Quando ao fim da tarde de ontem AD e PS revelaram as suas listas às Europeias de junho, a surpresa foi a reação mais imediata. Sobretudo porque, uma vez mais, as certezas quase absolutas que se propagavam como fogo em palha seca foram rotundamente negadas pelos factos.
Mais interessante, porém, será observar o segundo momento da revelação de Sebastião Bugalho e Marta Temido como cabeças das listas da AD e do PS, respetivamente, que marcam um corte com o passado dos dois lados da barricada. Por um lado, porque são demonstrativas da atitude que domina as estruturas à direita e à esquerda, por outro, porque revelam como se enraizou a narrativa proposta nos últimos anos pela máquina de comunicação socialista, que se mantém forte mesmo após nove anos de desgoverno, de que tudo o que vem da outra metade do hemiciclo é mau e pouco ou nada recomendável.
Do ponto de vista interno, há que lamentar desde logo a "apreensão" à direita, assumida ao DN pelos próprios sociais-democratas, e o mal-estar muito público quer de Rui Moreira quer dos que o rejeitaram como candidato quando o próprio Presidente Marcelo o fazia crer que seria o escolhido. E que contrasta em absoluto com o silêncio do PS perante a escolha do secretário-geral ter recaído sobre uma militante quase a estrear, em detrimento do senador Assis e da ex-futura-candidata a líder Ana Catarina Mendes (números dois e três na lista), e sem sequer poupar quem tinha voz ativa e trabalho firmado na Europa -- de Maria Manuel Leitão Marques ao hoje vice-presidente do Parlamento Europeu, Pedro Silva Pereira.
Mas verdadeiramente curioso é ver como foram recebidos cá fora os candidatos -- e como se foi lendo as escolhas de um e do outro lado. Sebastião, o newcomer cujo maior talento é "ser conhecido", ser "um miúdo" e pegar-se com quem pensa de forma diferente em painéis de comentário. Marta, a escolhida que nos liderou durante a pandemia, para cujo valor Lisboa era afinal demasiado pequena, um "regresso" de alguém com "ampla experiência política".
Aparentemente, a juventude e a renovação tão desejadas e a aposta em independentes que venham de fora da máquina partidária não caem bem, ao contrário da dependência e carreirismo que se diz que não funciona e que se quer mudar. Mesmo que a "experiência" seja reduzida a uma prestação ministerial medíocre.
Exagero? Ainda que ninguém ponha em causa a sua inteligência e combatividade, Sebastião é visto como um risco e teve direito a que se questionasse a sua capacidade, competência e até idoneidade; até acusações ocas que terminaram em arquivamento foram recuperadas para os palcos mediáticos, a par dos momentos, descritos ao detalhe, em que acusou Prata Roque de mentir aos portugueses e "levantou a voz" contra os argumentos de colegas de painel. Isso sim, é grave!
Ao contrário dos aparentemente esquecidos desastres da gestão da covid, da mortalidade e dos excessos da pandemia sob a batuta de Temido, do caos em que deixou o SNS, da implosão das PPP e das demissões em bloco das direções de praticamente todos os grandes hospitais públicos do país, dos enfermeiros a quem chamou "criminosos" quando foi instada a com eles negociar, dos médicos que acusou de serem "piegas" e que quis obrigar a ficarem amarrados aos hospitais públicos, da grávida que morreu e que acabou por ditar o seu afastamento da pasta da Saúde.
O que pensa cada um deles sobre política europeia, o que defende sobre a posição que Portugal deve ter na União, como pensa defender os interesses do seu país, o que crê poder acrescentar naquele fórum que tantas vezes demonstra estar a anos-luz da vida dos cidadãos, que causas irá levar para cima da mesa... Nada disto importa quando se pode especular sobre quão traído se sentiu Moreira.
O que talvez ajude a explicar que o canal público tenha considerado que não valia a pena cobrir o lançamento da candidatura de Joana Amaral Dias, pelo ADN...
Diretora editorial