tal, ou seja, sem qualquer tipo de intervenção humana, não serão passíveis de proteção por direito de autor. Tal entendimento preconiza a ideia de que uma obra terá de refletir uma liberdade de criação artística, intimamente ligada ao espírito do seu autor, o que naturalmente uma “máquina” não poderá refletir.
É nesta disparidade de análise que os poderes públicos se confrontaram com a necessidade de controlar a IA, ou melhor, o seu desenvolvimento, desde logo porque a própria evolução tecnológica a que assistimos nos permite antever que muito mais será expectável de acontecer num futuro próximo.
Merece uma particular referência o Regulamento nº 2024/1689 (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, tratando-se do primeiro instrumento jurídico (a nível mundial) visando regular a IA nas suas múltiplas facetas, incluindo o apoio à inovação.
Sem dúvida, uma das principais preocupações do legislador europeu foi a de proporcionar um ambiente de IA fiável para os cidadãos europeus, garantindo segurança e respeito pelos seus direitos fundamentais. A este respeito, a União Europeia adotou um enquadramento da IA baseada no risco, isto é, na potencialidade que uma tecnologia de IA tem para constituir, por exemplo, uma ameaça à segurança das pessoas, que desde logo é considerada como uma situação de risco inaceitável, logo uma prática de IA proibida pelo Regulamento.
Muito haveria a dizer sobre este Regulamento, sendo discutível se esta primeira abordagem da União Europeia a este delicado tema foi a mais correta. Os Estados Unidos e o Reino Unido estão a adotar diferentes abordagens quanto a este tema.
Nos EUA, foi através de uma ordem do Presidente Joe Biden, de outubro do ano transato (“Executive Order on the Safe, Secure, and Trustworthy Development and Use od Artificial Intelligence”) que ficámos a saber que não se impõem às empresas criadoras de IA limitações ou responsabilidades, precisamente considerando as potencialidades da IA e o que as mesmas podem representar em termos de benefícios para a sociedade.
No entanto, impõe responsabilidades às agências e secretarias do governo dos EUA na elaboração de pesquisas, relatórios, manuais e orientações sobre inteligência artificial, visando direcionar as políticas relacionadas à IA.
Pelos riscos que a IA comporta, e que estão à vista de todos, pessoalmente prefiro viver num país onde este tema já tenha sido objeto de regulação, mormente impondo já alguns limites em matéria de IA.
Coordenador do Departamento Jurídico da RCF - Protecting Innovation S.A.
[1] “Entre a Alma e o Algoritmo: o Direito de Autor na era da Inteligência Artificial”, artigo da autoria de Patrícia Akester, publicado no Diário de Notícias de 2 de outubro de 2024.