Já são conhecidos os dados relativos ao crescimento da economia portuguesa em 2024, que mostram um aumento do produto interno bruto em 1,9%, e torna-se cada vez mais evidente uma dualidade presente na evolução da nossa estrutura económica.
Num dos lados desta dualidade, temos motivos para entusiasmo. O crescimento económico é mais do dobro da média europeia, o desemprego encontra-se em níveis historicamente baixos e as contas públicas apresentam um excedente raro no contexto global. Contudo, no outro lado, o cenário na indústria é preocupante: o setor ainda não recuperou os níveis de produção de 2022 e os juros elevados estão a sufocar empresas descapitalizadas, levando muitas ao encerramento. Assim, num ano em que os indicadores macroeconómicos brilham, os despedimentos coletivos atingem máximos históricos.
A chave para conciliar esta aparente contradição encontra-se, mais uma vez, no turismo. Este setor é a principal fonte de crescimento da atividade económica, da receita pública e do emprego. Tal deve-se ao esforço de diversificação geográfica promovido pelos nossos operadores turísticos. Um exemplo notável é a crescente relevância dos turistas americanos, impulsionados por uma economia robusta. Pela primeira vez, este mercado liderou o ranking de visitantes, compensando a redução dos gastos de turistas europeus em dificuldades económicas. Esta diversificação é uma das maiores vantagens do setor: enquanto algumas geografias recuam, outras avançam, sustentando o dinamismo do turismo português.
É também por isso que se espera que a política de Trump intensifique esta dualidade. Por um lado, com mais dinheiro nos bolsos (graças à redução dos impostos) e um euro mais fraco, o turista americano terá mais apetite pelos nossos hotéis e restaurantes. Por outro lado, a nossa indústria enfrentará maiores dificuldades em exportar para a Europa, que, por sua vez, terá mais desafios em exportar para os Estados Unidos.
Esta dependência no turismo, contudo, esconde dois problemas. Primeiro, o turismo não chega a todo o território, agravando ainda mais as assimetrias regionais: o crescimento económico do país não significará o crescimento de todas as regiões no país. Segundo, é praticamente impossível acrescentar muito mais valor às atividades turísticas sem capital – algo que escasseia em Portugal. Assim, o crescimento económico baseado no turismo dependerá de um maior volume de turistas, intensificando os problemas associados à gentrificação dos territórios.
Apesar desta transformação mais dependente do turismo, ela não tem de ser inevitável. Os atuais riscos geopolíticos estão a criar oportunidades para Portugal reequilibrar o seu tecido económico. Estes riscos alertaram as empresas para a necessidade de reaproximar as cadeias de abastecimento, intensificando as dinâmicas de nearshoring. À medida que as empresas europeias ponderam onde localizar as novas fábricas, os ventos gélidos da Rússia estão a empurrá-las para o Ocidente. Nesta corrida, Espanha tem sido mais proativa e atraído um volume considerável de investimento estrangeiro. Contudo, os graves problemas nas finanças públicas espanholas e a perspetiva de aumentos de impostos podem dar a Portugal uma vantagem competitiva.
É precisamente para isso que servem as contas públicas em ordem – não para aumentar a despesa, mas para usar a margem orçamental de forma estratégica, atraindo investimento e gerando mais riqueza no futuro. Este é o momento certo para agir; iremos aproveitar esta oportunidade?
Docente da Porto Business School e especialista em Economia